
A indústria anime enfrenta um momento crítico. Segundo um relatório extenso publicado pela Mantan Web, enquanto a popularidade do meio explode globalmente, os estúdios japoneses confrontam-se com uma tempestade perfeita: censura cada vez mais restritiva no seu mercado mais lucrativo e custos de produção descontrolados.
O mercado chinês, vital para os lucros internacionais, impôs novas regras que rejeitam histórias sobre derrubar o governo e romances de escola secundária. Uma fonte citada pelo Mantan Web afirmou: “histórias sobre o derrube do governo e obras que retratam romances entre adolescentes já não são permitidas”. Esta decisão coloca em risco séries de ação política como Code Geass e One Piece, bem como toda a categoria de comédias românticas escolares que dominam as publicações semanais.
Os estúdios enfrentam um dilema complicado. Como devem enviar o conteúdo meses antes para revisão pelas autoridades chinesas, são obrigados a modificar guiões completos ou arriscar perder milhões em receitas. Para muitos criadores, a questão passou a ser simples: vale a pena criar algo que nunca poderá entrar no mercado chinês?
A proibição tem implicações vastas. Séries icónicas como Fullmetal Alchemist, Attack on Titan e Mobile Suit Gundam incluem elementos de rebelião contra governos opressores. Mesmo One Piece, extremamente popular na China, aborda temas de luta contra autoridades autoritárias. Não está claro como estas novas restrições afetarão títulos já em exibição no país, mas o potencial de banimento permanece.
A censura chinesa não é novidade, mas tem-se intensificado. Em 2015, o Ministério da Cultura baniu 38 títulos de anime e mangá, incluindo séries de grande sucesso como Attack on Titan e Death Note, alegando má influência sobre os jovens. Títulos como Elfen Lied, Tokyo Ghoul, Deadman Wonderland continuam proibidos. Até detalhes visuais menores, como a representação de sangue, são regulados.
Um caso recente ilustra o alcance da censura. A plataforma Bilibili editou o anime Dandadan, removendo cenas de decote da personagem Seiko Ayase e substituindo o seu cigarro por um chupa-chupa. As edições tornaram-se virais nas redes sociais, gerando troça internacional sobre os métodos de censura chineses.
A questão financeira torna tudo mais urgente. Produzir anime tornou-se extraordinariamente caro. Enquanto um programa de variedades no Japão custa menos de 10 milhões de ienes por episódio, um único episódio de anime de 30 minutos oscila entre 20 e 50 milhões de ienes, aproximadamente 145 mil a 362 mil euros. Para produções de qualidade cinematográfica, o custo pode disparar até 80 milhões de ienes por episódio.
A escassez de mão de obra qualificada agrava o problema. Os animadores veteranos estão sobrecarregados, e os tempos de produção estendem-se entre dois a três anos. Isto dificulta a recuperação rápida do investimento, especialmente quando um mercado crucial como a China se torna imprevisível.
As plataformas de streaming ocidentais tentaram compensar a instabilidade chinesa, mas os resultados foram mistos. Embora a Netflix e a Crunchyroll proporcionem orçamentos generosos para produções exclusivas, alguns sucessos nestas plataformas não conseguem o impacto cultural massivo que se alcança através da televisão tradicional japonesa.
É precisamente por isto que as cadeias de televisão japonesas estão a repensar a sua estratégia. A TV Asahi e a Fuji TV voltaram a apostar no anime em horário nobre, procurando criar fenómenos nacionais comparáveis a Demon Slayer. A lógica é clara: séries que se tornam fenómenos na televisão tradicional geram vendas massivas de merchandising e licenças globais, compensando tanto a fraqueza do iene como as restrições do mercado chinês.
Em abril de 2025, ambas as cadeias adicionaram novos blocos de anime à sua programação. A Fuji TV moveu o seu prestigiado slot Noitamina para as sextas-feiras às 23h30, enquanto a TV Asahi lançou o bloco IM Animation W em julho. O objetivo é transformar o anime num veículo de receitas domésticas robusto, reduzindo a dependência de mercados externos voláteis.
A situação afeta também a criatividade. Segundo o Mantan Web, os criadores pensam duas vezes antes de iniciar certos tipos de anime. Se um programa inclui romance escolar, personagens rebeldes ou qualquer elemento controverso, pode ser rejeitado na China. Para um estúdio que investe milhões, esta incerteza é inaceitável.
O resultado pode ser um anime mais seguro e menos arriscado. Histórias emocionais, narrativas pessoais e críticas sociais ousadas podem tornar-se raras. Esta perda não afeta apenas os fãs chineses, mas espectadores em todo o mundo que valorizam a diversidade temática do meio.
Algumas vozes na indústria argumentam que a China acaba por aplicar as suas regras seletivamente. One Piece pode escapar ao banimento devido à sua popularidade e dimensão, enquanto títulos menores são eliminados. Esta imprevisibilidade torna o planeamento de longo prazo quase impossível.
A indústria enfrenta uma escolha difícil, seguir o dinheiro e autocensurar-se, ou assumir riscos criativos e aceitar a exclusão de um mercado massivo. Por agora, muitos optam pela segurança financeira, e essa escolha molda o anime que todos veem.









