Na indústria dos videojogos, quando um título é muito esperado, como aconteceu com Metroid Prime 4: Beyond, as expectativas tendem a intensificar-se à medida que a data de lançamento se aproxima. Este caso é particularmente emblemático. O jogo passou por um longo e conturbado processo de desenvolvimento, incluindo uma reformulação completa do projecto e a decisão da Nintendo de entregar à Retro Studios a responsabilidade de continuar uma série que esteve quase 18 anos sem um novo capítulo numerado, desde Metroid Prime 3: Corruption.

Depois um longo período de espera, foi assim que, no dia 4 de Dezembro, Metroid Prime 4: Beyond chegou finalmente à Nintendo Switch 2 e à Nintendo Switch, demonstrando que a série Metroid continua bem viva e que a lendária caçadora de recompensas, Samus Aran, está em plena forma.

Acontecimentos antes de serem teletransportados para um novo planeta

A narrativa de Metroid Prime 4: Beyond arranca sem perder tempo. Samus Aran é lançada diretamente para o centro da ação ao juntar-se a uma equipa de ataque da Federação Galáctica numa batalha intensa em Tanamaar. O confronto termina após o aparecimento do enigmático caçador de recompensas Sylux, quando um artefato misterioso se ativa e todo o grupo é teletransportado sem deixar rasto. Quando Samus desperta, pouco depois, descobre através de uma entidade que se encontra num planeta hostil chamado Viewros e que, para ativar o único meio de transporte que lhe permite voltar a casa, terá de encontrar cinco artefatos espalhados pelos diferentes territórios deste mundo.

Viewros é dividido por várias regiões, cada uma com identidade própria e com a sensação constante de que esconde algo. Por exemplo, o Furor Virente apresenta uma floresta densa que cobre uma tecnologia avançada sob a vegetação; o Reactor Voltaico leva-nos a uma instalação energética abandonada; já no Cinturão de Gelo encontramos uma espécie de laboratório subterrâneo aprisionado sob camadas de gelo. Em todas estas e outras áreas surgem pistas sobre os Lamorn, uma raça alienígena que habitou este planeta cujo passado se revela gradualmente.

Beyond entrega uma narrativa completamente nova, deixando claro que os acontecimentos da trilogia prime foram concluídos.

Durante as cerca de 14 horas que demorei a chegar ao final, fiquei com a impressão de que a narrativa não é particularmente complexa, sobretudo para quem não for curioso durante a exploração. Isto porque grande parte do lore, diria mesmo cerca de uns 90%, é transmitido através da fauna, flora e dos elementos que nos rodeiam, tudo acessível através do scanner da nossa protagonista que é capaz de analisar praticamente tudo o que vemos. Pensem que a narrativa funciona como um grande quebra-cabeças, deixando ao jogador a responsabilidade de desvendar o que está a acontecer, algo que, apesar de sutil, acaba por ser bastante interessante.

Um dos aspectos que me pareceu menos aproveitado foi a presença das personagens, especialmente o antagonista Sylux, que surge muito poucas vezes. Falando nisso, desta vez Samus é acompanhada por um grupo da Federação Galáctica que sofreu o mesmo destino durante a explosão do artefato. A maioria tem uma presença animadora, no entanto pouco desenvolvida, o que é uma uma pena, havia aqui margem para dar profundidade ao enredo e torná-lo ainda mais envolvente através das interacções entre as personagens. Myles Mackenzie é talvez a personagem mais envolvente do grupo, demonstra carisma e humor, mas continua a ter um papel reduzido, limitando-se a ajudar-nos por rádio e a melhorar o nosso armamento.

Vi-o-la

Como já é normal, Metroid Prime 4: Beyond preserva o espírito de aventura em primeira pessoa que a série estabeleceu em 2002. A base mantém-se sólida, assente na habitual exploração de ambientes labirínticos, embora a componente metroidvania esteja aqui menos presente do que seria de esperar. Consultar o mapa continua a ser necessário, mas a progressão baseada nas habilidades que desbloqueamos já não tem o mesmo protagonismo dos capítulos anteriores.

