
O que no Ocidente é considerado uma funcionalidade básica e conveniente tornou-se motivo de indignação no Japão. O d Anime Store, um dos maiores serviços de streaming de anime do país, anunciou no dia 27 de novembro uma nova funcionalidade, botões opcionais para saltar as sequências de abertura e encerramento dos anime.
A reação foi imediata e polarizada. O anúncio na conta oficial no twitter acumulou mais de 10 milhões de visualizações, mas obteve apenas cerca de 1.800 “gostos”. Esta proporção desastrosa entre visualizações e aprovação reflete a dimensão da controvérsia que se instalou nas redes sociais japonesas.
A plataforma NTT Docomo, operadora do d Anime Store, tinha implementado anteriormente uma função de saltar aberturas, mas esta estava limitada ao segundo episódio em diante durante reprodução contínua. A nova atualização expandiu significativamente esta capacidade, agora é possível saltar tanto aberturas e encerramentos em qualquer episódio, independentemente de estar em modo de reprodução contínua.
A fúria de muitos utilizadores japoneses manifestou-se através de comentários particularmente duros. Alguns classificaram quem usa esta função como “viciados em dopamina da Geração Z que não conseguem esperar 3 minutos”, enquanto outros compararam saltar estas sequências a não dizer “itadakimasu” antes de comer, uma saudação tradicional japonesa que demonstra respeito pela comida e por quem a preparou.
O argumento central dos críticos centra-se no respeito artístico. Para uma parte significativa dos fãs nipónicos, as sequências de abertura e encerramento não são meros intervalos dispensáveis, mas componentes integrais da obra onde aparecem os créditos detalhados dos criadores, animadores, músicos e toda a equipa de produção. Saltar estas sequências é visto como uma afronta direta ao trabalho árduo de centenas de profissionais.
No entanto, nem todos os utilizadores japoneses concordaram com a indignação generalizada. Uma fração mais pragmática argumentou que, sendo opcional, a funcionalidade não deveria ser problemática. “Estão realmente a queixar-se disto? Já viram o opening de One Piece 1000 vezes?”, comentou um utilizador, apontando para o lado prático da questão em séries longas com centenas de episódios.
O Yahoo News Japan destaca que a funcionalidade de skip em anime tem sido repetidamente controversa no Japão. A questão do “taipa” (abreviação de “time performance”, ou eficiência temporal) tornou-se um tema sensível, com críticos a argumentarem que a obsessão por poupar tempo leva os espectadores a perderem elementos importantes da narrativa.
A Amazon Prime Video enfrentou críticas semelhantes no passado devido à sua configuração padrão que automaticamente salta endings com uma contagem decrescente, uma funcionalidade que gerou resistência significativa entre os fãs de anime japoneses. A diferença crucial, como vários utilizadores apontaram, é que o d Anime Store permite desativar completamente a função através das definições do leitor, tornando-a verdadeiramente opcional.
Este aspeto não passou despercebido. Alguns comentadores elogiaram a abordagem do d Anime Store como “melhor que o Amazon Prime” precisamente porque não força os utilizadores a saltar conteúdo, ao contrário da abordagem mais agressiva da Amazon.
O contraste com plataformas ocidentais como Netflix ou Crunchyroll é gritante. Estas normalizaram a funcionalidade de skip há anos, implementando-a como uma característica standard que poucos questionam. No Ocidente, a capacidade de saltar aberturas e encerramentos é vista como uma questão de conveniência básica, especialmente para maratonas de séries.
Esta divergência revela algo mais profundo sobre as diferentes culturas de consumo de media. No Japão, onde o anime é uma forma de arte doméstica com décadas de tradição televisiva, existe uma reverência particular pelos aspectos formais e rituais da experiência de visualização. As sequências de abertura e encerramento são parte integrante da estrutura narrativa e emocional da série, não meros obstáculos ao conteúdo “real”.
Para muitos japoneses, assistir à abertura completa em cada episódio faz parte da experiência de imersão. As sequências estabelecem o tom emocional, apresentam os temas visuais e musicais da temporada, e servem como transições importantes entre o mundo real e o mundo da história. Saltar estes elementos é visto como equivalente a entrar numa casa sem tirar os sapatos, tecnicamente possível, mas culturalmente desrespeitoso.
A polémica também levanta questões sobre o futuro do formato anime numa era de globalização acelerada. À medida que o anime se torna cada vez mais um produto de consumo global, as plataformas de streaming enfrentam o desafio de equilibrar as expectativas culturais distintas de diferentes mercados.
Para o público ocidental, criado numa cultura de “skip intro” em séries live-action e habituado a controlar rigorosamente como e quando consome conteúdo, a resistência japonesa pode parecer excessiva ou até nostálgica. Para muitos japoneses, porém, trata-se de preservar o respeito por uma forma de arte e pelos criadores que dedicam incontáveis horas a cada detalhe, incluindo as sequências de abertura e fecho.
A plataforma d Anime Store mantém-se firme na sua decisão de oferecer a funcionalidade, mas a reação demonstra que a tecnologia e a conveniência nem sempre superam considerações culturais mais profundas. O facto de a função poder ser desativada parece ter sido crucial para evitar uma revolta ainda maior entre a base de utilizadores.
Ironicamente, a própria existência desta polémica pode servir para educar o público internacional sobre as nuances da cultura de consumo de anime no Japão, onde o meio é não apenas entretenimento, mas também uma tradição artística com as suas próprias normas e expectativas de etiqueta.









