Dan Houser, um dos criadores da saga Grand Theft Auto, abordou finalmente uma questão que os fãs colocam há décadas: porque é que nunca houve um jogo moderno da série ambientado em Londres? A resposta é simples mas definitiva: GTA é inerentemente americano.
Em entrevista a Lex Fridman, Houser explicou que apesar de várias cidades globais funcionarem como cenários interessantes para histórias com múltiplas camadas sociais, a série tem a cultura dos Estados Unidos como pilar fundamental. O antigo responsável criativo da Rockstar, que deixou a empresa em 2020 e anunciou a sua nova companhia Absurd Ventures no ano passado, foi claro ao afirmar que fazer um GTA completo em Londres “simplesmente não funcionaria da mesma forma”.
A conversa surgiu enquanto discutiam Grand Theft Auto 6, que marca o regresso da série a Vice City, a versão ficcional de Miami. Fridman defendeu que Miami é ideal para o nível de sátira social pelo qual GTA é conhecido, graças à sua “dualidade entre superfície brilhante e submundo negro”, com influencers, criptomoedas, iates, biquínis, cirurgias plásticas, carros desportivos, drogas, dinheiro dos cartéis e o contraste gritante entre super-ricos e desesperadamente pobres.
O antigo escritor da Rockstar revela que a cultura americana está demasiado entranhada na série para funcionar noutros países: “Precisavas de armas”
Houser concordou, mas alargou a análise. “Há uma razão pela qual o GTA voltou sempre a Miami, Nova Iorque e Los Angeles. Todas funcionam exatamente pelo que descreveste”, afirmou. Segundo ele, estas cidades têm aspetos de “caldeirão cultural”, com glamour, riqueza extrema, submundos perigosos e grandes comunidades de imigrantes. “São o que torna tudo realmente divertido não só para GTA, mas para qualquer coisa onde queiras um retrato da vida”.
O escritor comparou a abordagem da série a “uma versão psicótica de um livro de Dickens”, referindo-se a como o autor britânico retratou Londres através de múltiplas personagens num caldeirão social. “Ele fez isso com Londres. Qualquer uma destas cidades globais funciona bem para isso”.
Foi precisamente essa menção a Londres que levou Fridman a perguntar se a Rockstar alguma vez tentou fazer um GTA moderno na capital britânica. A resposta de Houser foi reveladora. “Fizemos uma coisinha em Londres há 26 anos, GTA London, para o jogo visto de cima na PS1. Foi giro e divertido, o primeiro pack de missões de sempre para PlayStation”.
No entanto, quando se trata de um jogo completo da série, a equipa sempre decidiu que havia demasiada cultura americana entranhada na propriedade intelectual. “Seria muito difícil fazer funcionar em Londres ou noutro sítio qualquer. Precisavas de armas, precisavas destas personagens maiores que a vida”, explicou Houser.
A série teve apenas duas incursões fora dos Estados Unidos, ambas para o Grand Theft Auto original lançado em 1997: GTA London 1969 e London 1961, este último gratuito e exclusivo para PC. Desde então, todos os títulos principais ficaram no território americano, passando por Vice City, San Andreas, Liberty City e Los Santos.
Houser sublinhou que o jogo é “tanto sobre a América, possivelmente de uma perspetiva externa” que simplesmente não funcionaria da mesma maneira noutro local. Esta visão de outsider sobre a cultura americana tornou-se, aliás, uma das marcas da série, permitindo uma sátira mordaz e exagerada do estilo de vida, política e sociedade dos Estados Unidos.
