
Taro Maki não é propriamente um nome desconhecido na indústria de anime. Como presidente da GENCO e produtor de obras como In This Corner of the World, Millennium Actress, PLUTO e Serial Experiments Lain, o veterano de 70 anos está há décadas no centro da produção de anime. Agora, numa entrevista ao ITmedia, Maki aponta o dedo à cultura corporativa japonesa como responsável pela proliferação de projetos seguros e pouco arriscados.
A entrevista foi conduzida antes do arranque do Aichi-Nagoya International Animation Film Festival, o ANIAFF, que Maki cofundou e que decorre entre 12 e 17 de dezembro em Nagoya. O festival, que acontece pela primeira vez este ano, foi concebido com uma filosofia creators first, em contraste com eventos maiores e mais comerciais como o AnimeJapan.
“Embora as empresas possam estar a gastar grandes quantias em stands em grandes eventos empresariais como o AnimeJapan para publicidade, esse investimento não retorna necessariamente aos criadores”, explicou Maki. Esta foi uma das motivações principais para criar o ANIAFF, um festival centrado nos criadores em vez de simplesmente funcionar como plataforma publicitária para empresas.
Mas o comentário mais direto de Maki tem a ver com o sistema de avaliação usado por muitas empresas japonesas. O produtor fala num conceito chamado 減点法 (gentenhou), que se pode traduzir como sistema de pontos negativos. Neste sistema, os projetos são avaliados pela sua capacidade de evitar falhas, e cada aspecto negativo deduz pontos. É o oposto do sistema de pontos positivos (加点法, katenhou), onde os projetos acumulam pontos pelos seus méritos.

Maki afirmou: “Há muitos produtores empregados por empresas, e no Japão, o sistema padrão é um ‘sistema de pontos negativos’ em vez de um ‘sistema de pontos positivos’. Por outras palavras, a prioridade máxima é evitar o fracasso, e o conceito de assumir riscos através da acumulação de pontos é inexistente. É por isso que acabam por ir para géneros que são bem-sucedidos e projetos seguros”.
Esta abordagem conservadora tem consequências práticas na variedade de conteúdo produzido. Quando a prioridade máxima é não falhar, os produtores naturalmente gravitam em direção a fórmulas testadas: adaptações de mangás populares, sequelas de franquias estabelecidas, e géneros que têm histórico comprovado de vendas. A inovação torna-se um risco desnecessário.
Maki também abordou a questão da experiência do público: “A verdade é que nunca se sabe como o público vai reagir, e até filmes difíceis têm significado no cultivo de uma audiência. No passado, havia uma cultura de ‘ver filmes ligeiramente difíceis’ em mini-cinemas, e havia espaço para experimentação. Mas agora, esse tipo de lugares desapareceu, e sinto que a experiência geral se tornou um pouco superficial”.
A observação aponta para uma mudança estrutural no consumo de anime. Os mini-theaters japoneses, pequenos cinemas independentes que historicamente exibiam obras mais experimentais e desafiantes, praticamente desapareceram. Com eles, foi-se o espaço físico e cultural para obras que exigem mais do público. O streaming democratizou o acesso, mas também transformou cada anime em apenas mais uma opção numa biblioteca infinita.

A entrevista completa da Full Frontal com Maki no ano passado, disponível em inglês e japonês, explora mais profundamente estas questões. Maki fala sobre como os criadores às vezes sentem que o streaming reduziu o seu trabalho a apenas mais um título entre milhares, perdendo o sentido de evento e ocasião que as exibições em festivais ou cinema podem proporcionar.
A filosofia de produção de Maki, inclui várias propostas concretas. Primeiro, dar aos diretores múltiplas oportunidades para se desafiarem, mesmo que o resultado seja o fracasso. Segundo, reduzir ligeiramente a dependência em adaptações de mangá. Terceiro, inspiração transfronteiriça através de colaboração internacional.
Este último ponto é particularmente relevante. Numa conversa anterior, Maki reconheceu que os estúdios de anime atingiram os limites da sua capacidade: “Os estúdios de animação japoneses atingiram os limites da sua capacidade. Mas trabalhar com o Japão e trabalhar com o estrangeiro é totalmente diferente, não é? Os gostos do público também são diferentes. No entanto, quero criar contactos com estúdios japoneses que estejam interessados em tais oportunidades”
O ANIAFF representa uma tentativa de criar essas pontes. O festival não se limita a exibições de filmes, incluindo também painéis, conferências, workshops e um espaço para pitch meetings, semelhante ao MIFA no festival de Annecy. A ideia é funcionar como hub onde criadores e produtores de diferentes países possam encontrar-se, estabelecer contactos e potencialmente desenvolver projetos conjuntos.
A primeira edição do ANIAFF tem uma competição de longas-metragens com 11 filmes de todo o mundo, incluindo obras japonesas recentes. Mamoru Hosoda, diretor de The Girl Who Leapt Through Time, Summer Wars e Belle, estará presente com uma retrospetiva dos seus filmes. O prémio principal, Kinshachi Award, vale um milhão de ienes, enquanto o segundo e terceiro lugares recebem 500 mil e 200 mil ienes respetivamente.
O festival acontece em Nagoya, cidade conhecida como capital manufatureira do Japão, na província de Aichi. A localização não é acidental: Aichi é também a casa do Ghibli Park e tem histórico de iniciativas culturais relevantes, incluindo a Expo 2005, a Aichi Triennale e o World Cosplay Summit. A proximidade de Tóquio e Osaka, combinada com conectividade internacional através do aeroporto Chubu Centrair, torna Nagoya num local estratégico para um festival internacional.

A GENCO, empresa presidida por Maki desde a sua fundação em março de 1997, tem uma lista impressionante de produções. Para além dos títulos já mencionados, inclui Honey and Clover, Nodame Cantabile, Elfen Lied, Kino’s Journey, Accel World, Sword Art Online, Genshiken e Toradora. A empresa colabora frequentemente com o estúdio J.C.Staff e tem sede em Roppongi, Tóquio.
Os comentários de Maki ecoam preocupações expressas por outros veteranos da indústria. O problema da escassez de animadores, a necessidade de melhorar as relações entre criadores e consumidores, e o impacto do streaming na perceção do valor do trabalho criativo são temas recorrentes em conversas sobre o futuro do anime.
A questão levantada por Maki sobre festivais de cinema como espaços necessários para consagrar o contacto humano é particularmente pertinente numa era dominada pelo streaming. Os festivais não servem apenas para fãs encontrarem criadores, mas também para criadores estabelecerem networking entre si, algo que se perdeu parcialmente com a digitalização da indústria.
Quanto à dependência em adaptações de mangá, as estatísticas falam por si. A esmagadora maioria dos animes produzidos nos últimos anos são adaptações de mangás ou light novels já estabelecidas. Obras originais são relativamente raras e consideradas de maior risco pelos comités de produção. O sistema de minus-point descrito por Maki significa que propor um projeto original é automaticamente começar com desvantagem.
As críticas de Maki não são apenas lamentações nostálgicas. São observações de alguém que passou décadas no centro da indústria e viu em primeira mão como decisões empresariais moldam o tipo de conteúdo que chega ao público. A cultura corporativa japonesa, com a sua ênfase na hierarquia, consenso e aversão ao risco individual, tem vantagens em muitos contextos. Mas quando aplicada rigidamente à produção criativa, pode resultar em homogeneização.









