
Um pequeno erro de animação no episódio 1149 de One Piece desencadeou uma onda de controvérsia que acabou com um pedido de desculpas público do animador Tatsuya Miki. O caso levanta questões sobre até onde vai a pressão sobre os profissionais da indústria e como as redes sociais amplificam qualquer imperfeição.
Durante uma cena de ação envolvendo Saint Ethanbaron V. Nusjuro, há um frame onde a personagem aparece com seis dedos numa mão. É literalmente um instante, imperceptível para a maioria dos espectadores, mas alguns fãs com olhos de lince repararam.
O utilizador do Twitter @NuttyReturns partilhou o momento, fazendo uma piada sobre o frame ter sido gerado por inteligência artificial. O post tornou-se viral rapidamente, acumulando milhares de gostos e comentários. O que começou como uma brincadeira transformou-se numa situação desconfortável quando ganhou dimensão.
A resposta do animador
Tatsuya Miki não demorou a reagir. Na sua conta oficial no X, publicou um pedido de desculpas sincero: “Percebi depois de alguém do estrangeiro ter apontado, mas enganei-me no número de dedos no desenho e agora estou todo arrependido. Por que não reparei nisso? Até passou por todas as verificações, por isso peço mesmo desculpa”.
Mas Miki não se ficou por aí. Sentiu necessidade de esclarecer algo que claramente o incomodou: “Vi algo sobre IA, mas eu sou totalmente analógico”. A declaração ressalta o quanto a acusação implícita de ter usado inteligência artificial o afetou, especialmente num momento em que os animadores enfrentam cada vez mais pressão para justificar o seu trabalho manual.
One Piece não é estranho a polémicas. Ao longo dos anos, o anime tem sido criticado por diversos motivos, ritmo narrativo considerado lento, alterações em relação ao mangá, forma como certas personagens são retratadas, escolhas de paleta de cor que alguns consideram problemáticas. A lista é longa e os fãs raramente ficam todos satisfeitos.
Nos últimos tempos, tornou-se quase uma piada recorrente nas redes sociais acusar ilustrações oficiais de serem geradas por IA sempre que algo não agrada. É uma forma de crítica que se tornou viral, uma espécie de meme que serve para expressar descontentamento. O problema é que, por detrás dessas publicações que muitos veem como brincadeiras inofensivas, há pessoas reais que dedicam horas incontáveis ao seu trabalho.
A animação tradicional é um processo minucioso. Cada frame é desenhado à mão, revisto, ajustado. É trabalho que exige concentração extrema e, mesmo assim, erros humanos acontecem. Um dedo extra num frame que dura frações de segundo não deveria ser motivo para questionar a integridade de todo um trabalho.
A reação da comunidade
Depois de Miki ter partilhado o seu pedido de desculpas, a maré virou completamente. A comunidade rapidamente se mobilizou em apoio ao animador, condenando o tipo de publicações que, mesmo em tom de brincadeira, desrespeitam o esforço de profissionais que já trabalham sob condições difíceis.
Muitos fãs expressaram frustração com a cultura de “caça ao erro” que se instalou nas redes sociais. Cada episódio é dissecado ao pormenor, não para apreciar o trabalho envolvido, mas para encontrar falhas que possam ser transformadas em conteúdo viral. É um ambiente hostil que coloca pressão adicional sobre animadores que já lidam com prazos apertados e cargas de trabalho pesadas.
Uma despedida amarga
Num desenvolvimento inesperado, Miki partilhou uma notícia que entristeceu muitos: “Isto é ainda mais dececionante porque estou a deixar One Piece para trabalhar noutra coisa. Tenho de trabalhar noutra coisa. Provavelmente vão passar alguns anos até voltar a trabalhar em One Piece”.
O timing não poderia ser pior. Sair da produção de uma série após um episódio que gerou polémica, mesmo que injustamente, deixa um sabor amargo. Miki prometeu regressar no futuro, mas reconheceu que tem a agenda cheia com outros projetos que requerem a sua atenção.
Tatsuya Miki não é novato na indústria. O seu nome aparece nos créditos de algumas das séries anime mais populares dos últimos anos: Jujutsu Kaisen, My Hero Academia, One-Punch Man, entre outras. Embora não tenha trabalhado extensivamente em One Piece, o episódio 1149 demonstra claramente o seu talento, especialmente nas sequências de ação envolvendo Nusjuro.
A sua saída temporária do staff de One Piece representa uma perda, mas também reflecte a realidade da indústria de anime, onde os animadores de talento são constantemente procurados para múltiplos projetos simultaneamente.
O debate sobre IA na animação
Esta situação toca num nervo sensível da indústria criativa atual. Com o avanço da inteligência artificial e ferramentas capazes de gerar imagens, existe um medo legítimo entre artistas de que o seu trabalho seja desvalorizado ou substituído. Quando alguém, mesmo em tom de piada, sugere que um trabalho foi feito por IA, não está apenas a apontar um erro, está a questionar a autenticidade e o valor do esforço humano envolvido.
Para animadores como Miki, que se orgulha de trabalhar de forma “totalmente analógica”, ser associado a IA representa mais do que um insulto casual. É uma negação do tempo, dedicação e arte que colocam em cada frame desenhado à mão.









