Ao longo da minha vida, houve sempre uma série de JRPGs que marcou cada era. Na PlayStation, foi a trilogia Final Fantasy, na PlayStation 2, foi a vez da épica trilogia Xenosaga, e na PlayStation 3, quando descobri a Tales of Series, com Tales of Vesperia na Xbox 360, rapidamente se tornou na minha favorita dessa geração. Por isso, Tales of Xillia ocupa um lugar muito especial no meu coração, não só por ter despertado em mim uma paixão genuína pela série, como também pelas loucuras que me levou a cometer, tais como comprar a figura da Milla Maxwell da Alter na Mandarake ou importar e jogar a versão japonesa antes do lançamento ocidental.
Pegar em Tales of Xillia Remastered foi como folhear um velho álbum de fotografias onde parti por uma viagem pelas memórias, pelas emoções e pelos momentos que, embora adormecidos, descobri que sempre permaneceram comigo. Resta agora descobrir, ao longo desta análise, se a nostalgia é capaz de resistir a uma era mais exigente e saturada de lançamentos
O termo “Xillia” poderá derivar das palavras “million” ou “billion” da língua inglesa. Já o “X” no título simboliza o desconhecido, mas também o ponto onde dois caminhos se cruzam e permanecem ligados para sempre. Esta ideia reflete-se na própria essência do jogo na interação e encontro entre pessoas, nos diversos acontecimentos que partilham e na forma como esses momentos moldam as suas vidas. A convicção, enquanto tema central, manifesta-se através da personagem Milla Maxwell, que não recua perante nada nem ninguém até cumprir a sua missão como líder dos Quatro Grandes Espíritos.
Rieze Maxia é um mundo mágico, humanos e espíritos coexistem em perfeita simbiose porque estão dependentes uns dos outros para sobreviver. A humanidade aproveita o poder dos espíritos, enquanto estes necessitam da proteção humana para subsistir. Certo dia, a mana, a fonte de energia vital do mundo, começa a desaparecer devido às experiências conduzidas pelo reino de Rashugal. É então que os grandes espíritos elementais, Efreet, Undine, Sylph e Gnome, convocam Milla Maxwell, a sua avatar, para pôr fim a esta ameaça e salvar o mundo de humanos e espíritos. Durante a sua missão, Milla cruza-se com Jude, um jovem estudante de medicina, após um incidente no laboratório na cidade de Fenmont. Rapidamente, os dois ficam ligados pelo destino e embarcam numa perigosa viagem pelo mundo enquanto enfrentam inimigos e formam alianças com humanos e espíritos dispostos a juntarem-se à causa.
Uma das grandes novidades introduzidas em Tales of Xillia foi a escolha do protagonista. Antes de iniciar a aventura, o jogador pode optar entre Milla ou Jude. A narrativa varia consoante a escolha e certos acontecimentos e cenas são exclusivos para cada personagem. Por isso, para compreendermos plenamente a história, é recomendável jogar com ambos, pois cada revela perspetivas e informações únicas. Enquanto aventura de Jude é centrada no lado humano, a de Milla foca-se na ótica dos espíritos e recorre a elementos e características de fantasia com a colocam como uma espécie de prequela de Tales of Symphonia. Julgo que Jude é a opção ideal para a vossa primeira excursão no mundo de Rieze Maxia. Apesar da sua juventude, é um herói com os pés assentes na terra e apresenta ao jogador tudo está a acontecer em primeira mão. Milla, por outro lado, vai mais “direta ao assunto” e é recomendada para uma segunda partida, na qual se podem preencher as lacunas que ficaram por esclarecer na história. Esta narrativa dupla permite ter dois pontos de vista opostos, a de um jovem dominado pelas circunstâncias, e a perspetiva de uma semideusa que, pouco a pouco, perde a sua arrogância para se tornar mais humana.

A história de Tales of Xillia Remastered é verdadeiramente digna de um jogo de Tales of Series. Simples à vista desarmada, mas poderosa, emocional e até sombria quando explorada em profundidade. Tal como o jogo anterior nesta senda de remasterizações, apresenta um tom alegre e despreocupado mesmo ao abordar temas complexos, uma característica marcante da série, muito graças ao humor dos tradicionais skits, que por vezes cortam a tensão como uma faca. Ao longo da aventura, o jogador é convidado a assistir a estes skits enquanto visita diversos locais exóticos, desde aldeias tribais e cidades cobertas de neve a laboratórios cheios de mistério. Cada área pode ser explorada livremente, com cofres escondidos, segredos e eventos opcionais à espera de serem descobertos. Alguns pontos do mapa oferecem ações contextuais, tais como escalar, saltar ou rastejar que permitem aceder a novas zonas e áreas secretas. A mudança de uma perspetiva isométrica, utilizada em Tales of Graces f Remastered, para uma câmara totalmente 3D colocada atrás das personagens, proporciona uma exploração mais vertical e consequente, natural.
