Ao longo do tempo, temos assistido ao surgimento de vários mestres do terror, muitos deles japoneses, que expandiram o género e se tornaram referências incontornáveis para criadores de todo o mundo. Jogos como Silent Hill e Resident Evil abriram caminho para uma nova vaga de jogos assentes no terror psicológico e de sobrevivência, moldando a sensibilidade contemporânea dentro do género. Contudo, o que distingue verdadeiramente cada projeto é a forma como aborda, interpreta e desconstrói o próprio significado de terror.

É justamente aqui que os brasileiros Pulsatrix Studios se destacam com o seu mais recente jogo, A.I.L.A. A equipa não só procura explorar uma vertente do horror através do prisma da inteligência artificial, como presta uma homenagem clara e competente às raízes do género.

Situado num futuro não muito distante, em A.I.L.A atuamos no papel de Samuel, um analista de jogos cuja rotina aparentemente normal muda quando recebe uma nova inteligência artificial para testar na sua casa. Quando ativa o sistema, é apresentado a A.I.L.A, uma I.A. à imagem de uma jovem, concebida para produzir experiências de terror adaptadas ao perfil psicológico do utilizador. O que começa como um simples teste transforma-se numa viagem profundamente pessoal e perturbadora, onde os medos e traumas de Samuel ganham forma dentro dos mundos gerados pela própria I.A..

Existem ao todo sete finais no jogo.

A forma como as simulações actuam é particularmente interessante, cada mundo é independente, com a sua própria história, personagens e contexto. Parte desta narrativa torna-se ainda mais envolvente devido ao sistema de escolhas que influenciam o final do jogo. Muitas decisões que temos de tomar acabam por afetar a mente do protagonista, alterando diretamente o seu comportamento no mundo fora da realidade virtual. Adicionalmente, o lore do jogo está muito bem construído, com textos e outros elementos a acrescentar camadas de informação que nos fazem compreender aquilo que está a acontecer e a verdadeira intenção da I.A..

Os tradicionais jump scares também estão presentes para nos fazer saltar do sofá quando menos esperamos. Embora recorram a clichés, como criaturas que surgem de locais inesperados e a luzes que arrebentam, estão bem posicionados e cumprem a sua função: manter-nos constantemente em alerta. A narrativa faz um óptimo trabalho ao sustentar uma tensão psicológica contínua, alimentada por ambiguidades e revelações graduais que nos agarram até ao final do jogo.

As simulações estão carregas de simbologia e de pormenores macabros

Em termos de exploração, a estrutura e o ambiente variam consoante cada simulação. Num momento podemos estar dentro de uma mansão ao estilo da família Baker, e no seguinte encontramos-nos num navio fantasma ocupado por criaturas grotescas. Estes cenários exigem um olhar metódico para encontrarmos itens, como munições e objetos de cura, mas também itens importantes que nos permitem superar os obstáculos e avançar na narrativa. Como é costume no género, o backtracking está muito presente; contudo, funciona bem devido à variedade de ambientes, evitando que a repetição se torne cansativa.

Outro ponto positivo é a presença de inúmeros puzzles espalhados pelos ambientes. A sua dificuldade varia, alguns são relativamente fáceis, como ordenar peças num quadro; outros exigem maior atenção, como interpretar códigos a partir de desenhos ou decifrar coordenadas. Estes surgem de forma natural e oferecem um desafio moderado, promovendo a exploração e o raciocínio.

Ao longo da jornada surgem várias referências. Uma delas é o cartão de identificação do Leon, de Resident Evil 2. Outra é a cadeira de plástico, uma alusão a um meme do Vergil, de Devil May Cry.

Ao contrário do resto, o combate nem sempre corresponde ao desejado em A.I.L.A. Mesmo que os comandos sejam acessíveis e as armas de fogo funcionem de forma competente, os ataques corpo a corpo e a câmara revelam-se por vezes injustos. Nem todos os golpes parecem atingir o alvo, e muitos inimigos escapam com facilidade devido à mobilidade limitada de Samuel. Apesar de esta limitação fazer sentido dentro do contexto, afinal, enfrentamos monstros, um maior equilíbrio teria evitado alguns momentos de frustração e de dificuldade extrema. Parte de estas restrições tornam-se especialmente óbivas quando enfrentamos os bosses, que podem parecer quase imparáveis caso não dominemos plenamente as mecânicas disponíveis.

