A história de Donkey Kong é em muitos sentidos a história da própria Nintendo. O personagem nasceu em 1981 como antagonista, num jogo de arcada onde Jumpman, o carpinteiro de chapéu vermelho, tentava resgatar uma donzela das suas garras e, curiosamente, foram criadas as bases para duas das maiores figuras dos videojogos. Ao passo que Mario se tornou a mascote da empresa, o gorila manteve-se por detrás das cortinas, reinventando-se um pouco silenciosamente. Passando de vilão a herói, foi crescendo com cada geração de consolas. Os anos 90 marcaram a sua verdadeira viragem, com a trilogia Donkey Kong Country na Super Nintendo, onde a Rare criou um universo exuberante e desafiante, transformando DK numa das estrelas da empresa japonesa.
Seguiram-se fases de maior e menor fulgor, desde os experimentais Jungle Beat e Barrel Blast, até ao regresso às origens com Donkey Kong Returns e Tropical Freeze. Apesar de ter ganho mérito, Donkey Kong manteve-se sempre como uma espécie de personagem secundária: adorado, respeitado, mas longe da ribalta comparado ao famoso canalizador Mario ou até ao herói de Hyrule, Link. No entanto, esse cenário poderá mudar e ganhar um novo estatuto com Donkey Kong Bananza.
Lançado recentemente em exclusivo para a Nintendo Switch 2, Donkey Kong Bananza não é somente mais um capítulo na longa história de DK, é um passo à frente na sua imagem e qualidade. Nos últimos tempos, a empresa japonesa tem vindo a mostrar um maior interesse na personagem e na série, com o retorno de títulos em formato remastered e, agora, com esta nova aventura totalmente original. Bananza não vive simplesmente da nostalgia, é um jogo que moderniza com confiança, que respeita as origens, mas arrisca com ideias frescas e uma abordagem mais ousada. Com um mundo vibrante e uma jogabilidade criativa, o título simboliza um ponto de viragem na série, e eventualmente o início de uma nova fase para Donkey Kong.

Como devem saber, Donkey Kong nunca foi conhecido pela sua narrativa, ainda que Donkey Kong Bananza marque um claro passo em frente nesse ponto. A jornada começa com DK numa expedição à Ilha Ingot, à procura dos Cristais de Banândio, pedras preciosas em forma de banana. Mas, como seria de esperar, algo corre mal. Uma tempestade suga todo o depósito de bananas e empurra DK para as profundezas do planeta, onde descobre um vasto mundo subterrâneo completamente novo e ameaçador.
É aqui que entra a Void Company, uma corporação de vilões liderada por Void Kong e os seus compinchas, que está determinada a chegar ao Núcleo do planeta para controlar todo o seu poder. Durante a aventura somos acompanhados por Pauline, primeiramente transformada numa pedra roxa chamada Odd Rock e pouco tempo depois na sua forma humana. Esta personagem tem um papel importante na narrativa, essencialmente a sua voz é uma mecânica-chave para desbloquear novos caminhos e ativar habilidades para chegarmos ao nosso objetivo final.
Em Bananza, a narrativa nunca se leva demasiado a sério, mas isso não impede que o título ofereça momentos genuinamente divertidos ou até mesmo emocionantes em algumas situações. Há algo de especial na forma como a relação entre Donkey Kong e Pauline vai evoluindo durante a aventura criando uma ligação que acrescenta humanidade à história e nos prende mais do que seria de esperar.
Os próprios vilões, embora longe de serem figuras complexas, conseguem entreter com as suas interacções excêntricas. Há uma leveza constante, mas também uma intenção clara de mostrar diferentes facetas das personagens. É particularmente interessante ver Donkey Kong, tradicional símbolo da força bruta, revelar um lado mais inocente, quase ingénuo, que contrasta com o caos que o rodeia.

A jogabilidade de Donkey Kong Bananza representa um verdadeiro salto para a série. Desta vez, sentimos claramente que não estamos apenas diante mais um jogo de plataformas, mas sim, de uma experiência que pretende explorar, de forma mais aprofundada e interactiva, o peso físico como o impacto simbólico de Donkey Kong no mundo que o rodeia. A grande inovação reside na mecânica de destruição, uma das ideias mais bem implementadas do jogo, que transforma os cenários em quebra-cabeças orgânicos e reativos. Os ambientes deixam de ser simples elementos decorativos e passam a comportar-se como matéria viva, moldável à força bruta do protagonista, permitindo esmagar tudo que esteja no caminho.
Esta liberdade torna-se facilmente numa ferramenta de exploração altamente gratificante. DK pode atacar em várias direcções, permitindo-o criar atalhos, encontrar fósseis, baús do tesouro ou ainda revelar as áreas escondidas. Há uma sensação constante de que estamos a esculpir o percurso à medida que avançamos, o que dá ao jogo uma identidade única e uma dinâmica diferente ao que estávamos anteriormente habituados.
Para além disso, podemos usar os cenários a nosso favor, como por exemplo arrancar bocados de chão para usar como prancha para nos deslocarmos rapidamente por certas superfícies, usar como armas contra os inimigos ou até para resolver quebra-cabeças presentes no ambiente. Donkey Kong é também capaz de escalar superfícies com naturalidade, algo que acrescenta uma nova dimensão ao seu movimento. Esta combinação de força e mobilidade confere ao jogo uma liberdade rara, onde a exploração se torna não só possível, mas igualmente intuitiva.