A gameplay é uma das principais áreas de destaque em Tales of Series, e Tales of Xillia Remastered continua a manter esta tradição com distinção. O jogo introduz o “Dual Raid Linear Motion Battle System”, um sistema de combate que dá ênfase ao trabalho em equipa e permite que duas personagens se unam em duplas para enfrentar inimigos e maximizar o potencial de combate. Ao ligar personagens, ativam-se efeitos de suporte passivos e preenche-se o medidor Linked Artes Gauge, que desbloqueia poderosas habilidades combinadas. Esta mecânica é essencial e será usada constantemente ao longo das batalhas.
O sistema cria possibilidades estratégicas que preservam, em simultâneo, os pontos fortes e únicos de cada personagem. Jude, por exemplo, possui o “Snap Pivot”, uma habillidade considerada como uma das melhores da série, e que pode recorrer a artes de suporte, tais como a First Aid, apesar de ser essencialmente uma personagem melee, a cura algo que combina perfeitamente com a sua formação médica. Este elemento consolida uma das marcas mais distintivas do sistema de batalha desta série, a perfeita simbiose entre a mecânica e a narrativa, entre a estratégia e a alma das personagens. Em última análise, o sistema de batalha não existe apenas para cumprir uma função ou preencher espaço, mas sim para respirar em uníssono com o mundo que o rodeia e funcionar como uma extensão viva do próprio ecossistema que dá forma ao jogo, que embora não sofra mudanças drásticas à medida que se avança, o seu domínio acontece de forma natural, o resto depende da experimentação e do desbloqueio de novas habilidades.

Após cada batalha, as personagens recebem Experiência (EXP) e Pontos de Crescimento (GP) que podem ser para utilizados para desbloquear novas habilidades através de um tabuleiro em forma de teia chamado Lilium Orb, muito semelhante à Sphere Grid ou Crystararium de Final Fantasy X e Final Fantasy XIII, respetivamente, onde são melhorar atributos, tais como a força, agilidade, vitalidade, inteligência e o espírito.
Uma mudança notável é o ajuste na estratégia clássica da Tales of Series. Em vez dos jogadores poderem explorar combos infinitos que bloqueiam e colocam os adversários em stun locks ou juggles, aqui até os bosses menos poderosos conseguem libertar-se quando um certo limite é atingido, realmente uma mecânica “à prova de Rita Mordio”. Este elemento não só obriga os jogadores a adaptarem-se a batalhas prolongadas como evitam estratégias abusivas. Embora alguns não tenham apreciado a alteração, especialmente após Tales of Vesperia Definitive Edition e Tales of Graces f Remastered terem sido elogiado pelos seus sistemas de batalha à base de combos intermináveis, esta mudança torna os confrontos mais equilibrados e justos a meu ver.
A troca de personagens também é muito mais fluida do que nos jogos anteriores. Embora pareça uma alteração menor, melhora significativamente o ritmo do combate e complementa as mecânicas de ligação entre personagens através dos seus diálogos enquanto enfrentam os adversários, algo que verdadeiramente adoro e gostaria ver presente em mais jogos. A possibilidade de mudar de personagem em momentos críticos acrescenta profundidade e mantém as batalhas dinâmicas. Tales of Xillia Remastered destaca-se ainda por apresentar um elenco em que todas as personagens têm estilos de combate diferentes que incentivam até os jogadores mais conservadores a experimentarem o grupo completo.
Tal como Tales of Graces f Remastered, o jogo oferece acesso antecipado à Grade Shop antes de iniciar uma nova partida. Este sistema opcional de bónus permite ativar várias vantagens, tais como experiência dupla em batalhas, aumento da quantidade de itens, maior espaço de inventário, redução do custo de recursos ao usar Artes e mais Gald obtido.
Os jogadores podem escolher livremente quais os bónus desejam ativar, cada com o seu próprio custo em Grade e desativá-los a qualquer momento da aventura. Como Tales of Xillia já é considerado um dos jogos da “mothership” mais acessíveis da série, é recomendável ignorar a Grade Shop na primeira partida, a menos joguem na dificuldade máxima (Unknown).

