Desde o seu lançamento em 2007 que Assassin’s Creed tem sido uma das franquias mais inovadoras da Ubisoft, misturando história, ficção e ação num universo onde a luta entre Assassinos e Templários define o destino da humanidade. Com o passar dos anos, a série foi explorando diferentes períodos históricos e regiões do mundo, desde Jerusalém a Londres, passando por Paris e Egito, sempre em constante mudança. No entanto, a empresa durante os últimos anos tem passado por muitos altos e baixos, recebendo inúmeras críticas, umas mais construtivas que outras, que a fizeram ouvir os jogadores e repensar a sua estratégia quanto à série de assassinos.
Quatro anos depois do lançamento de Assassin’s Creed Valhala, chega às mãos dos jogadores o mais recente título, Assassin’s Creed Shadows, que coloca os jogadores num novo e intrigante cenário: o Japão feudal, um dos ambientes mais pedido pelos fãs.
Shadows passa-se no Japão feudal do século XVI, durante o conturbado período Sengoku, onde damos de caras com uma terra repleta de conspirações, samurais, ninjas e uma cultura profundamente moldada pela honra e pela constante luta pelo poder. Como é habitual na série, encontramos uma narrativa que tenta harmonizar as nuances históricas com a clássica premissa ficcional do conflito secreto entre Assassinos e Templários.

Mais uma vez, a Ubisoft destaca-se na criação dos seus cenários. A recriação do Japão Feudal do século XVI é impressionante, capturando com pormenor a beleza e a brutalidade deste período histórico. Cada região apresenta as suas próprias características, histórias e personagens, contribuindo para um mundo vivo e orgânico. Fica evidente que os estúdios da Ubisoft realizaram uma pesquisa minuciosa sobre a cultura, incorporando as suas tradições tanto na narrativa quanto na jogabilidade. Além disso, nota-se uma forte inspiração na cinematografia clássica japonesa centrada nesta época.
Dito isto, a história é estruturada à volta dos protagonistas: Naoe e Yasuke, não apenas no sentido de que podemos alternar entre eles a qualquer altura, mas também porque cada um possui o seu próprio caminho dentro da narrativa principal. Além disso, representam arquétipos distintos: um com foco na ação direta e força bruta, enquanto o outro se destaca pela furtividade.

Naoe em Assassin’s Creed Shadows é uma descendente dos Assassinos, simbolizando a vingança, a tentativa de restaurar a honra perdida e a procura pela sua verdadeira identidade. Desde o início que a sua história carrega um tom profundamente trágico: mesmo tendo sido treinada desde pequena para se tornar uma shinobi exemplar, ela testemunha a destruição da sua terra natal, Iga, pelas forças de Oda Nobunaga, além de presenciar o brutal assassinato do seu pai, Fujibayashi Nagato, um respeitado mestre daquela aldeia.
Ela simboliza o lado sombrio da narrativa, uma jovem destemida mas com as suas vulnerabilidades que apresenta a história mais intensa e emocional do jogo, marcada pela dor e perda que a leva numa busca incessante pela vingança daqueles que assassinaram o seu pai.
Inicialmente temos uma personagem consumida por um desejo cego por justiça, alimentada pelas tragédias que a marcaram, sendo notória a evolução da sua forma de agir e pensar à medida que a história avança. Esse processo de transformação ocorre de maneira subtil e progressiva, impulsionado pelas suas interações com novos aliados, o desenrolar de diversas missões e o contato com múltiplas perspectivas, ideologias e experiências de vida que fazem com que se torne uma das personagens mais marcantes e cativantes do jogo.
Mesmo assim, senti falta de um reforço em certos aspectos da sua personalidade, que em certos momentos acabam ofuscados pelo foco dominante, a sua vingança. Embora os seus dilemas morais e a sua evolução emocional estejam presentes na narrativa, poderiam ter sido mais desenvolvidos, ajudando a criar uma conexão emocional mais forte com o jogador, tornando assim esta jornada ainda mais impactante.