Mesmo assim, não deixa de existir método no caos. Apesar da natureza destrutiva da jogabilidade, Donkey Kong Bananza exige do jogador observação e planeamento. Muitas vezes, o desafio está precisamente em perceber como abrir caminho de forma eficaz, sem comprometer a progressão ou bloquear o acesso a zonas importantes. As vastas camadas subterrâneas do planeta escondem uma grande variedade de elementos coleccionáveis, como fósseis e bananas, que são essenciais para evoluir as habilidades de Donkey Kong e Pauline, além de desbloquear novos acessórios e melhorias úteis para o trajeto em geral.
Para nos ajudar nesta tarefa, temos à disposição o Sonar de DK, uma habilidade ativada com um poderoso soco no chão. Esta ação liberta uma onda de som que revela os segredos escondidos nas imediações, desde objectos enterrados até zonas ocultas do cenário.
Outro elemento de grande importância para a identidade de Donkey Kong Bananza é a presença das incríveis transformações Bananza, desbloqueadas em momentos importantes da narrativa. A partir do canto de Pauline, Donkey Kong consegue assumir formas especiais que alteram não só a sua aparência, mas também a forma de jogar.
Logo na primeira transformação, por exemplo, DK vê a sua força ampliada a um nível colossal, tornando possível destruir paredes que normalmente seriam indestrutíveis. Mais tarde, com a forma de avestruz, ganha a capacidade de voar durante breves períodos, o que facilita o acesso a plataformas elevadas ou zonas escondidas que antes pareciam inalcançáveis. Cada transformação altera nitidamente a forma como nos movimentamos e interagimos com o mundo, fazendo-nos adaptar e explorar com outra metodologia.

Neste aspeto, o jogo revela-se especialmente competente na forma como introduz estas transformações. Nunca são lançadas ao acaso nem sobrecarregam a experiência, são bem espaçadas, bem contextualizadas e sempre relevantes para o progresso.
O jogo inclui um modo cooperativo, onde o primeiro jogador controla Donkey Kong e o segundo Pauline. A diferença neste modo é que o segundo jogador pode usar as habilidades da cantora para atacar os inimigos.
Donkey Kong Bananza impressiona também com um conjunto de missões secundárias que funcionam como fases secretas que adicionam uma camada extra de desafio e criatividade ao jogo. Estes espaços estão bem escondidos nos recantos mais inusitados do mapa, por vezes exigindo o uso de uma transformação específica para as alcançarmos ou o poder vocal da Pauline para as abrir. Cada fase apresenta objetivos diferentes e uma boa dose de desafios, desde secções onde temos de utilizar as habilidades de DK para resolvermos os quebra-cabeças, derrotar um número de criaturas e outras de contra-relógio. Completá-las desbloqueia normalmente uma banana, mas em outros casos podemos encontrar até três bananas.
São fases que somam uma diversidade bem-vinda ao jogo, para além de ajudarem a estimular a experiência e torná-la ainda mais interessante, alternando com perspicácia entre os momentos de destruição frenética, exploração e desafios que exigem um raciocínio mais apurado.

Quanto aos inimigos, os bosses são os que mais se destacam na aventura. O nível de dificuldade nestes confrontos pode não ser particularmente elevado, mas isso é compensado pela sua criatividade visual, pela diversidade de padrões de ataque e, acima de tudo, pela forma como nos desafiam a tirar partido das habilidades que fomos adquirindo até aquele ponto.
Alguns combates requerem o uso estratégico das transformações Bananza, outros colocam à prova a agilidade, o tempo de reacção e a leitura dos movimentos dos inimigos, existindo ainda espaço para lutas que combinam todos esses elementos numa dança intensa e gratificante. Mais do que simples obstáculos, estes bosses funcionam como testes finais que sintetizam o que aprendemos em cada secção da aventura, oferecendo sempre um encerramento marcante e com personalidade, ainda que alguns sejam mais marcantes do que outros.
Donkey Kong e Pauline contam também com um conjunto de habilidades que podem ser desbloqueadas ao longo da aventura. À medida que recolhemos bananas, vamos acumulando pontos que permitem investir em diferentes melhorias. Algumas dessas melhorias focam-se no aumento do poder de ataque de DK, outras expandem a barra de energia das transformações Bananza, acrescentam corações ao medidor de vida, ou oferecem vantagens durante a exploração e o combate.
O sistema é devidamente acessível para não quebrar o ritmo do jogo, mas também oferece escolhas interessantes, já que nem tudo pode ser adquirido de imediato. Esta componente reforça a importância da exploração, investigar cada canto dos cenários torna-se crucial para recolher os recursos necessários e potencializar ao máximo as capacidades de Donkey Kong e Pauline.