Outras melhorias incluem a funcionalidade de auto-save que elimina o receio de perder progresso por esquecimento, apresentação de sidequests e baús nos mapas, e mais de 40 conteúdos adicionais (DLC) do lançamento original, tais como fatos inspirados nas personagens de outros da série sem custos adicionais. A Edição Deluxe acrescenta ainda diversos bónus digitais, tais como a banda sonora e o artbook. Infelizmente, nem todo o conteúdo adicional, tais como os fatos de Star Driver pôde ser incluído devido ao fim de certos contratos de licenciamento. Algo que também senti em falta foram certas nuances omitidas por causa das suscetibilidades modernas. Sinceramente, não consigo perceber como é que um simples bigode acompanhado de um cachimbo pode ser considerado ofensivo para alguns, mais um pouco, e ainda acabavam por alongar a minissaia da Milla. Podem ficar descansados porque o lendário skit das “bazongas” não foi censurado e está no presente jogo em toda a sua cómica glória.
Como seria de esperar, o desempenho técnico da versão para PC é sólido. Apesar de estarmos perante um jogo de 2011, esta remasterização coloca-o ao nível de jogos mais recentes da série, tais como Tales of Berseria. Grande parte dos problemas da versão original foram corrigidos. Em Tales of Xillia Remastered tudo é mais nítido, fluido e responsivo. O jogo corre agora em resoluções 4K nativas até 120 FPS, ao invés de 720p a 30 FPS, algo claramente visível nos modelos das personagens e nos ambientes. As cores e o contraste foram melhorados e, apesar de manterem o aspeto de aguarela, apresentam-se muito mais definidas e vibrantes. As quebras de FPS, excessivamente comuns na versão PlayStation 3, são inexistentes mesmo nas batalhas mais caóticas. Na minha build, o jogo manteve-se estável nos 120 FPS, sem qualquer flutuação, mesmo com todas as pouquíssimas opções gráficas elevadas máximo executadas em resoluções 4K.

Isto por estarmos diante de um jogo de 2011 e não existir muito espaço para melhorias drásticas até porque, na sua essência, Tales of Xillia Remastered é considerado como uma port o que faz com que alguns efeitos menos positivos caracteristicos neste tipo de relançamentos venham ao de cima. O antialising e as arestas imperfeitas são ainda mais visíveis devido às limitações poligonais da PlayStation 3, e Tales of Xillia Remastered, por mais que tente, não consegue esconder a sua herança. Embora os modelos das personagens tenham bom aspeto, as suas animações são por vezes demasiado robóticas e, mesmo durante os diálogos, as bocas nem sempre acompanham a ação ou as emoções. Os cenários, apesar de coloridos, apresentam algumas texturas bastante fracas. Revelam-se também algo vazios e datados, além de estarem “divididos” em secções, uma vez mais, consequência das limitações do hardware original. Mais conseguido está o aspeto sonoro, com uma banda sonora que se adapta bem a cada momento, composta pelo célebre Motoi Sakuraba. A versão ocidental do jogo original não incluía vozes em japonês, mas em Tales of Xillia Remastered já é possível desfrutar do áudio original, com interpretações de seiyuu de grande renome na indústria do anime. Miyuki Sawashiro, como Milla, e Tomokazu Sugita, como Alvin, são dois dos principais destaques.
Infelizmente, e ao contrário do que aconteceu com outros títulos da Bandai Namco Entertainment, o jogo não inclui textos em português do brasil, uma ausência algo estranha ainda mais se tivermos em conta o historial recente da editora nesta e noutras séries, outra ausência notória é a falta de ícones de interface correspondentes aos comandos da PlayStation e da Nintendo Switch. Testei com vários comandos, mas apenas foram apresentados os da Xbox. Para finalizar e como já é habitual na série, o jogo não só conta com uma magnífica abertura em estilo anime, como outras cenas animadas que ilustram os principais momentos da história. Todas foram criadas pela Ufotable, que na verdade, marcaram a sua estreia na série numa colaboração que, felizmente, continua até hoje.
Tales of Xillia Remaster recupera uma das mais memoráveis aventuras dos fantásticos contos da Bandai Namco Entertainment. Embora seja, sem dúvida, um produto do seu tempo, as funcionalidades modernas e o grafismo renovado colocam-no lado a lado com as entradas mais recentes da série. Uma aventura intemporal, distinta e cativante, que provou ter resistido ao teste do tempo e que, finalmente, está novamente ao alcance de todos os jogadores.








