Desenvolvido pela Primal Game Studio e publicado pela Knights Peak, Mandragora: Whispers of the Witch Tree nasceu de uma combinação evidente de influências, que vão desde os tons sombrios e filosóficos de Dark Souls, até à estrutura exploratória dos clássicos metroidvania, passando ainda por referências literárias e visuais ao simbolismo gótico e à fantasia sombria europeia. É um jogo independente que me despertou o interesse logo à partida, não só pelo seu mundo tenebroso de fantasia desenhado à mão, mas também pela sua narrativa densa e sistema de combate mais estratégico e exigente.

A história acontece no reino de Faelduum, uma terra devastada pela influência de uma força sobrenatural chamada Entropia. Esta energia obscura desequilibrou a ordem natural das coisas, contaminando os próprios alicerces do mundo e mergulhando a humanidade num estado de ruína e decadência. Entre os escombros das cidades esquecidas e florestas assombradas, sobrevivem os últimos resquícios da civilização, escondidos ou resignados. Nesta jornada assumimos o papel de um inquisidor, que fica encarregue da caça às bruxas – e talvez contrariar – o ciclo da Entropia. No centro está a misteriosa Árvore da Bruxa, uma entidade que parece estar ligada aos eventos que corromperam o reino. É apresentada tanto como fonte de poder ancestral como de maldição inevitável, funcionando como símbolo daquilo que resta entre o natural e o profano.

A Bruxa que nos acompanha durante a jornada.

Ainda que a narrativa opte por transmitir o conhecimento do mundo e dos acontecimentos que o envolve através de conversas com NPCs, descrições de objetos e textos, existe um propósito claro desde o início até ao fim, que nos guia de forma consistente ao longo da jornada. Posso afirmar que apreciei bastante a narrativa de Mandragora e toda a sua carga simbólica. Todas as personagens que conhecemos ao longo do caminho são enigmáticas e bem construídas, até mesmo os próprios vilões revelam uma profundidade inesperada e um carisma denso que os torna memoráveis. Cada encontro deixa uma impressão duradoura, seja através de uma frase ambígua ou de um passado trágico.

A história foi criada por Brian Mitsoda, conhecido por trabalhar no título Vampire: The Masquerade – Bloodlines.

Para quem gosta de explorar, Mandragora: Whispers of the Witch Tree é profundamente imersivo. O mundo está dividido em regiões interligadas que só se revelam plenamente à medida que adquirimos novas habilidades e itens especiais. É uma estrutura característica do género metroidvania, mas construída com experiência e cuidado. Regiões como florestas sombrias, tombas antigas, esgotos ou mansões abandonadas, oferecem desafios não só de combate, mas também ligados à navegação e à lógica. Temos zonas que só podem ser acedidas com feitiços específicos, habilidades físicas especiais ou após certas escolhas morais. A exploração é muito recompensadora, seja em novos caminhos, tesouros, personagens raros, artefatos poderosos ou conhecimento que acrescenta camadas à história do jogo.

Estamos na presença de um RPG de ação que aposta em mais um dos géneros populares da atualidade nos videojogos: o soulslike. O sistema de combate segue as bases características dos souls, exigindo atenção aos padrões de ataque e movimento dos oponentes, bem como uma gestão cuidadosa de recursos como stamina, mana e os itens essenciais à nossa sobrevivência face às adversidades.

Uma das minhas builds.

Os alicerces do combate assentam na escolha entre os vários estilos de classes, sendo possível, mais à frente, combinar até duas, criando uma sinergia interessante. Estão disponíveis quatro estilos focados em ataques mágicos, além de duas vertentes centradas no combate físico, como espadas longas, espadas duplas, machados e variantes adicionais. Um dos elementos que realmente faz a diferença é a possibilidade de personalizar a evolução da nossa personagem através de pontos de talento que permitem experimentar abordagens criativas e adaptá-las ao estilo de jogo que preferirmos. Numa das minhas builds, por exemplo, combinei magias de fogo com uma classe especializada em ataques rápidos que causam envenenamento.

Quanto à dificuldade, o jogo consegue, por vezes, ser punitivo e até mesmo desmotivador. Os inimigos apresentam padrões de comportamento variados e uma inteligência artificial que não se limita a esperar pelo nosso ataque. Alguns recuam de forma estratégica, tentam cercar-nos, chamam aliados ou aproveitam o terreno a seu favor. Os combates contra os chefes, sobretudo a partir da segunda metade da aventura, são bastantes estratégicos, exigindo muito mais da nossa destreza e domínio das mecânicas que vamos aperfeiçoando ao longo da jornada.

A personalização estende-se também à criação de armas e equipamentos, ao seu melhoramento e à preparação de poções com diversos efeitos. Tudo isto é feito a partir do nosso acampamento, um espaço seguro onde encontramos os NPCs que decidimos ajudar e que, por sua vez, se juntam à nossa causa. Cada um deles traz novas possibilidades, serviços e histórias, tornando o acampamento num verdadeiro centro de apoio e evolução, não sendo apenas um refúgio entre batalhas.

Nas profundezas de um dos cenários de Mandragora.

Esteticamente, Mandragora: Whispers of the Witch Tree surpreende muito pela positiva. Toda a direção artística foi desenhada à mão, com uma paleta de cores dominada por tons escuros e pouco saturados. O contraste entre a luz e a sombra é utilizado de forma não só visual, mas também mecânica, com diversas paisagens a parecerem tirados de um conto de fadas tenebroso, onde cada detalhe salta à vista. Há inúmeros pormenores visuais que enriquecem a experiência, como espelhos partidos que refletem a imagem fragmentada da nossa personagem, ou o simples ato de caminhar sobre a água, onde vemos o reflexo da personagem banhado pela luz da lua. Já o design das criaturas, tais como lobos, vampiros, zombies, são grotescos e fascinantes ao mesmo tempo, tirando influências do folclore europeu.

Cada classe apresenta uma skill tree com habilidades especiais e passivas.

Junto a este belo trabalho visual, temos uma banda sonora criada por Christos Antoniou (o compositor da banda de death metal sinfónico Septicflesh) que acompanha a jornada com subtileza, criando atmosferas envolventes com melodias melancólicas, coros etéreos e ritos que acentuam a devastação e solidão vivida em jogo. Foram igualmente minuciosos com os efeitos sonoros, desde o impacto dos passos, ao rugido distante de uma criatura.

Na parte técnica, Mandragora apresenta poucas falhas. Os controlos são responsivos, e a interface, embora densa, é funcional. Por vezes, em zonas mais apertadas com plataforma, podemos sentir alguma rigidez durante os saltos, mas nada que comprometa a experiência.

Um dos chefes principais.

Mandragora: Whispers of the Witch Tree é um jogo exigente e visualmente envolvente. Embora siga algumas das tendências atuais, não procura agradar a todos, nem oferece uma experiência imediata ou simplificada. É uma jornada sombria, pautada por uma narrativa cativante, onde o combate e a exploração não reinventam a roda, mas recompensam de forma justa os jogadores que se dispõem a mergulhar intensamente no seu mundo.

Subscreve
Notify of
guest

0 Comentários
Mais Antigo
Mais Recente
Inline Feedbacks
View all comments