
A colectânea de jogos Dragon Quest I & II HD-2D Remake chegou finalmente para colocar um ponto final na lendária Erdrick Trilogy. Mais do que um simples conjunto, Dragon Quest foi a série responsável por introduzir e transformar um género que se tornaria num dos pilares dos videojogos. Numa perspetiva muito pessoal, este género acabou também por se tornar o meu favorito e acreditem que sem esta pedra fundamental personagens célebres, tais como Cloud Strife, Zidane Tribal, Joker, Sephiroth, Aerith Gainborough, Kefka, Adol, Crono, KOS-MOS e tantos outros grandes nomes associados ao género e à história dos videojogos provavelmente nunca teriam existido.
O primeiro Dragon Quest foi lançado para a Nintendo Famicom em maio de 1986 e representou um passo fundamental na história dos videojogos e no desenvolvimento do género a nível mundial.
Antes do aparecimento de Dragon Quest, os RPG eram considerados um género de nicho voltado sobretudo para os jogadores de computador que estavam habituados a comandos textuais e interfaces pouco intuitivas.

A missão de Dragon Quest era simultaneamente simples e ambiciosa, adaptar a complexidade do género para o tornar acessível a um público mais vasto, através de um dispositivo diferente, a consola doméstica. O jogo foi criado por Yuji Horii e produzido pela Enix, com banda sonora composta por Koichi Sugiyama. Para conferir identidade visual à obra, Akira Toriyama, o saudoso criador de Dragon Ball, foi o responsável pelo design das personagens e dos monstros.
Para além de introduzir o género a um novo público, Dragon Quest foi também desenvolvido com outro propósito, o de simplificar os seus sistemas. As longas linhas de comandos deram lugar a menus intuitivos, um esquema de progressão claro e uma narrativa direta. Esta abordagem transformou a experiência num jogo intuitivo, envolvente e emocionalmente apelativo.
Mesmo através de uma ótica nipónica, a história de Dragon Quest herdou influências ocidentais. Um jovem herói sem nome parte numa aventura para salvar um reino ameaçado por um dragão maléfico, uma estrutura narrativa embora algo simplista mesmo para o seu tempo, mas que viria a definir o modelo seguido por inúmeros jogos nas décadas seguintes. O sistema de combate por turnos, apresentado na primeira pessoa, tornou-se uma das identidades na série e ofereceu uma experiência estratégica e acessível.

O sucesso foi imediato no Japão. Estima-se que o jogo tenha vendido cerca de 1,5 milhões de cópias, um número impressionante para a época especialmente se tivermos em conta que o público japonês pouco conhecia o género. O impacto cultural foi tal que, em lançamentos posteriores da série, as longas filas de fãs e a euforia pública levaram o governo japonês a solicitar que os novos Dragon Quest fossem lançados apenas aos fins de semana, para evitar o absentismo escolar e laboral.
Visualmente, o jogo beneficiou do estilo inconfundível de Akira Toriyama, cujos designs coloridos e expressivos deram vida ao mundo e às criaturas que tornaram a experiência muito mais apelativa do que os gráficos genéricos dos RPG de computador da época. A banda sonora orquestral de Koichi Sugiyama, uma das primeiras criadas para um videojogo, acrescentou um sentido de grandiosidade e identidade musical que influenciou profundamente o género, ao ponto do seu tema se ter tornado quase num hino nacional japonês, como se comprovou nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
O legado de Dragon Quest é verdadeiramente imensurável. O seu sucesso abriu caminho a outras séries icónicas, tais como Final Fantasy (Square, 1987) e Phantasy Star (SEGA, 1987), consolidando o “JRPG” como uma das formas mais reconhecidas e influentes do jogo narrativo. Mais do que um êxito comercial, Dragon Quest definiu a linguagem, o ritmo, as convenções visuais e narrativas do género que estabeleceram um padrão sólido que perdura até aos dias de hoje.

O impacto do primeiro Dragon Quest não se limita apenas à sua importância histórica, o jogo transformou a forma como as histórias são contadas, como os jogadores se relacionam com os mundos, como o género japonês deu mais relevo à narrativa ao invés das características das suas personagens, e como se equilibra a acessibilidade com a profundidade num videojogo.