Do outro lado temos Yasuke, um personagem inspirado numa figura histórica: um homem africano que chegou ao Japão como escravo, levado pelos portugueses durante o século XVI. De acordo com os relatos do missionário português Luís Fróis, Yasuke acabou por conquistar a atenção e o respeito de Oda Nobunaga, um dos mais influentes líderes militares da época. Fascinado pela presença e força incomum de Yasuke, Nobunaga acolheu-o, e com o tempo, depois de aprender os costumes japoneses e de dominar a arte da espada, tornou-se num dos seus guerreiros mais temidos.
O Japão feudal foi um longo período da história japonesa, que durou aproximadamente 7 séculos, indo do final do século XII até meados do século XIX, em que o país era governado por uma estrutura de poder baseada em hierarquia militar, domínios territoriais e lealdade pessoal.
Embora se continue a questionar a veracidade da sua existência, a presença deste guerreiro no Japão feudal é, no mínimo, historicamente plausível — e, dentro da narrativa do jogo, a sua origem como ex-escravo e estrangeiro oferece uma perspectiva muito interessante sobre a luta pela identidade numa terra que naquela altura valorizava, acima de tudo, as origens e o sangue.
Em termos narrativos, Yazuke segue o oposto de Naoe, explorando a sobrevivência e a lealdade com as suas crenças e com o que aprendeu com o seu líder. O contraste entre a origem humilde e a sua ascensão a guerreiro samurai acaba por ser um dos pontos mais fascinantes da sua história.
Ainda que seja uma figura carismática, é retratado em jogo como um “samurai perfeito”, sem grandes falhas aparentes quanto à sua personalidade ou nas escolhas que faz ao longo da narrativa. A meu ver, esta abordagem acabou por suavizar os conflitos internos que naturalmente emergiram de alguém com a sua trajetória. A narrativa teria ganhado ainda mais força se a Ubisoft tivesse explorado com mais profundidade as suas dúvidas, frustrações e dilemas.
Já a ligação entre Naoe e Yasuke traz um interessante contraste para a narrativa. Ambos têm diferentes experiências e diferentes visões do mundo, que nos deixam curiosos com o desenrolar do jogo. No entanto, a relação entre os dois é maioritariamente movida pela narrativa principal, em vez de se desenvolver organicamente a partir das interações. Falta mais momentos de cumplicidade entre eles, como missões conjuntas que fossem além do combate, diálogos que revelassem mais sobre os seus conflitos internos, etc.
Embora ainda haja espaço para ajustes em futuros jogos, Assassin’s Creed Shadows surpreende pela qualidade da sua narrativa, demonstrando que, desta vez, encontraram novamente o tom certo. Já as missões secundárias apresentam uma qualidade sólida, onde muitas delas são bem construídas, oferecendo histórias paralelas que adicionam uma camada extra ao universo do jogo explorando as várias facetas da vida no Japão feudal. Desde conflitos e dilemas morais, até à tradicional cultura e dramas pessoais, contribuindo assim para tornar o mundo mais vivo e credível. Algumas dessas missões destacam-se particularmente pela forma sensível como tratam temas como a honra, traição ou sobrevivência em tempos de conflitos sociais, políticos e guerras.

A exploração de Assassin’s Creed Shadows é um dos maiores trunfos da Ubisoft nesta nova fase da série, apresentando um belíssimo mundo aberto com diversos ambientes construídos à imagem do Japão Feudal. A Ubisoft foi ao pormenor com a recriação das paisagens japonesas, apresentando florestas, montanhas, cidades com castelos, vilas devastadas pela guerra, campos de arroz e templos.
Além disso, cada região destaca-se pela sua diversidade, apresentando diferenças culturais, arquitetônicas e até sociais, que refletem as disparidades vividas naquele período. Apesar de termos sinalizados no mapa os pontos de referência que nos ajudam a saber para onde temos de ir, o jogo convida-nos a explorar e a descobrir cada canto das regiões, onde podemos encontrar narrativas secundárias, baús lendários, campos de bandidos, templos, ou até atividades que serão fundamentais para a progressão dos protagonistas.
Durante a exploração, Naoe e Yasuke oferecem experiências distintas de interação com o mundo. Com Naoe, a movimentação é mais ágil e fluida, permitindo escalar com facilidade edifícios elevados e outras estruturas, e utilizar a criatividade como principal aliada, escondendo-se entre as sombras ou na vegetação densa para evitar confrontos diretos ou eliminar facilmente os inimigos. Já Yasuke, com a sua constituição física robusta, interage com o ambiente de forma mais direta e agressiva. Ele não possui a mesma destreza para a escalada, mas compensa com força bruta, enfrentando inimigos diretamente sem grandes problemas. Além disso, cada um tem as suas atividades e missões secundarias.
O combate foi um dos aspetos que mais me impressionou em Assassin’s Creed Shadows. Tudo aquilo que foi construído desde Origins até Valhalla foi refinado. A jogabilidade está muito mais fluida, responsiva e envolvente, oferecendo uma experiência de combate verdadeiramente divertida, que aposta essencialmente em estilos diferentes de luta onde cada protagonista possui um conjunto de habilidades e abordagens que acrescentam variedade e profundidade ao sistema de combate.
Para os que preferem uma abordagem menos estratégica e mais intensa, Yazuke é o personagem ideal. Os seus ataques com armas pesadas, como a Katana longa ou Nagitana são incrivelmente devastadores, capazes de romper facilmente as defesas e causar grande danos aos inimigos.
Já Naoe, apesar de ser mais vulnerável, em combate ganha uma dimensão mais tática e precisa, com foco na agilidade, nos ataques rápidos e na furtividade. As suas habilidades estão especialmente ligadas ao stealh e ao uso de armas leves como a katana ou Kunai, que favorecem as emboscadas e os movimentos, permitindo eliminar os oponentes sem ser detectada ou de forma rápida quando os encaramos de frente.
No jogo vamos obtendo armaduras, armas e itens que mudam a aparência dos protagonistas, além de oferecerem atributos que aumentam as suas características.
Ambos os protagonistas têm ainda acesso a três armas distintas, cada uma com características e finalidades próprias que influenciam diretamente o combate. Algumas são mais voltadas para os confrontos diretos, enquanto outras são pensadas para ataques à distância ou para uma abordagem mais estratégica e ágil.
Para complementar, os dois possuem várias árvores de habilidades, focadas no tipo de arma que utilizam e nos seus estilos de combate. No caso de Naoe, as habilidades tendem a aprimorar aspectos como camuflagem, os ataques furtivos, uso de ferramentas ninjas (como bombas de fumo, shurikens), entre outros.
No caso de Yazuke esta mecânica é direcionada para o fortalecimento físico e o dano dos ataques. As habilidades que vamos desbloqueando expandem as opções de combate, como combos pesados, mais resistência, bem como no uso mais eficiente de armas de grande porte. Há também melhorias que permitem quebrar defesas com mais facilidade ou usar objetos do cenário para termos mais vantagens.

