A Nihon Falcom Corporation sempre se destacou como uma verdadeira mestra do desenvolvimento económico. A empresa tem o hábito de lançar pelo menos um jogo por ano, mesmo quando contava com apenas cerca de 40 funcionários, e é fácil perceber como esta abordagem se mantém funcional.
Por exemplo, na série The Legend of Heroes, os jogos costumam ser lançados em pares, em que o segundo título reutiliza grande parte dos assets do primeiro. Contudo, nenhum outro jogo na biblioteca da empresa é tão flagrante neste reaproveitamento como Ys vs. Trails in the Sky: Alternative Saga. Em termos simples, não se trata de um RPG, mas sim de um jogo de luta, embora pouco convencional, que pode ser descrito como uma mistura entre as séries Dissidia: Final Fantasy e Power Stone, curiosamente ambas também spin-offs de ação atípicos na antiga portátil da Sony.
O ponto essencial é que Ys vs. Trails in the Sky: Alternative Saga foi construído quase inteiramente sobre a base de Ys Seven, o primeiro jogo 3D das eternas aventuras de Adol. Em alguns momentos, parece que estamos na presença de mesmo um mod de PC muito elaborado, com exceção de um novo botão de salto, da inclusão de combos aéreos e de um ataque giratório extremamente satisfatório. O combate mantém-se praticamente idêntico e, à exceção de Chester de Ys: The Oath of Felghana, todo o elenco Ys utiliza modelos, animações e movimentos vindos diretamente de Ys Seven.

Não me interpretem mal. Há algo de incrível em como a Nihon Falcom Corporation reutiliza os seus próprios recursos com tanta naturalidade. Deixando de lado o desenvolvimento económico, como é que Ys vs. Trails in the Sky: Alternative Saga se comporta? Por muito estranho que pareça razoavelmente bem, mas no que se pode chamar de Kusoge, junção de Kuso (lixo) e Game (Jogo), um termo japonês popularizado por séries anime, tais como Shangri-La Frontier, que designam jogos mal concebidos ou desequilibrados, e mesmo assim conseguem ser apelativos
Curiosamente, Ys vs. Trails in the Sky: Alternative Saga não vê este elemento como uma fraqueza, mas quase como uma virtude. Transformar um Action RPG num jogo de luta na maioria dos casos resulta num caos divertido cheio de falhas, mas cheio de personalidade. Comparei-o há pouco com a série Power Stone por uma razão muito simples, é possível jogar com até quatro personagens em arenas tridimensionais com formatos variados e um sistema de combate direto e acessível. A comparação mais atual talvez fosse com Super Smash Bros., embora aqui o objetivo não seja atirar o adversário para fora do cenário, mas sim esgotar-lhe a barra de vitalidade, tal como num jogo de luta clássico. O combate baseia-se em sequências simples de ataques que incluem movimentos aéreos, e mantém uma jogabilidade direta, embora pouco refinada, típica de um kusoge. Existe ainda um ataque carregado que acumula energia utilizada para executar as S-Crafts das personagens. Ao causar ou receber dano, preenche-se também o medidor Extra.
Nas opções defensivas, é possível esquivar e bloquear. Se o jogador bloquear no instante exato antes de ser atingido, executa um Flash Guard, um parry que anula o dano e transforma todos os ataques seguintes em críticos por um curto período. Infelizmente, o last-second dodge ainda não existia, pois só seria introduzido em Ys: Memories of Celceta. No geral, o sistema é simples e não tem qualquer vocação competitiva. A experiência assemelha-se mais a um party game despretensioso, embora sem elementos típicos do género, tais como itens ou stage hazards, algo que infelizmente não foi implementado.
A inspiração em Dissidia: Final Fantasy também é evidente, mas numa camada de progressão. Cada personagem sobe de nível e aprende novas habilidades, mas só pode equipar quatro para usar em combate. Além disso, é possível equipar acessórios que concedem bónus ou efeitos passivos, tais como iniciar a luta com um super ataque pronto a utilizar ou aumentar a probabilidade de infligir status negativos. Estes elementos tornam as builds e loadouts determinantes para o desempenho em batalha.

