
Um homem na casa dos 70 anos foi hospitalizado no início de novembro após consumir cogumelos selvagens que uma inteligência artificial identificou incorretamente como comestíveis. O incidente ocorreu a 3 de novembro na aldeia de Shimokitayama, na província de Nara, no Japão, e voltou a colocar em evidência os perigos de confiar cegamente em ferramentas de IA para decisões que envolvem saúde.
O homem tinha apanhado cogumelos selvagens que lhe pareciam shiitake ou cogumelos-ostra. No dia seguinte, tentou mostrar os exemplares a um jardim botânico local para confirmar se eram seguros para consumo, mas não encontrou ninguém disponível. Impaciente, decidiu tirar uma fotografia com o telemóvel e submetê-la a uma ferramenta de inteligência artificial.
A resposta da IA foi categórica: “São shiitake ou cogumelos-ostra e são comestíveis”. Satisfeito com a identificação, o homem grelhou os cogumelos e comeu-os. Cerca de 30 minutos depois, começou a vomitar e teve de ser levado ao hospital.
Felizmente, os sintomas foram temporários e o homem recuperou totalmente. Mas a análise posterior realizada pelo Museu de História Natural da Província de Wakayama e pela Divisão de Saúde Pública da cidade revelou a verdadeira identidade dos cogumelos: tsukiyotake (Omphalotus japonicus), uma espécie venenosa frequentemente confundida com variedades comestíveis.
O cogumelo que brilha à noite
O tsukiyotake, cujo nome japonês significa “cogumelo da noite de lua”, é conhecido pela sua bioluminescência, as lamelas emitem uma luz esbranquiçada no escuro. Este cogumelo tem características que o tornam perigosamente semelhante a espécies comestíveis como shiitake, cogumelos-ostra e mukitake.
Os dados são preocupantes, entre 1996 e 2005, o Omphalotus japonicus foi responsável por 31,6% dos casos de intoxicação por cogumelos no Japão, mais do que qualquer outra espécie. Na última década, até 2024, esta espécie causou 305 casos de intoxicação no país.
O tsukiyotake contém a toxina iludina, que provoca envenenamento gastrointestinal grave. O componente tóxico permanece mesmo após a cozedura, tornando o cogumelo impossível de consumir com segurança. Os sintomas incluem náuseas intensas, vómitos e diarreia durante várias horas.
Uma forma de identificar o tsukiyotake é pela presença de uma banda saliente ao redor do caule, mesmo abaixo das lamelas. No entanto, as autoridades de saúde pública alertam que mesmo com guias ilustrados ou fotografias, a identificação pode ser enganadora.
A ilusão de confiança da IA
Este caso não é isolado. A crescente popularidade das ferramentas de inteligência artificial para identificação de espécies naturais tem gerado uma falsa sensação de segurança. A organização Public Citizen publicou um relatório em março de 2024 onde alertava precisamente para este risco crescente.
Investigadores australianos testaram três aplicações de IA com 78 fotografias de cogumelos. A aplicação com melhor desempenho (Picture Mushroom) só identificou corretamente os cogumelos em metade dos casos, e reconheceu cogumelos tóxicos apenas 44% das vezes.
O problema é que estas aplicações não conseguem ter em conta fatores cruciais para identificação segura, como o substrato onde o cogumelo cresce, características de manchas ao ser manuseado, ou o cheiro, elementos que um especialista considera essenciais.
Um funcionário da Divisão de Saúde e Bem-Estar da cidade de Wakayama foi claro: “É perigoso julgar a comestibilidade dos cogumelos apenas com base na IA ou em guias de campo”.
O outono é tradicionalmente a época do ano com maior incidência de intoxicações por cogumelos no Japão. Segundo dados do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar, entre 1999 e 2024, foram registados 595 casos de intoxicação por cogumelos, sendo que 566 casos (mais de 90%) ocorreram em setembro, outubro e novembro.
As autoridades japonesas têm uma recomendação simples mas firme, se não tiver absoluta certeza sobre a segurança de um cogumelo, não o apanhe, não o coma, não o venda e não o ofereça a ninguém. Mesmo especialistas podem ter dificuldade em identificar algumas espécies, e existem cogumelos sem nome científico atribuído que permanecem por classificar.
Este incidente serve de alerta para os limites atuais da inteligência artificial. Embora estas ferramentas possam ser úteis para muitas tarefas, quando se trata de questões de saúde e segurança, a tecnologia ainda está longe de substituir o conhecimento especializado e a prudência humana. A regra de ouro continua a ser, em caso de dúvida, não coma.