Voltando ao melhor de A.I.LA, ao termos uma boa dose de temáticas representadas em cada simulação, o estúdio brasileiro foi criativo e inteligente ao colocar-nos em diferentes perspectivas quanto ao arsenal. Em certos cenários manuseamos armas de fogo como uma pistola ou caçadeiras, em outros assumimos o papel de um cavaleiro, por isso teremos de usar espadas, uma tocha ou até mesmo uma besta. São aspetos como este que evitam que estejamos continuamente a repetir o mesmo padrão de armas e de jogabilidade, o que torna cada momento distinto e memorável.

As cutscenes são bastante intensas e transmitem muito bem a tensão do jogo

Graficamente, a Pulsatrix Studios volta a impressionar, e desta vez de forma mais evidente. Construído na Unreal Engine 5, A.I.L.A apresenta um salto técnico notável face ao anterior jogo Fobia – St. Dinfna Hotel. Cada cenário, seja um corredor estreito iluminado apenas por uma lâmpada ou uma área exterior mais ampla, está carregado de detalhes minuciosos que reforçam a sensação de realismo e imersão. A densidade visual é surpreendente, desde objectos espalhados pelo ambiente, rastos de sangue, superfícies desgastadas e pequenas imperfeições contribuem para um mundo que parece sempre vivo… ou assombrado.

Já os efeitos de luz volumétrica, reflexos, sombras dinâmicas aumentam a atmosfera tensa do jogo. Mesmo em zonas mais escuras, onde muitos jogos acabam por perder definição, as texturas mantêm uma qualidade consistente, com raras quebras de detalhe. O cuidado técnico garante que a imersão nunca se perca, mesmo nos momentos em que somos forçados a explorar zonas com visibilidade reduzida.

Em termos de direção artística, o trabalho da equipa é inspirado e coerente com o ADN da Pulsatrix. Há uma clara herança de obras como Resident Evil 7 e até P.T. de Kojima, tanto no uso inteligente de espaços claustrofóbicos como na forma de instigar desconforto psicológico. A estética combina o realismo fotográfico com uma aura de decadência e mistério, criando ambientes que parecem familiares, mas simultaneamente perturbadores.

Na componente sonora adoptaram por uma abordagem minimalista, mas extremamente eficaz. Os efeitos sonoros estão integrados de forma precisa, funcionando como uma extensão natural da atmosfera do jogo. Sons distantes, madeira a rancher ou sussurros são usados para intensificar o terror e manter-nos permanentemente em alerta. Nos momentos-chave, o som adquire maior presença, contribuindo para picos de tensão bem calibrados.

Estou a ter um Déjà vu

A.I.L.A conta com legendas e vozes em PT-BR, mantendo a identidade cultural do estúdio, mas a Pulsatrix teve ainda o cuidado de incluir dobragens em inglês, uma decisão que amplia o alcance internacional do jogo e demonstra preocupação com diferentes públicos. Este esforço contrasta com a abordagem de muitos estúdios que optaram por apostar apenas numa vertente, descurando por vezes jogadores lusófonos. Aqui, a inclusão é clara e bem-vinda.

No final, dei por mim verdadeiramente satisfeito com A.I.L.A. Trata-se de uma das experiências de terror mais marcantes lançadas já perto do encerramento de 2025, demonstrando claramente o domínio que a equipa brasileira da Pulsatrix Studios tem sobre um género que, apesar de popular, nem sempre é fácil de se fazer sobressair.

A.I.L.A cativa pela sua narrativa inesperada e pelos mundos profundamente inquietantes criados pela inteligência artificial, cada um deles carregados de atmosfera, mistério e personalidade. É um jogo que sabe como se entranhar no jogador, não só pelo medo, mas pelo desconforto persistente, pela dúvida e pela sensação de que algo maior se está a desenrolar nas sombras. Experiências como esta lembram-me porque continuo a estimar tanto jogos de terror.

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Diego
Diego
8 , Dezembro , 2025 17:08

:v :v vai brasil