Apesar do combate ser divertido, é evidente que o sistema de Ys Seven não foi desenvolvido para um jogo de luta, o que afeta o equilíbrio entre personagens e tudo se torna ainda mais evidente e problemático com a adição de personagens de suporte, que funcionam como as summons de Dissidia.
Estas podem ser equipadas e ativadas uma vez por luta e concedem efeitos temporários que podem alterar o rumo da batalha. Contudo, também não deixa de ser uma forma curiosa de incluir personagens obscuras do catálogo da empresa, desde os protagonistas de Zwei à desastrada feiticeira Stella de Brandish, passando por figuras esquecidas, tais como Onion Boy, Parin ou Hungry Nun None, que não me recordo da sua origem e provavelmente nem a própria Nihon Falcom Corporation.
De salientar que Ys vs. Trails in the Sky: Alternative Saga não foi concebido para ser levado a sério ou jogado de forma competitiva. Mesmo assim, pode proporcionar uma noite de diversão leve e nostálgica, especialmente para fãs de longa data da empresa. O ponto mais interessante de Ys vs. Trails in the Sky: Alternative Saga é a história, que é literalmente uma fan fiction. A narrativa reúne personagens das séries Ys, Trails in the Sky e até Xanadu. A Terra de Xanadu enfrenta o despertar de um dragão milenar e, para o derrotar, surgem dois grupos de heróis, Adol de Ys e Estelle de Trails in the Sky. No entanto, o Rei Dragão lança um feitiço maligno que controla todos os guerreiros, forçando-os a lutar entre si. A história é previsível e bem ao estilo do primeiro Dragon Ball Z: Shin Budokai, onde a mais simples provocação é suficiente para gerar um confronto sem precedentes. Mesmo cinco modos história todos partilham o mesmo enredo basicamente.

Ainda assim, há curiosidades notáveis, por exemplo Adol fala para nós o jogador, por isso há naturalmente quebras de barreiras. Oh não! invoquei a “palavra amaldiçoada” e por isso Lloyd Bannings e Ellie Mcdowell (como support), os agentes da SSS de Crossbell também marcam a sua presença, tecnicamente estas as suas primeiras aparições porque este jogo originalmente foi lançado uns meses antes, isto mesmo num jogo centrado em Trails in the Sky. Possivelmente aconteceram estes acontecimentos porque 2010 foi o ano de lançamento de The Legend of Heroes: Trails from Zero, o primeiro episódio da duologia de Crossbell, um efeito muito semelhante à divertidíssima série mangá e anime, Minna Atsumare! Falcom Gakuen, que penso que tenha partido deste jogo.
Como um todo, o elenco inclui 17 personagens jogáveis, com a maioria oriunda da série The Legend of Heroes, enquanto apenas cerca de um terço vem de Ys. Visualmente, o jogo é surpreendentemente agradável mesmo em 2025, sobretudo considerando que é oriundo de uma consola portátil. Visualmente, Ys vs Trails in the Sky: Alternative Saga é surpreendentemente interessante, mesmo que tenha sido originalmente desenvolvido para a PlayStation Portable. A melhoria mais imediata e de maior impacto é o aumento geral da qualidade das texturas em todo o jogo. Estas dividem-se em duas categorias principais, as da interface, visíveis nos menus e nas cutscenes do modo história, e as texturas do próprio jogo, que abrangem os mapas, os modelos 3D das personagens e as personagens de apoio.
Quase todas as texturas da interface foram completamente redesenhadas, com o objetivo de atingir resolução 4K. Este processo implicou recriar grande parte dos elementos visuais do zero, além de reexportar as artes originais em alta resolução. As pré-visualizações dos mapas foram igualmente renderizadas de novo, e nesta remasterização apresentam muito maior definição. O resultado são imagens nítidas, quer durante o jogo como nos menus, sem elementos de baixa resolução que destoem do conjunto.

