Mamoru Oshii, o aclamado diretor responsável por Ghost in the Shell, fez recentemente uma declaração que surpreendeu muitos fãs de anime. Segundo o cineasta, seria impossível recriar hoje em dia o seu filme de 1985, Angel’s Egg, considerado por muitos uma obra-prima da animação experimental japonesa.
Em entrevista ao site The Film Stage, quando questionado se Angel’s Egg poderia ser recriado atualmente, Oshii foi categórico: “Acredito que seria impossível hoje. As tarefas de desenho detalhado neste filme seriam tediosas para a maioria dos animadores modernos. Eles preferem envolver-se em trabalho criativo e original em vez de aperfeiçoar técnicas artesanais”.
O diretor acrescentou ainda que o ambiente atual de produção de anime já não permite um projeto desta natureza. A beleza do filme reside no facto de cada detalhe ter sido criado por mãos humanas, algo fundamentalmente diferente da precisão produzida pelas tecnologias digitais de hoje.
Angel’s Egg foi lançado originalmente a 15 de dezembro de 1985 diretamente em formato de vídeo doméstico, numa época em que o mercado de OVA estava no auge no Japão. O filme é resultado de uma colaboração criativa entre Oshii, que escreveu e dirigiu a obra, e o reverenciado artista Yoshitaka Amano, conhecido pelos seus trabalhos em Final Fantasy e Vampire Hunter D.

A história passa-se numa cidade subaquática desolada onde uma jovem cuida de um ovo enorme, acreditando tratar-se de um ovo de anjo. A narrativa minimalista, com escassos diálogos, desenrola-se através de visuais surreais e simbolismo filosófico e religioso profundo. Apesar da sua beleza visual inegável, Angel’s Egg não foi um sucesso comercial na altura do lançamento.
O próprio Oshii admitiu numa conferência no Toronto International Film Festival de 2015 que o filme quase destruiu a sua carreira. Durante três anos após o lançamento de Angel’s Egg, ninguém lhe ofereceu trabalho. O diretor comparou o filme a uma “filha pobre” que ficou em casa enquanto as suas outras obras saíram pelo mundo e encontraram sucesso.
No entanto, com o passar das décadas, Angel’s Egg ganhou um estatuto de culto entre entusiastas de anime e críticos de cinema. A origem do conceito de Angel’s Egg remonta a um filme de Lupin III que nunca chegou a ser concretizado. Oshii tinha planeado uma história onde Lupin tentaria roubar algo impossível: um fóssil de anjo guardado numa torre por uma jovem misteriosa. Quando o projeto foi cancelado pelos produtores, que temiam que o final de aniquilação nuclear pudesse prejudicar a marca, Oshii reaproveitou elementos como o fóssil de anjo e transformou-os em algo completamente diferente.
Durante a entrevista com The Film Stage, o diretor explicou que é comum projetos cancelados serem reconfigurados em algo totalmente novo. Por esta razão, apesar da natureza invulgar da história, não teve que fazer grande esforço para convencer os produtores a avançar com Angel’s Egg.
Para comemorar o 40º aniversário do filme, foi criada uma restauração em 4K supervisionada pelo próprio Oshii. A nova versão teve a sua estreia mundial no Festival de Cannes de 2025 na secção Clássicos, e está atualmente a ser exibida em salas de cinema nos Estados Unidos através da GKIDS.
A restauração não se limitou ao visual. O áudio original mono foi analisado e separado utilizando tecnologia de separação de áudio desenvolvida pela Sony PCL e Sony Group Corporation, sendo depois reconstruído em formato surround 5.1 e Dolby Atmos.
Oshii serviu como supervisor geral da remasterização. Num evento de apresentação no Marunouchi Piccadilly em Tóquio, o diretor comentou: “Angel’s Egg é como uma filha que nunca conseguiu fazer a sua estreia adequadamente no mundo. Após quarenta anos, parece que ela voltou para mim, e agora estou a ser informado de que ela receberá um retoque bonito e será enviada de volta para o mundo”.
Quando questionado sobre porque avançou com um projeto tão arriscado na altura, Oshii respondeu que queria experimentar. Refletindo sobre a sua mentalidade naquela época, disse que estava a começar a sentir-se confiante na animação à sua maneira e queria fazer um filme que não dependesse de história ou personagem, mas que pudesse resistir apenas através do poder expressivo.
O diretor japonês, agora com mais de quatro décadas de carreira, tornou-se uma figura pioneira no anime, conhecido pelo seu estilo distintivo de narrativa orientada para a filosofia e por priorizar frequentemente os visuais sobre o enredo. A sua estreia como diretor aconteceu em 1983 com Urusei Yatsura: Only You.
Apesar de Angel’s Egg não ter alcançado fama global quando foi lançado, ganhou lentamente reconhecimento entre entusiastas de anime ao longo das décadas. A animação feita à mão, os longos planos contemplativos e a atmosfera onírica estabeleceram um padrão que influenciaria trabalhos futuros de Oshii, incluindo o seu aclamado Ghost in the Shell de 1995.
O filme utiliza uma média de apenas 12 segundos por corte ao longo dos seus 80 minutos, contrastando drasticamente com o ritmo frenético da maioria dos animes modernos. Esta abordagem deliberadamente lenta permitiu que cada frame fosse meticulosamente trabalhado, criando uma experiência visual que Oshii afirma ser impossível de replicar com as técnicas digitais modernas.