A razão para esta mudança reside numa decisão de design um pouco diferente do que temos assistido em Metroid. Em vez do habitual mundo compacto e interligado, a Retro Studios optou por avançar numa nova direcção e criar uma estrutura fragmentada. Existem várias zonas situadas nos limites do grande deserto de Viewros e Samus desloca-se entre elas num veículo chamado Vi-o-la, uma mota futurista que surge nas primeiras horas da jornada.

Ainda assim, o percurso é maioritariamente linear e não oferece a liberdade que eu antecipava. A sensação de livre-arbítrio é interessante, sobretudo graças ao uso da Vi-o-la, mas não fiquei convencido de que esta abordagem fosse a melhor para o jogo.

O dito “mundo aberto” não é propriamente vasto, os santuários que encontramos estão bem conseguidos mas são poucos e focam-se sobretudo em melhorar as habilidades e a mota da caçadora. A recolha de cristais no deserto, usada para ativar melhorias no acampamento, acaba por ser uma das decisões mais controversas, até porque a tarefa em si é pouco estimulante.

É evidente que a Retro Studios procura reinventar Metroid Prime, criando um espaço “amplo” que funciona como ponte entre as zonas principais. A ideia poderia ter sido interessante se fosse mais refinada. O deserto oferece poucos motivos para ser explorado, para além de algumas melhorias e missões secundárias que se contam pelos dedos das mãos.

A estrutura das masmorras é parecida ao que vimos nos jogos anteriores

Metroid Prime 4: Beyond ganha outro encanto sempre que regressa às suas raízes, é aí que revela as suas maiores qualidades. Assim que acedemos às diferentes regiões e deixamos para trás o deserto, torna-se claro que a produtora continua empenhada em preservar aquilo que faz de Metroid uma das melhores séries de ação e aventura.

Cada região apresenta uma temática distinta, fogo, gelo, eletricidade e, naturalmente, permite-nos obter habilidades associadas a esses elementos. O backtracking, esta mecânica típica dos metroidvanias que nos incentiva a regressar a zonas já visitadas para abrir portas ou aceder a caminhos bloqueados, continua presente. Mesmo que não haja tantos segredos para descobrir, quem receava a sua ausência pode respirar fundo, voltar a determinadas áreas para desbloquear habilidades, aumentar o número de munições ou descobrir tanques de energia continua a ser fundamental.

Em 2019, a Nintendo afirmou que o projeto não estava a atingir o nível de qualidade desejado passando o leme para a Retro Studios.

Há, no entanto, um problema a apontar. Regressar a estas áreas pode tornar-se mais aborrecido do que nos títulos anteriores da série. Com um design menos compacto e a necessidade de atravessar o deserto de mota entre regiões, o backtracking perde parte do seu encanto. Existem algumas soluções, atalhos e elevadores dentro das próprias masmorras, que ajudam a agilizar o processo mas entre regiões não há mecanismos que tornem a travessia mais fluida ou agradável.

Os puzzles ambientais não são numerosos, mas destacam-se pela clareza e engenho das suas propostas. Este Metroid Prime continua a entregar momentos memoráveis aos quais a série já nos habituou, especialmente nos combates contra os bosses. A maioria é criativa, com várias fases, mudanças de padrões e até combinações com pequenos quebra-cabeças que tornam cada confronto mais desafiante.

Os novos poderes psíquicos de Samus

Para além do arsenal habitual, disparos rápidos, carregados e mísseis, uma novidade entusiasmante é a introdução dos poderes psíquicos de Samus, que têm usos engenhosos e acrescentam profundidade à jogabilidade. Permitem manipular objectos à distância, arrancar fechaduras ou activar interruptores escondidos. A Morph Ball também recebe destaque, com as clássicas salas acessíveis apenas através de bombas e algumas secções em 2D que testam a nossa destreza.

Outras habilidades importantes incluem as psicobotas, que revelam plataformas invisíveis e permitem duplo salto e o gancho de energia, usado para chegar a zonas anteriormente inalcançáveis.

Quando Samus navega por estas regiões sozinha, a sensação de isolamento e perigo é exatamente a mesma que sentimos nos primeiros Metroids. É esta sensação de solidão, vulnerabilidade e desafio num ambiente hostil que define a série, e Metroid Prime 4: Beyond continua a entregar momentos atmosféricos realmente inesquecíveis.

