Se houve uma combinação verdadeiramente simbiótica no início e meados da década de 90, foi a dos beat ’em ups com as séries animadas da Marvel Comics, transmitidas sobretudo na SIC, nas manhãs e no final das tardes durante a semana. X-Men, Iron Man, The Incredible Hulk e Spider-Man foram apenas alguns desses exemplos marcantes. Jogos como Wolverine: Adamantium Rage, Venom & Spider-Man: Separation Anxiety e X-Men 2: Clone Wars, além de funcionarem como complemento natural às séries, ofereciam-nos beat ’em ups sólidos e envolventes, mesmo numa época em que as ruas eram dominadas por Streets of Rage e Final Fight.
Avançamos algumas décadas e, num género que muitos de nós julgávamos perdido, há que reconhecer que foi a DotEmu quem permitiu que a pancadaria voltasse a ser “fixe”. Desde que co-desenvolveu e publicou o incrível Streets of Rage 4, revitalizou por completo o género, e não tardaram a chegar jogos aclamados da empresa, tais como Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge, e uma série de novas e antigas IPs que despertaram das cinzas, tais os diversos jogos da série Double Dragon.
O beat-em-up mais conhecido da Marvel Comics, X-Men Arcade, tinha seis heróis jogáveis. Marvel Cosmic Invasion mais do que duplicar este número, coloca à nossa disposição 15 personagens, algumas por desbloquear inicialmente, para garantir que independentemente da nossa série favorita da Marvel Comics vamos ter sempre alguém à nossa medida. Grande parte do elenco é composto pelas escolhas mais óbvias, afinal, o que seria um jogo da Marvel Comics sem o Spider-Man ou o Wolverine, que aqui surge com o seu uniforme clássico castanho e amarelo torrado. Ainda assim, Marvel Cosmic Invasion recupera também alguns heróis menos conhecidos, sobretudo devido à origem da sua história.

O jogo baseia-se em Annihilation, um crossover da Marvel Comics de 2006 centrado no espaço e na invasão do universo 616 por Annihilus a partir da Zona Negativa. Embora não seja das histórias mais mediáticas, Annihilation é extremamente importante na cronologia Marvel Comics visto que introduziu Richard Ryder como Nova Prime, mostrou Phyla-Vell a assumir o título de Quasar e levou à criação da versão moderna dos Guardians of the Galaxy. Nova, Phyla-Vell e Rocket Raccoon fazem todos parte do elenco e demonstram que o jogo não usa Annihilation apenas como pano de fundo e está mesmo no centro da experiência. Este também a longo prazo se traduz num problema porque a variedade de inimigos é muito limitada e na maioria do tempo vamos estar a esmurrar e pontapear insetos humanoides.
Contudo, enquanto os Tarta-Heróis de Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge tinham uma gameplay muito semelhante entre si, os super-heróis de Marvel Cosmic Invasion são totalmente diferentes uns dos outros. Uns voam, outros saltam sobre inimigos com acrobacias, outros baloiçam em teias. Alguns têm até mecânicas próprias, tais como o Captain America, que pode bloquear ataques com o seu escudo. No total, cada uma das 15 personagens jogáveis possui um combo básico, um ataque carregado, uma habilidade especial, uma opção defensiva e um ataque de ecrã total ideal para reverter a situação em momentos de maior aperto.
É realmente impressionante ver uma seleção tão diversa, especialmente quando a maioria dos jogos do género tem no máximo 4 personagens jogáveis. Além disso, os botões possuem operações totalmente diferentes de acordo com a personagem. Spider-Man, por exemplo, é exímio em “crowd control”, e possui múltiplas ações ao manter botões pressionados. Se segurarmos o botão de salto baloiça na teia, se segurares o botão de ataque, lança uma teia que puxa inimigos. Pode também disparar projéteis de teia que cegam e atrasam ou um ataque especial onde liberta uma rajada de teias em todas as direções do ecrã que são fantásticas para controlar vagas de inimigos emergentes. Já Wolverine possui vários movimentos de agarrar e arremessar, ótimos para isolar adversários ou afastá-los dos aliados, além das suas famosas afiadas garras de adamantium, claro. Desde os primeiros minutos nota-se que muitos destes moldes são inspirados nos vibrantes crossovers de luta da CAPCOM dos anos 90.

