
A Apple chegou a um acordo histórico com o regulador antimonopólio brasileiro que obriga a empresa a abrir o seu ecossistema iOS a lojas de aplicações alternativas e sistemas de pagamento de terceiros. O Conselho Administrativo de Defesa Económica (CADE) do Brasil aprovou o acordo no dia 23 de dezembro de 2025, encerrando uma investigação de três anos sobre alegadas práticas anticompetitivas relacionadas com a App Store.
O acordo, conhecido como Termo de Compromisso de Cessação, resolve um processo que começou em 2022 quando o MercadoLibre, a principal plataforma de comércio eletrónico da América Latina, apresentou uma queixa acusando a Apple de abusar da sua posição dominante na distribuição de aplicações iOS. A empresa uruguaia argumentou que as políticas da Apple, que restringem aplicações à App Store oficial e impõem o uso do sistema de compras integradas, limitavam a concorrência e impunham comissões elevadas aos programadores.
Segundo os termos do acordo, a Apple é obrigada a permitir que os programadores no Brasil promovam ofertas alternativas e direcionem utilizadores para completar transações fora das suas aplicações. A gigante tecnológica terá também de desassociar o seu serviço de processamento de pagamentos da distribuição de aplicações, permitindo que os programadores apresentem métodos de pagamento alternativos lado a lado com o sistema de compras integradas da Apple.
Mas o acordo vai mais longe. A Apple deve permitir a instalação de lojas de aplicações de terceiros no iPhone. Para garantir uma experiência justa ao utilizador, o CADE especificou que quaisquer ecrãs de aviso apresentados pela Apple relativamente a estas novas opções devem ser neutros, objetivos e limitados no âmbito, sem introduzir passos extra ou barreiras que tornem as opções alternativas mais difíceis de usar.
A estrutura de comissões estabelecida também traz novidades. As compras feitas através da App Store continuarão sujeitas a uma comissão de 10% ou 25% segundo os termos padrão. Os programadores que usam o sistema de pagamento da Apple pagarão também uma taxa de transação de 5%.
No entanto, se uma aplicação direcionar utilizadores para pagar fora da aplicação usando apenas texto estático, sem ligação clicável ou botão, a Apple não cobrará taxa alguma. Se a aplicação incluir um botão clicável ou ligação que envie utilizadores para um website externo para pagamento, a Apple cobrará uma taxa de 15%.
Existe ainda uma “Taxa de Tecnologia Principal” de 5% que será cobrada sobre todas as descargas de aplicações de lojas de terceiros. Esta nova estrutura tem semelhanças com as mudanças de políticas e taxas feitas depois da União Europeia ter aprovado a Lei dos Mercados Digitais, com a Apple a permitir lojas de aplicações de terceiros e compras externas sujeitas a taxas variáveis.
A Apple tem até 105 dias para implementar as mudanças exigidas uma vez que as novas regras se tornem vinculativas. O acordo terá a duração de três anos após os novos termos se tornarem obrigatórios para os programadores, com potenciais extensões ou revisões se os objetivos pró-competitivos não forem alcançados. O não cumprimento pode resultar em multas até 150 milhões de reais (aproximadamente 23 milhões de euros), e a investigação pode ser reaberta.

A Apple comprometeu-se também a retirar litígios relacionados que contestavam medidas preventivas anteriores impostas pelo CADE. Numa declaração ao 9to5Mac, a empresa enfatizou o seu compromisso com a conformidade, mas expressou preocupações: “Para cumprir com as exigências regulatórias do CADE, a Apple está a fazer mudanças que terão impacto nas aplicações iOS no Brasil. Embora estas mudanças abram novos riscos de privacidade e segurança para os utilizadores, trabalhámos para manter proteções contra algumas ameaças, incluindo salvaguardas importantes para utilizadores mais jovens”.
Este desenvolvimento coloca o Brasil ao lado da União Europeia, Japão e Coreia do Sul como regiões onde a Apple foi compelida a permitir mercados de aplicações alternativos e opções de pagamento devido a pressão regulatória. Reflete uma tendência global crescente de escrutínio sobre o controlo que as grandes plataformas tecnológicas exercem sobre mercados digitais.
As mudanças deverão beneficiar os programadores ao reduzir custos de transação e fomentar inovação, ao mesmo tempo que dão aos utilizadores brasileiros de iPhone maior escolha na instalação de aplicações e pagamentos. No entanto, especialistas alertam que o sideloading e lojas de terceiros podem introduzir riscos como malware se não forem devidamente geridos.
A decisão do CADE não é apenas importante localmente, é também influente internacionalmente, porque o seu raciocínio e soluções podem inspirar uma aplicação semelhante noutros lugares. Mercados em desenvolvimento que procuram afirmar soberania digital têm agora um modelo comprovado para desafiar o domínio das Big Tech que aborda tanto o controlo direto da plataforma como os mecanismos mais subtis de bloqueio do ecossistema.
As implicações financeiras para a Apple são substanciais e crescentes. Em 2024, a empresa gerou cerca de 27 mil milhões de dólares em receitas de compras e subscrições de aplicações. O tamanho do mercado brasileiro e o potencial para acordos semelhantes noutros lugares ameaçam um fluxo de receitas que se tornou central para o modelo de negócio da Apple.
O momentum regulatório global está a acelerar para além da aplicação tradicional. A Comissão Europeia está a investigar se os novos termos da Apple violam a Lei dos Mercados Digitais, enquanto em outubro de 2025, o tribunal de concorrência do Reino Unido decidiu num caso de ação coletiva que a Apple cobrou preços excessivos aos consumidores com taxas na App Store e para compras integradas.
A pressão sobre a Apple intensificou-se ainda mais com uma batalha judicial nos Estados Unidos com a Epic Games, criadora do Fortnite, sobre comissões em compras que ocorrem em plataformas de pagamento de terceiros. Em abril de 2025, uma juíza federal considerou a Apple em desrespeito civil por não cumprir adequadamente com uma injunção do tribunal, acusando a empresa de “violação intencional” e de criar barreiras anticompetitivas. A decisão proibiu a Apple de cobrar comissões sobre métodos de pagamento externos nos Estados Unidos.
A União Europeia também não tem ficado parada. Em abril de 2025, a Comissão Europeia multou a Apple em 500 milhões de euros por violação da Lei dos Mercados Digitais relacionada com práticas anti-direcionamento. A Apple está a recorrer da multa.
Enquanto a implementação brasileira avança, resta saber se a Apple conseguirá equilibrar as exigências regulatórias com os seus interesses comerciais. A empresa já demonstrou na Europa que pode adaptar o seu modelo, mas os críticos argumentam que as suas concessões são mínimas, desenhadas para apaziguar reguladores sem verdadeiramente abrir o mercado.









