Desde o seu lançamento em 2018, Octopath Traveler afirmou-se como uma das grandes referências dos JRPG modernos, sobressaindo-se pela forma astuta como recuperou a estética clássica dos 16 bits e a reinventou através do agora icónico estilo HD-2D. A proposta da Square Enix não brilhou apenas pelo visual distinto, mas também por um sistema de combate profundamente estratégico e por uma estrutura narrativa assente em múltiplos protagonistas, cada um com a sua própria jornada. Com Octopath Traveler II e o spin-off Champions of the Continent, a série foi consolidando a sua identidade e expandindo o seu mundo de forma consistente.
Octopath Traveler 0 surge como uma prequela que procura explorar o seu universo ao mesmo tempo que introduz mudanças relevantes na forma como a história se apresenta. Apesar de ser concebido a partir da base de Champions of the Continent, lançado originalmente para os dispositivos móveis, o jogo revela uma ambição pouco habitual neste tipo de projectos, apostando numa campanha cativante e massiva, em sistemas de progressão mais flexíveis e numa maior liberdade de abordagem por parte do jogador, posicionando-se como uma entrada relevante dentro da franquia e não somente como um complemento secundário.

Octopath Traveler 0 adopta uma abordagem narrativa diferente daquela a que a série tem apresentado ultimamente. A equipa liderada por Yasuhiro Kidera optou por abandonar a estrutura assente num número fixo de protagonistas, escolhendo antes um modelo mais tradicional, centrado num herói principal.
Esta decisão está diretamente ligada a uma das grandes novidades do jogo: a reconstrução de Wishvale, a aldeia natal do protagonista, que podemos criar e personalizar de forma limitada logo no início da aventura.
Desde o prólogo, a premissa narrativa fica bem definida, apresentando-nos Pardis III, um vilão de contornos clássicos que ameaça a civilização e cuja perseguição nos leva a percorrer o Continente de Orsterra. É de salientar o cuidado dedicado não só à construção do antagonista principal mas também dos seus fiéis nobres, Herminia, Auguste e Tytos. Octopath Traveler 0 é sem dúvida o mais sombrio e dramático da série, explorando de forma mais complexa as motivações de cada vilão e dos protagonistas principais ao longo dos três grandes arcos narrativos. Os temas abordados são frequentemente associados a actos violentos, sexuais e outros igualmente inesperados, algo que não antecipava, mas apreciei pela naturalidade e maturidade com que são tratados. Também somos agraciados por momentos de felicidade e conquistas, especialmente durante o renascimento de Wishvale.
O tema principal de Octopath Traveler 0 assenta na ideia de viver uma aventura moldada pelas nossas próprias escolhas.
Entre diálogos com personagens secundárias e um elevado número de sequências narrativas, passamos uma parte considerável do tempo a ler e a assistir a cenas que, felizmente, conseguem manter o interesse do início ao fim. Um dos pontos interessantes surge logo no início, com a possibilidade de escolher entre três caminhos: o do Poder, da Riqueza ou da Fama. Embora todos conduzam aos mesmos eventos, fazem-no por ordens diferentes e a partir de perspectivas distintas.

Voltando à reconstrução da aldeia, este sistema revela-se bastante intuitivo e fácil de compreender. Este elemento serve de base a um sistema de gestão simples, mas eficaz, assente na construção de edifícios que desbloqueiam novas funcionalidades e expandem gradualmente o potencial do grupo que vamos reunindo. No seu todo, funciona muito bem em conjunto com a narrativa, transmitindo a sensação de que somos nós a moldar a cidade à nossa imagem, ao mesmo tempo que nos permite conhecer melhor os nossos companheiros. Ainda assim, sente-se alguma falta de liberdade criativa, já que as opções disponíveis são relativamente limitadas.
Essa mesma liberdade é ampliada com o regresso das Path Actions. Consoante as decisões que tomamos, podemos obter informações, desbloquear recompensas ou adquirir itens de forma mais directa, sendo por vezes necessário enfrentar personagens secundárias em combate para garantir prémios mais valiosos.
Para quem pretende explorar tudo o que o jogo tem para oferecer, é fácil ultrapassar as 100 horas de jogo, tornando este no título mais extenso da série. À primeira vista, pode parecer excessivo para os padrões atuais, mas a verdade é que o estúdio conseguiu expandir e refinar as bases lançadas em Champions of the Continent sem comprometer o ritmo. Pelo contrário, muitas das tarefas e missões secundárias estão ao nível de excelência do enredo principal.