Um desses elementos é a mecânica Tag Team. Tal como nos clássicos beat ‘em ups 2D da CAPCOM, escolhemos dois heróis e podemos alternar entre ambos através da barra Focus que se enche naturalmente ao atacarmos inimigos. Esta mecânica não deve ser subestimada, pois de acordo com as capacidades individuais do nosso herói, criam-se sinergias muito interessantes. Por exemplo, a She-Hulk é uma brawler poderosa mas lenta, muito ao estilo de Zangieg de Street Fighter, com grabs e manobras de wrestling, tais como elbow drops ou crossfaces. Combiná-la com Black Panther ou Wolverine compensa a sua falta de mobilidade e permite criar cadências de ataques conjuntos, aparentemente impossíveis a solo.
Embora seja um beat ‘em up, Marvel Cosmic Invasion permite ainda criar combos ao trocar de personagem. Se estiveres a meio de uma sequência com o Spider-Man e trocares para o Venom, o combo continua. O Cabeça-de-Teia finaliza os golpes com estilo enquanto o Simbionte irrompe no ecrã para devorar inimigos. Apesar da inspiração nos jogos CAPCOM, aqui a mecânica é muito menos técnica e mais acessível.
Na prática, este TagTeam simplificado permite a criação de situações absurdamente satisfatórias e, como a barra Focus se enche rapidamente, a sensação é quase a de controlar duas personagens em simultâneo. O ideal é tentar combinar heróis que cubram o máximo de categorias, mobilidade, projéteis, alcance, antiaéreo, para lidar com qualquer ameaça, seja terrestre ou aérea, ou que preencha quase todo o ecrã!
A personalidade das personagens transparece em todos os movimentos extremamente fluidos com uma animação que evoca a utilizada nos sprites 2D dos anos 90 nos jogos da CAPCOM e que transpira do mesmo dinamismo dos comics. Venom esmaga inimigos com o seu característico humor plural slapstick, Spider-Man conquista os inimigos e o seu público e inimigos com ataques e bocas foleiras, e o ataque especial da Storm transmite exatamente a imponência de uma deusa. Tudo é colorido, exagerado e extremamente divertido. Além de invocar a sua herança no seu grafismo, Marvel Cosmic Invasion também resgata as vozes originais das series Marvel Comics da época. Quem jogou X-Men: Children of the Atom vai sem dúvida identificar Cathal J. Dodd como Wolverine de X-Men, ou Josh Keaton, o Homem-Aranha de The Spectacular Spider-Man. Arriscaria também a dizer que algumas faixas retiram inspirações destes mesmos jogos especialmente dos efeitos sonoros do chip da CAPCOM CPS-2. É um elemento difícil de colocar por palavras mas assim que ouvirem vão sem dúvida perceber.

Relativamente aos modos de jogo, Marvel Cosmic Invasion oferece dois. O primeiro é o Campaign, onde revivemos os acontecimentos da banda desenhada através de níveis ramificados, cada um composto por um conjunto de três missões focadas em duas personagens. O jogo não é muito longo. À semelhança nos do seu género demora cerca de 5 a 6 horas até ser concluído. Porém, como suporta crossplay online com até quatro jogares em simultâneo o seu nível de replay é praticamente infinito e não tenho a menor dúvida que mesmo depois de meses após o seu lançamento vamos poder criar alianças com super-heróis do PC e das Consolas. O segundo modo de jogo é o Arcade, que também suporta modos multiplayer local e online e emula os jogos clássicos com vidas e continues, permitindo-nos igualmente percorrer os níveis da Campaign que não requerem conhecer o comic original para desfrutar da história. Os fãs novos e veteranos de todas as idades vão deliciar-se com os easter eggs que estão espalhados nos níveis, desde itens nos cenários até diálogos entre os protagonistas.
A grande diferença neste modo é a possibilidade de selecionar modificadores de jogo, que são desbloqueados na Vault com os cubos ocultos que encontramos ao longo dos níveis. Ainda na Vault, encontramos o Hero Lab, que como o próprio nome indica permite editar o nosso super-herói com habilidades que são desbloqueadas através da experiência obtida ao concluirmos cada nível.

Mesmo quando somos derrotados, os nossos heróis continuam a evoluir e adquirem novas habilidades que vão desde elementos passivos, tais como uma regeneração mais rápida ou maior agilidade, até ao aumento de HP e até variações de cores. Estas variações inspiram-se quer nos Comics da Marvel como nos crossovers da CAPCOM, por exemplo, a armadura azul escura e clara do Iron Man é uma clara referência às cores do Megaman.
Por muito competente que Marvel Cosmic Invasion seja no que faz, é impossível ignorar que o jogo está longe de exigir algo de relevante em hardware moderno. Não vai pôr nenhum PC a trabalhar seriamente, seja um sistema recente, uma máquina mais antiga ou até dispositivos portáteis como a Steam Deck ou a ROG Ally. Na verdade, parece quase talhado exclusivamente para este tipo de plataformas. Em todas, o jogo corre sempre na resolução nativa a 60 FPS, que é, aliás, a única taxa disponível. Uma ótima noticia para todos os nossos leitores é que o jogo suporta idiomas por texto em diversas línguas onde consta o português do Brasil.

Apesar de funcional, o leque de opções gráficas é extraordinariamente limitado. Para além da resolução, o jogo apenas oferece alguns filtros de ecrã. Podemos optar pela pixel art limpa ou pelos filtros CRT e CRT curvo, que emulam scanlines e cantos arredondados, mas fica a sensação de que a produção podia ter ido mais longe. A ausência de bezels de Arcade ou de TV, algo tão simples quanto essencial para quem procura a estética retro plena não foram incluídos neste pacote de luxo.

Marvel Cosmic Invasion insere-se no já reconhecido catálogo da dupla DotEmu/Tribute Games. É competente na homenagem que presta à era clássica. A viagem é nostálgica, sim, mas também excessivamente segura, demasiado fiel à fonte, ao ponto de limitar a própria criatividade do jogo. Apesar disto, não deixa de ser um forte candidato dentro do género. Num 2025 extremamente competitivo, este jogo destaca-se mais por uma execução extremamente polida e um elenco de personagens variado e em muitos casos, diria mesmo único. Talvez, se tivesse sido lançado alguns meses mais cedo, tivesse conseguido um lugar entre os nomeados de Geoff Keighley quer pela sua ousadia, como por uma competência sólida de adamantium. Por isso quem procura ação direta, pancadaria contra insetos humanoides, sentinelas e criaturas galácticas, seja a solo ou com amigos de todos os cantos do planeta, o jogo sem dúvida cumpre as suas funções mesmo num mercado bastante preenchido.