Quanto ao combate, é precisamente aquilo que esperava de um Metroid Prime. O sistema de tiro funciona perfeitamente, oferecendo liberdade total para movimentar a mira, combinado a um sistema de lock-on cuja utilização se torna fulcral ao longo da aventura. Os inimigos são suficientemente variados e apresentam diferentes padrões de ataque. Alguns conseguem bloquear ou desviar os disparos de Samus, adicionando profundidade às batalhas.

No meu caso, jogar com os Joy-Con ligados ao suporte (modo comando) revelou-se a melhor opção, oferecendo um bom equilíbrio entre conforto e precisão. Também é possível recorrer aos controlos por movimento, tirando partido da tecnologia giroscópica que os comandos disponibilizam.

Tal como noutros títulos recentes da Nintendo, o modo rato também pode ser usado. É relevante que a Retro Studios tenha incluído esta forma de controlo, oferecendo uma experiência curiosa e mais próxima de um shooter jogado no PC. Contudo, na prática, a experiência não me conquistou, muito por culpa da sua ergonomia, tornando-se desconfortável ao fim de algum tempo. Além disso, exige uma superfície estável e à altura correcta, idealmente com uma base para facilitar o deslizamento do Joy-Con.

Ainda assim, um dos pontos fortes de Metroid Prime 4: Beyond é precisamente a quantidade de opções de personalização dos controlos. É possível alternar entre o stick direito e o modo rato em tempo real, ajustar a sensibilidade dos sticks e do rato, e activar a detecção de movimento para várias acções. Esta flexibilidade melhora a acessibilidade e permite aos jogadores adaptar a experiência ao seu próprio estilo e preferências.

Entrada da Lagoa Lávica

O primeiro impacto que um jogo nos transmite vem sempre da sua componente visual e na Nintendo Switch 2 temos dois modos disponíveis, tanto em TV como em portátil. Na dock, o modo Qualidade oferece resolução 4K a 60 fotogramas por segundo, enquanto o modo Desempenho reduz a resolução para 1080p mas permite atingir uns impressionantes 120 fps. Em modo portátil, o modo Qualidade corre a 1080p e 60 fps, enquanto o modo Desempenho apresenta 720p a 120 fps.

Em ambos os casos, o jogo se comporta de forma exemplar. Não identifiquei quebras de fluidez, nem durante a exploração de cenários, nem nos grandes confrontos. Ainda assim, o meu modo preferido, aquele em que joguei grande parte da aventura, foi o modo Qualidade ligado à TV, que revela todo o esplendor gráfico e artístico que Metroid Prime 4 tem para oferecer.

Do ponto de vista artístico, a Retro Studios torna a surpreender. As regiões fora do deserto proporcionam alguns dos momentos visuais mais impressionantes do jogo. As áreas naturais são lindíssimas, com uma direcção artística meticulosa que preserva o espírito atmosférico que define a série Metroid Prime.

Pessoalmente, a banda sonora é, para mim, o elemento mais impactante do jogo, composta por melodias etéreas incríveis que aprofundam a natureza sci-fi e experimental presente ao longo da aventura.

O voice acting das personagens com diálogo, e sim, Samus Aran mantém-se uma protagonista silenciosa, está bem conseguido. Isto reforça ainda mais a sensação de que o estúdio poderia ter desenvolvido melhor algumas das personagens secundárias. Por fim, uma boa notícia, o jogo inclui legendas em português do Brasil, um detalhe que esperamos continuar ver em futuros exclusivos da Nintendo.

Metroid Prime 4: Beyond é um retorno ambicioso a uma das séries mais emblemáticas da Nintendo. Tirando algumas decisões de design discutíveis, especialmente no que toca à estrutura fragmentada e ao backtracking menos acessível, o jogo revela-se fantástico sempre que se concentra nas suas raízes. Em suma, é uma experiência envolvente que volta a surpreender tecnicamente, capaz de agradar a todos os jogadores, mesmo que nem todas as mudanças atinjam o mesmo nível de excelência a que o legado da série nos habituou.

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