Quem jogou aos jogos anteriores sentir-se-á imediatamente familiarizado com a metodologia de combate. Octopath Traveler 0 mantém dois dos pilares fundamentais da série: o sistema Break & Boost e os Boost Points. Ambos continuam a incentivar uma abordagem estratégica, obrigando-nos a identificar as fraquezas dos inimigos em vez de atacar de forma aleatória. Primeiro quebramos a sua defesa, para depois desferir ataques poderosos potenciados pelos Boost Points.
A grande novidade surge com a possibilidade de recrutar mais de trinta personagens, sendo que agora podemos ter até oito combatentes em campo. Esta mudança transforma por completo a dinâmica das batalhas. A equipa passa a estar organizada em duas linhas: a vanguarda, focada no ataque directo, e a retaguarda, dedicada ao suporte, cura e alterações de estado. Esta estrutura acrescenta uma nova camada táctica, tornando os confrontos e a gestão do grupo mais profundos e interessantes.
Existem ainda dois novos conceitos: as Action Skills, habilidades específicas de cada personagem e as Ultimate Techniques, pensadas para momentos de maior aperto. A diversidade do grupo torna-se essencial para ultrapassar os desafios mais exigentes, sendo necessária uma análise cuidadosa das classes disponíveis. Embora as personagens secundárias não possam mudar de especialidade, é possível tirar bom partido das suas características, oferecendo uma margem interessante de personalização. Com oito classes disponíveis e algumas personagens especiais que combinam mais do que uma, o sistema revela-se sólido, variado e bastante recompensador, sendo a rotação estratégica dos membros um dos seus maiores pontos fortes.
Ainda assim, esta complexidade nem sempre joga a favor do jogador. O elevado número de personagens em combate pode tornar alguns confrontos mais caóticos, havendo momentos em que a acção no ecrã se torna excessivamente confusa.
Independentemente deste pequeno senão, o combate continua a ser um dos grandes trunfos de Octopath Traveler. Cada batalha representa um desafio e remete-nos constantemente para a nostalgia dos grandes clássicos do género. A variedade de inimigos é considerável, com especial destaque para os chefes opcionais, que exigem preparação, conhecimento profundo do sistema e uma gestão minuciosa da equipa.

O charme de Octopath Traveler 0 estende-se também ao seu departamento visual, continuando claramente inspirado nos tempos áureos dos JRPG das eras dos 16bits. Os cenários são incríveis, tendo presente florestas densas, rios cristalinos, montanhas, cidades pitorescas e regiões geladas, cada uma com a sua própria atmosfera e identidade. Muitos ambientes ganham vida através de pequenos pormenores, como os reflexos na água, a luz a atravessar as árvores ou o movimento subtil da vegetação.
A adição do sistema de Town Building foi considerada “absolutamente necessária” pelos desenvolvedores, como forma de reforçar a ligação emocional do jogador com o mundo que está a recriar.
Ainda que se note uma escolha de cores mais escura e por vezes, uma menor nitidez em comparação com os jogos anteriores, esta escolha parece intencional por parte da Square Enix e da DokiDoki Groove Works, reforçando o tom sombrio desta prequela. O desempenho técnico na PlayStation 5 é consistente, sobretudo durante os combates, onde os efeitos visuais das habilidades se destacam.
No campo sonoro, o jogo dá continuidade ao elevado nível a que a série nos habituou. Yasunori Nishiki volta a demonstrar o seu talento, expandindo o universo sonoro criado nos dois primeiros Octopath Traveler, com claras ligações ao original, o que faz todo o sentido, tendo em conta o regresso a Orsterra. Em suma, a banda sonora acompanha de forma elegante os diferentes momentos da narrativa e da exploração, elevando constantemente a experiência.
O voice acting revela maior impacto na versão japonesa, onde a carga emocional é mais evidente, embora o áudio em inglês também cumpra o seu papel. A ausência de legendas em português continua a ser uma lacuna, tornando o jogo menos acessível para quem não domina a língua inglesa.

Enquanto fã assíduo de JRPGs, fiquei genuinamente surpreendido com o que Octopath Traveler 0 tem para oferecer. O jogo aprofunda o universo de Orsterra de forma única e consistente, introduzindo mudanças que renovam a experiência clássica da série. A narrativa é, para mim, o seu elemento mais marcante: bem escrita, rica em nuances e capaz de abordar temas fortes que carregam grande carga emocional. O combate mantém-se intenso e estratégico e a reconstrução de Wishvale surge como uma adição bem conseguida.
Esta prequela oferece uma experiência envolvente, ambiciosa e ainda mais massiva, superando as expectativas deixadas pelos títulos anteriores. Certamente conquistará os fãs de longa data, ao mesmo tempo que funciona como uma excelente porta de entrada para novos jogadores, garantindo muitas horas de exploração, combate e descoberta.












