
Hollywood sempre tratou a pirataria como inimigo número um, responsável por milhares de milhões em perdas anuais. Mas uma nova investigação académica vem desafiar esta narrativa com uma conclusão surpreendente, para certos tipos de filmes, a pirataria pode na verdade impulsionar as vendas de bilhetes de cinema.
O estudo, publicado na Research Policy por investigadores da Monash University na Austrália e da San Jose State University nos Estados Unidos, analisou dados de bilheteiras americanas entre 2004 e 2020, cruzando-os com informação sobre o momento em que cópias piratas de alta qualidade apareciam online, especificamente no The Pirate Bay.
Klaus Ackermann, da Monash University, e Wendy Bradley, professora assistente de gestão na San Jose State University, são os principais autores da investigação intitulada “Avengers assemble! When digital piracy increases box office demand“. O terceiro autor é Jack Cameron, da Bain & Company.
A investigação divide os filmes em duas categorias fundamentais: filmes de espetáculo e filmes de história. Os primeiros incluem blockbusters visuais impressionantes ou filmes de ação, onde a experiência cinematográfica acrescenta valor significativo através de efeitos visuais deslumbrantes e som imersivo. Os segundos, como dramas e comédias românticas, baseiam-se mais no diálogo, argumento e interpretação, qualidades que podem ser igualmente apreciadas num portátil ou televisão.
Os resultados são impressionantes. O estudo estima que lançamentos piratas de alta qualidade aumentam a receita semanal de bilheteira em aproximadamente 24,4% para filmes de espetáculo. Para filmes de história, o efeito inverte-se completamente, os lançamentos piratas levam a um declínio de 26,6% na receita semanal de bilheteira.
“A nossa investigação mostra que a pirataria digital não prejudica todos os filmes de forma igual”, explica Wendy Bradley. Segundo a professora, para filmes orientados ao espetáculo, a pirataria pode funcionar como um empurrão para ir à sala de cinema.
Bradley afirmou:
“Ver uma cópia pirata pode convencer as pessoas de que o verdadeiro valor do filme vem da experiência cinemática partilhada, não apenas da história, e encorajá-las a assistir nos cinemas. Em contraste, filmes orientados para a história são mais vulneráveis porque a pirataria é um melhor substituto para visitas ao cinema”.
Klaus Ackermann corrobora esta visão, notando que alguns filmes são simplesmente mais adequados para a experiência cinematográfica moderna: “Uma comédia romântica ou chick flick como 27 Dresses oferece uma experiência cinematográfica limitada por si só, enquanto os filmes da Marvel são uma história diferente”. Acrescentando que as salas de cinema já começaram a responder a isto oferecendo mais experiências e eventos especiais.
Um aspeto crucial do estudo é que os efeitos positivos nas receitas de bilheteira são exclusivos de leaks piratas de alta qualidade, que incluem rips BluRay ou HD. Os investigadores descobriram que versões de baixa qualidade, incluindo gravações CAM feitas dentro das salas, prejudicam consistentemente as receitas de bilheteira em todos os géneros. O impacto é também substancial aqui, os lançamentos piratas de baixa qualidade estavam tipicamente ligados a uma queda de 24% nas receitas de bilheteira.
A metodologia do estudo é particularmente robusta. Ao usar o timing quase-aleatório do aparecimento de cópias piratas de alta qualidade, combinado com uma abordagem de variáveis instrumentais, os investigadores conseguiram inferir um efeito causal da pirataria nas receitas de bilheteira, dependendo do tipo de filme. Este desenho de investigação quasi-experimental tentou simular causalidade, embora os autores reconheçam que investigação futura será necessária para replicar e potencialmente expandir estes resultados.
A investigação surgiu antes da pandemia de COVID-19, mas o período de confinamento tornou a mensagem ainda mais clara. Com as salas de cinema fechadas, esse período destacou como o modo de consumo de conteúdo, onde e como, realmente importa.
A professora introduz o conceito de spectacleness para descrever este fenómeno. É uma combinação de qualidades tangíveis e intangíveis que tornam um filme mais desejável para assistir numa sala de cinema. Na investigação um crítico de cinema admitiu ter piratado The Expendables, um dos filmes mais pirateados com cerca de 190.000 cópias pré-lançamento. Ainda assim, viu-o num cinema “porque não há nada como a experiência em sala”. Esta anedota apoiou a ideia dos autores sobre spectacleness, que uma sala de cinema ou outro local ao vivo pode proporcionar.
Para a indústria cinematográfica, a investogação sugere mais uma vez que o foco em acrescentar valor é fundamental para competir com a pirataria. Isto está alinhado com investigação recente que mostrou que investimentos na experiência cinematográfica podem ajudar a dissuadir a pirataria.
Bradley sublinha que a investigação indica que a pirataria não tem de ser enfrentada sempre com mais fiscalização. Em vez disso, os estúdios podem querer focar-se em oferecer uma melhor experiência de cinema. Então, os lançamentos piratas de alta qualidade servem como promoção.
Bradley comentou:
“Em vez de combatê-la predominantemente através de meios legais, seja através de lobby para políticas antipirataria ou litígios caros de propriedade intelectual, os estúdios podem estrategicamente desenhar, definir preços e lançar filmes de modo que o valor teatral se torne mais difícil de replicar em casa”.
O estudo também levanta questões para investigação futura, incluindo o efeito da pirataria em serviços de streaming legais como a Netflix, ou outras formas de entretenimento como videojogos. Numa era em que a forma como consumimos conteúdo está em constante evolução, esta investigação oferece uma perspetiva sobre um problema que Hollywood tem tratado de forma demasiado simplista durante décadas.
A mensagem não é, obviamente, que a pirataria deve ser encorajada. Bradley e os seus coautores são claros: “Não estamos a justificar a pirataria, mas há lições a aprender”. E essas lições podem ser mais complexas do que a indústria cinematográfica alguma vez quis admitir.