Um dos elementos mais adoráveis do jogo é o sistema de personalização de roupas, que permite alterar a aparência de Donkey Kong e de Pauline. À medida que avançamos no jogo, podemos comprar diferentes peças de vestuário em NPC ‘s com a moeda do jogo, os fósseis. Peças como calças, gravatas, lenços ou os conjuntos de Pauline trazem consigo efeitos passivos que afetam diretamente a jogabilidade, como o aumento do alcance do sonar, aumento das transformações ou até uma maior a probabilidade de encontrar baús.
As mudanças na aparência não interferem propriamente na identidade das personagens, mas oferecem uma forma agradável de expressar o estilo do jogador e, ao mesmo tempo, reforçam o carácter alegre e bem-disposto do jogo.
Donkey Kong Bananza tem sido uma experiência extremamente divertida. A jogabilidade é cativante e oferece uma quantidade surpreendente de conteúdo para descobrir. A liberdade da exploração introduz uma lufada de ar fresco na série, quebrando com a estrutura mais linear dos títulos anteriores e incentivando a uma abordagem mais curiosa e envolvente.
Ao longo do jogo podemos aceder ao modo fotografia para captar imagens das cenas que desejamos guardar ou partilhar com os amigos. Esta funcionalidade oferece um óptimo nível de personalização, permitindo ajustar ângulos livremente, aplicar diversos filtros, escolher molduras e muito mais. É uma ferramenta ideal para quem gosta de registar paisagens ou para quem prefere captar situações caóticas ou poses bem-humoradas dos protagonistas.
Além disso, tanto Donkey Kong como Pauline ganham aqui uma personalidade mais vincada, há uma nova profundidade nas suas expressões, interacções e evolução ao longo da aventura, o que os torna não só mais interessantes de acompanhar, mas também mais humanos (ou, no caso de DK, quase). É um jogo que equilibra muito bem ação, humor e a descoberta.
A magia de Donkey Kong Bananza estende-se para a sua impressionante componente gráfica, que se revela um verdadeiro deslumbre. O jogo tira total partido das capacidades da Nintendo Switch 2, apresentando cenários ricos e detalhados, cores vibrantes e animações fluidas. Cada zona do planeta, desde florestas a praias, passando por cavernas geladas ou áreas vulcânicas, possui uma identidade visual muito própria, com elementos que as distinguem de forma clara e contribuem para a sensação de um mundo vivo e em constante transformação.

Há um cuidado notável na iluminação dinâmica, que realça a profundidade e beleza dos ambientes assim como nas expressões faciais de Donkey Kong e Pauline, que são notavelmente expressivas para um jogo deste género. Os momentos de destruição em grande escala são particularmente impressionantes, com fragmentos a voar em todas as direcções e o cenário a reagir em tempo real às investidas do protagonista, sem comprometer a performance. A direção artística é estonteante, traduzindo na perfeição o espírito leve, enérgico e aventureiro do jogo.
A banda sonora é animada, variada e adequa-se perfeitamente ao ritmo e à identidade do jogo. Desde os momentos mais calmos de exploração até às sequências intensas de ação, a música acompanha cada fase com precisão, ajudando a reforçar o tom e a energia da experiência. Cada zona tem os seus próprios temas, que não só se distinguem entre si, como criam uma ligação emocional com os ambientes e os desafios que vamos enfrentando.
Os efeitos sonoros também se destacam, sobretudo durante os momentos de destruição. Já a participação vocal de Pauline está magistralmente integrada, sobressaindo nas sequências de música em que a sua voz brilha com força, tornando-se um dos elementos inesquecíveis do jogo.
Sem esquecer a dobragem e as legendas, o jogo inclui versões em português do Brasil, o que é importante para muitos jogadores. Espero que esta atenção à localização se mantenha nos próximos exclusivos da Nintendo, garantindo uma experiência acessível e agradável para todos.

Donkey Kong Bananza, o segundo exclusivo da Nintendo Switch 2, é uma aventura fantástica e uma evolução notável dentro da série. Tudo neste título revela ambição e criatividade, desde a jogabilidade renovada e memorável, ao cuidado visual, passando pela nova narrativa que surge da relação entre Donkey Kong e a sua companheira Pauline.
Atrevo-me a dizer que supera o seu mestre, Super Mario Odyssey, não só pelas mecânicas e pela liberdade de exploração, mas também pela forma como reinventa e dá uma nova vida ao carismático Gorila. Uma experiência imperdível que qualquer fã de videojogos não vai querer perder.