Embora o número total de texturas seja significativamente inferior ao dos jogos modernos, o trabalho envolvido foi tudo menos trivial. A equipa expressou o seu agradecimento ao especialista interno em texturas Vimiani, que liderou o processo de seleção e correção, à artista Momo e à equipa do Studio Pom, que colaboraram juntos no redesenho de várias secções do modo história e da interface.
Outra melhoria imediatamente percetível é o aumento do limite de framerate para 60 FPS. Esta alteração terá exigido uma revisão profunda da lógica interna do jogo, já que o original foi concebido para funcionar a 30 FPS fixos. A diversidade de formatos e tamanhos de ecrã nos PC’s modernos, sobretudo com o surgimento de dispositivos portáteis como a Steam Deck, levou a equipa a aproveitar o espaço adicional oferecido por proporções diferentes do tradicional 16:9. Embora elementos da interface e cutscenes se mantenham nesse formato, com barras laterais que ajustam a imagem, os combates suportam agora proporções arbitrárias, incluindo a popular 16:10 da Steam Deck.
O aumento da resolução e o suporte a novos formatos de ecrã expuseram algumas pequenas imperfeições na geometria original dos mapas e modelos 3D. Certas animações, especialmente as das personagens de apoio, tiveram de ser revistas para se adaptarem à nova resolução e à taxa de fotogramas superior. Entre as otimizações adicionais, foram introduzidas opções de anti-aliasing, MSAA x2, MSAA x4 e MSAA x8, FXAA, e filtragem anisotrópica, que é essencial para ângulos de câmara mais exigentes. O suporte para resoluções arbitrárias complementa o novo sistema de proporções de ecrã para permitir ao jogador selecionar qualquer resolução compatível com o seu monitor. O resultado final representa um salto visual expressivo face à versão original e oferece uma experiência mais fluida, nítida e moderna que consegue ser fiel à essência do jogo ao mesmo tempo que é adaptada aos padrões técnicos atuais.

O modo de rede, originalmente conhecido como Network Mode, foi a forma inicial de jogar com amigos. Nesta nova versão, apresenta várias subopções que permitem conectar-se a outros jogadores de diferentes formas. O LAN Mode surge como uma opção fundamental e simples, ideal para quem prefere uma experiência local. Este modo utiliza a rede local (LAN) para detetar outros jogadores ligados à mesma rede e permitir partidas conjuntas de forma direta e prática no mesmo espaço físico.
Contudo, é no Online Mode que os jogadores quebram a limitação da distância e desfrutam de partidas através da internet. Neste modo, os jogadores podem limitar a visibilidade das suas lobbies, encontrar amigos através de códigos específicos e definir palavras-passe para controlar o acesso.
De salientar que o jogo oferece suporte cross-platform e permite que utilizadores de diferentes plataformas joguem juntos sem restrições. Esta funcionalidade, no entanto, pode ser desativada caso o jogador prefira limitar a experiência a uma única plataforma. Felizmente, também foi implementado o suporte ao códido de rede rollback, uma tecnologia amplamente reconhecida pela comunidade de jogos de luta e considerada o padrão de excelência. O sistema substitui o antigo modelo baseado em atraso (delay-based netcode) e recorre à tecnologia GGPO para proporcionar uma sensação de resposta imediata, semelhante à de uma partida local. Em termos simples, este sistema processa os comandos do jogador em tempo real e prevê as ações do adversário, mantendo o jogo fluido mesmo entre sistemas diferentes. Os jogadores podem ajustar o número de fotogramas de atraso, adaptando-os à estabilidade da sua ligação. A configuração predefinida é de três fotogramas, considerada o equilíbrio ideal entre resposta e estabilidade. Mesmo assim, em casos de latência mais elevada poderão surgir irregularidades visuais inevitáveis devido à natureza do sistema.
