Embora a indústria dos videojogos esteja a atravessar uma era de prosperidade também se encontra num mar de repetição. O custo de cada jogo está cada vez maior e perante este prisma é cada vez mais comum as empresas enveredarem por trilhos mais seguros. No entanto, a Digital Mind Games e a Kwalee decidiram romper este ciclo com um misto entre antigo e moderno para nos oferecer The Spirit of the Samurai, uma proposta para o PC (Steam) vanguardista e intensa. Veremos se entrega o prometido ou acaba mergulhada nas suas próprias ambições.
A história desenrola-se à volta de Takeshi, um guerreiro samurai empenhado em proteger a sua aldeia, que foi cercada e invadida pelos Oni. Estes inimigos demónios inspirados no folklore japonês representam uma grande ameaça e não só colocaram a população em risco como também a sua ligação espiritual com a natureza.
Quando a missão começa, os jogadores podem contar com dois aliados que acompanham ocasionalmente Takeshi, Chisai, um gato guerreiro, e uma pequena Kodama, um espírito protetor da floresta que simboliza a harmonia. A história com Takeshi é o cartão de visita de The Spirit of the Samurai, sendo que a gameplay e a inclusão do gato e da kodama se sente aborrecida, asfixiante e contraproducente para o produto final. O gato só se esquiva e não ataca e a kodama é essencialmente um mini ninja com os mesmos movimentos de Takeshi.

A narrativa combina temas de honra e sacrifício que são predominantes em histórias de samurais. Em The Spirit of the Samurai, o nosso protagonista não só tem de enfrentar os Oni em combates físicos, como também tem de enfrentar desafios no mundo dos vivos, onde agora é um completo estranho. Infelizmente o foco narrativo perde-se gradualmente para dar lugar a uma jogabilidade de ação pura e dura.
Se nos centrarmos na jogabilidade, esta é baseada na colaboração entre as três personagens jogáveis, mas infelizmente não podemos participar livremente numa campanha a solo com cada uma visto que o jogo é quem dita as regras e decide quando chega a hora de controlar cada uma. Contudo, as suas inclusões também permitiram oferecer um pouco de novidade a The Spirit of the Samurai visto que com Chisai o jogo entra num misto entre furtivo e plataformas. O problema é que o jogo foi criado com uma física demasiado exigente e por isso muita da sua dificuldade sente-se bem artificial.
Felizmente a maior parte do jogo é centrada no combate de Takeshi e a sua gameplay é gratificante e fluida, as suas habilidades de combate corpo a corpo são variadas e possui opções de ataque à distância através de flechas e kunais. À medida que sobe de nível, é possível também desbloquear outras posturas de ataque em altares, onde também se pode melhorar os atributos de força, defesa… etc. Os jogadores também podem participar em oferendas para obter mais incenso e desfrutarem de mais opções para subir de nível. Este sistema de progressão é intuitivo e dá ao jogador a sensação de estar a evoluir com a sua personagem. Em combate os atalhos configuráveis para os itens também ajudam os jogadores a gerirem melhor os recursos para atuar com mais naturalidade em situações de tensão. Se ficaram entusiasmados pelo regresso de Onimusha podem crer que vão ter aqui um bom aperitivo porque a gameplay e progressão de Takeshi são reminiscentes às de Samanosuke Akechi.

No entanto, diria que o que o distingue de Onimusha e de qualquer outro jogo de qualquer género são as suas animações em stop-motion. Esta é uma técnica onde os modelos são movimentados e fotografados quadro a quadro. Esses quadros são posteriormente montados numa película cinematográfica, criando a impressão de movimento. Alguns dos exemplos mais notáveis desta técnica são a dupla inseparável de Wallace and Grommit, o implacável robô ED209 de RoboCop e as personagens, Goro, Kintaro e Motaro de Mortal Kombat, que ao contrário de todas as outras que foram baseadas em atores reais, foram criadas tendo por base figuras. Não existem duvidas de que a técnica stop-motion é rudimentar e ultrapassada para a era atual, no entanto, se existe algo único que é capaz de transmitir é o medo e a inquietação através do movimento, uma vez que estes são abruptos, adequando-se na perfeição às abominações que os jogadores vão enfrentar. De facto, fiquei agradavelmente surpreendido ao descobrir este elemento foi uma constante, chegou mesmo a atingir níveis claustrofóbicos que evocaram uma sensação de pressão e pavor que me imergiram completamente na provação do valoroso guerreiro japonês.
No que diz respeito ao ambiente, The Spirit of the Samurai não sofre das pontuais falhas em jogos do mesmo género. Não só temos as tradicionais aldeias, como também castelos e túneis subterrâneos que aumentaram a tensão e me obrigaram a estar em alerta constante tanto para armadilhas como para os ataques inimigos que vieram de todas as partes. Este sentimento também se estende às restantes personagens, embora de outras formas, por exemplo, com Chisai os jogadores vão passar mais tempo a esquivar e a fugir de ataques do que qualquer outra coisa.

Embora seja verdade que o jogo não tem suporte oficial para a Steam Deck, funciona surpreendentemente bem neste dispositivo. A maioria das áreas e batalhas mantêm um desempenho estável, o que torna o jogo agradável para os dedos e para vista. No entanto, os combates contra bosses apresentam problemas de desempenho, com quedas significativas de FPS, embora, felizmente, sair e voltar a entrar no jogo pareça resolver estes problemas. Julgo que tudo se deve à pouca quantidade de Vram no PC “Form Factor” da VALVE. Escusado será dizer que o jogo não vai ter nenhum problema a ser executado em computadores de secretária e portáteis gaming.
Visualmente Spirit of the Samurai apresenta uma proposta bastante singular. A utilização de gráficos 2.5D consegue captar a essência do Japão feudal com paisagens pitorescas, templos ancestrais e cenários cheios de pormenores. As animações são fluidas e detalhadas, especialmente durante as cenas de combate e nas sequências cinemáticas. A iluminação é outro dos destaques deste pacote. Desde a luz ténue das lanternas aos reflexos nas poças de água, até ao brilho sobrenatural dos espíritos, tudo contribui para criar uma atmosfera imersiva que nos agarra desde o primeiro momento. O mesmo podemos dizer a respeito da sua banda sonora que cumpre as suas funções com melodias que assentam que nem uma luva em todos os seus ambientes e situações, infelizmente só falta mesmo o áudio em japonês.
A experiência de The Spirit of the Samurai pode ser descrita como uma espada ainda por afiar visto que o seu potencial está todo presente, mas restam algumas arestas por lapidar. A sua arte em stop motion é um elemento único porque além de trabalhosa representa uma lufada de ar fresco na indústria. No entanto, diversas inconsistências e repetições na gameplay impedem Takeshi de golpear a competição pela calada e cimentar o seu lugar no scroll do seu género.