Yoshiyuki Tomino, o criador da icónica série Mobile Suit Gundam, partilhou recentemente detalhes fascinantes sobre as origens da sua obra mais famosa numa entrevista à Kyodo News. As revelações surgem no contexto das comemorações dos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, período que marcou profundamente a infância do realizador.
Aos 83 anos, Tomino recordou como as suas próprias memórias dos bombardeamentos perto da sua cidade natal durante a Segunda Guerra Mundial influenciaram a criação do universo Gundam. O veterano criador admitiu que desenvolver uma causa para o conflito entre humanos se revelou uma experiência perturbadora.
“Enquanto trabalhava na produção anime, criei várias histórias de guerra de ficção científica. Frequentemente tornava os alienígenas o ‘inimigo’, mas quando decidi fazer dos próprios humanos o inimigo em Mobile Suit Gundam, apercebi-me de que para introduzir máquinas de combate pesadas na história, o único cenário plausível seria uma guerra entre nações com indústrias de armas militares desenvolvidas”, explicou o diretor.
A consciencialização de que tinha de inventar uma “causa” para a guerra deixou Tomino consternado. Ao contrário de obras anteriores como Space Runaway Ideon, onde alienígenas invasores forneciam uma justificação simples para o conflito, criar uma guerra entre humanos exigia uma abordagem mais complexa.
“Com humanos, um único ditador não pode iniciar uma guerra tão facilmente. Em Gundam, estruturei a história de modo a que as pessoas que tinham emigrado para colónias espaciais lançassem uma guerra de independência, motivadas pela humilhação de serem tratadas como marginalizadas pela Terra”, comentou Tomino.
O criador revelou que baseou deliberadamente esta premissa na Guerra Civil Americana, razão pela qual incorporou conscientemente o tema racial na narrativa. Esta escolha resultou numa história sobre jovens que pilotam armas humanoides chamadas Gundam para lutar contra pessoas que migraram para o espaço.
Tomino expressou também preocupação com o baixo nível de consciência sobre a guerra tanto no público geral como entre criadores, o que tem resultado numa representação mediática da guerra reduzida a filmes de ação. “Mesmo eu, que tinha apenas três anos durante a guerra, tenho agora 83 anos, e cada vez menos pessoas permanecem que realmente se lembram dela”, observou.
O veterano realizador critica a forma como muitos filmes de guerra são produzidos por cineastas sem qualquer experiência de conflito real. “A menos que os próprios realizadores tenham pelo menos alguma experiência de guerra, não podem verdadeiramente compreender o que ela é. Como resultado, tudo o que conseguem fazer é retratar cenas de batalha como se fossem jogos, e acabam com filmes de ação”.
Para além da falta de experiência, Tomino considera os media responsáveis por não transmitirem adequadamente “as vozes de soldados reais e políticos que ordenaram ataques suicidas, para que as pessoas pudessem aprender a verdadeira natureza da guerra”.
Atualmente, Tomino está a planear um novo projeto não anunciado que, significativamente, não apresentará qualquer “inimigo” no sentido tradicional. Esta decisão parece ser a sua resposta à forma como Gundam tem sido, na sua opinião, “consumido” mais através de kits de modelos de plástico e menos através de pensamento crítico nos últimos anos.