Além das opções online, esta nova versão introduz funcionalidades dedicadas ao multijogador local. O Free Mode foi expandido para suportar até quatro jogadores em simultâneo através do mesmo ecrã, com uma câmara dinâmica que ajusta o zoom para manter todos visíveis. Algumas geometrias foram revistas para acomodar esta expansão para beneficiar quer o ecrã ultrapanorâmico como o multijogador local.
Outra inovação é a funcionalidade Mixed Local/Network Multiplayer, que permite combinar jogadores locais e online na mesma partida. Assim, é possível iniciar qualquer um dos modos de rede mencionados anteriormente com até três jogadores no mesmo sistema, jogando em conjunto com outros através da internet. Esta flexibilidade permite, por exemplo, que dois jogadores locais se juntem a amigos noutras partes do mundo. O limite máximo de três jogadores locais deve-se ao facto de quatro jogadores já constituírem o limite do Free Mode.
Com esta abordagem, o novo lançamento procura oferecer a maior flexibilidade possível, permitindo que os jogadores desfrutem de partidas com amigos em qualquer circunstância, seja online, localmente ou numa combinação de ambos. A pensar também na experiência individual, o jogo apresenta opções detalhadas de configuração de controlos. O jogo original oferecia apenas um sistema básico de remapeamento, mas agora é possível reconfigurar completamente os controlos, tanto para comandos como para teclado e rato. Tal como é habitual nos ports PC de jogos da empresa, Ys vs Trails in the Sky: Alternative Saga deteta automaticamente o tipo de dispositivo utilizado e exibe os ícones de comando correspondentes, suportando ainda vibração, ajuste da zona morta dos manípulos analógicos e mapeamento direto de habilidades para teclas ou botões adicionais.
No PC, existe a possibilidade de desativar o comando de um jogador para o disponibilizar a outro, o que é útil em partidas locais mistas entre teclado e comando. Também é possível atribuir teclas individuais aos jogadores 2 a 4, uma funcionalidade que, por defeito, está desativada para evitar confusão. Além disso, cada jogador pode definir o tipo de ícones de botões que prefere ver, o que facilita a personalização das suas configurações sem necessidade de regressar ao menu principal.
Para finalizar também foram incorporados 100 wallpapers criados por diversos artistas que são exibidos durante ecrãs de carregamento ou acessíveis na galeria, um toque que reforça a sensação de homenagem e celebração. Nesta versão, podem até ser guardados para uso no ambiente de trabalho. A localização da Refint/Games merece destaque. É funcional, respeitosa para com as séries originais e conta com áudio completo, algo raro neste tipo de relançamento.

Visto sob a lente de 2025, Ys vs. Trails in the Sky: Alternative Saga parece quase uma premonição. Ys evoluiu para incorporar sistemas de quests inspirados em The Legend of Heroes, enquanto The Legend of Heroes começou a adotar elementos de combate em tempo real herdados de Ys nas batalhas rápidas. Embora ambas as séries se tenham tornado mais próximas ao longo do tempo, mantêm identidades próprias, e qualquer fã da Nihon Falcom Corporation, seja veterano ou novato, encontrará neste crossover um pedaço curioso e divertido da história do estúdio.
Ys vs. Trails in the Sky: Alternative Saga é, simultaneamente, um tributo e uma paródia à própria Nihon Falcom Corporation. Não é um grande jogo de luta, aliás nem pretende ser. É um projeto experimental, feito com baixo orçamento, mas muitíssimo coração, que acaba por refletir tudo aquilo que torna esta empresa tão única, tendo conquistado uma legião de fãs durante décadas. Engenho, reciclagem criativa e uma dedicação quase artesanal aos seus universos são os ingredientes de um jogo que certamente fará as delícias dos seus mais devotos seguidores.