Embora possam existir aspectos que precisam de ser aprimorados, como a inteligência artificial dos inimigos que por vezes apresentam reações previsíveis, o sistema de combate é sem dúvida o mais equilibrado e bem estruturado da série até hoje.
Uma das “novidades” de Assassin’s Creed Shadows é o seu acampamento, que funciona como uma zona de refúgio para os protagonistas. Mais do que um simples ponto de descanso, é um espaço que vamos evoluindo ao longo do jogo. Conforme construímos e melhoramos as estruturas, vamos desbloqueando novas funcionalidades, que nos permitem criar e aperfeiçoar as nossas armas e equipamentos, recrutar novos aliados e aprimorar as suas habilidades, aceder a informações e missões opcionais, e mais…
Em relação aos gráficos, Assassin’s Creed Shadows representa um salto significativo dentro da série. A recriação do Japão Feudal é altamente convincente, com cenários que respiram vida e autenticidade. A natureza impressiona pela sua beleza visual e pela atmosfera envolvente, que muda de forma orgânica conforme as estações e as condições climáticas. Grande parte dessa imersão deve-se à excelente iluminação, que confere realismo tanto às sombras como aos reflexos, tornando este mundo mais apelativo e natural. Elementos como a névoa que rodeia as montanhas e cidades ou os raios de sol entre as árvores são exemplos de alguns dos detalhes cuidadosamente implementados, que elevam significativamente a experiência visual.
Assassin’s Creed Shadows é o primeiro título da série construído para a nova geração de consolas.
Um elemento que chama igualmente à atenção é a qualidade das texturas das armaduras e roupas, que reagem de forma realista ao movimento dos personagens, à chuva e ao vento. As animações durante o combate também merecem destaque, no entanto, as expressões faciais deixam um pouco a desejar, especialmente nas cutscenes, onde por vezes carecem de naturalidade e emoção. Os habituais bugs dos jogos da Ubisoft também estão presentes, desde personagens a ficarem presos numa parede até aos mais peculiares como os personagens que acabamos de matar voltarem à vida por exemplo.

No que diz respeito à banda sonora, nos momentos de maior impacto esperava encontrar melodias que fossem mais relacionadas com a cultura e com a narrativa que o jogo apresenta e não sonoridades pop que se destoam completamente. Apenas em alguns momentos é que a ambiência se torna mais adequada, criando uma atmosfera envolvente e condizente com a toda a experiência visual daquela época que o título consegue transparecer tão bem.
Os sons do ambiente estão extremamente bem trabalhados: os pássaros a cantar nas florestas, o som da chuva e do vento, as pessoas a falar, todos estes pormenores sonoros ajudam a dar vida ao mundo. Durante o combate, o som das espadas é igualmente incrível, reforçando o realismo e a intensidade da ação.
Sobre o voice acting, fiquei surpreendido com as vozes originais em japonês que entregam interpretações convincentes e coerentes, senti por vezes que estava a assistir a um dos filmes de Akira Kurosawa. Destaco ainda a presença de vozes em Português, um toque bem pensado por parte da Ubisoft, que reforça a veracidade histórica vivida no jogo.
Para concluir, acredito que Assassin’s Creed Shadows funcione como uma bóia de salvação para a Ubisoft. Este novo jogo marca o regresso da série em grande, com uma narrativa envolvente e um sistema de combate profundo que se enquadra perfeitamente com os temas e a ambientação do Japão feudal do século XVI.
A dualidade entre Naoe e Yasuke oferece não só variedade na jogabilidade, mas também uma profundidade emocional na narrativa. Apesar de haverem pontos a serem aperfeiçoados, a riqueza dos cenários, a solidez do combate, a qualidade do voice acting e a atenção aos detalhes fazem de Assassin’s Creed Shadows um dos títulos mais marcantes da série Assassin’s Creed.