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    Produtor questiona a humanidade de não usar IA no anime: “Não é desumano desenhar 100 mil imagens à mão?”

    Taiki Sakurai defende inteligência artificial como solução para a indústria enquanto enfrenta críticas sobre exploração de animadores

    Rin Kurusu screenshot Believer draw manga (3)

    A utilização de inteligência artificial na produção de anime continua a gerar ondas de choque na indústria. Taiki Sakurai, antigo produtor-chefe de anime da Netflix entre 2017 e 2023, voltou a alimentar o debate com declarações polémicas num evento da CEATEC, questionando diretamente o que considera ser “desumano” na produção tradicional.

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    “Há também vozes pessimistas em relação à IA por parte dos fãs de anime, dizendo: ‘É desumano que os humanos sejam substituídos por máquinas!’ Mas para aqueles que criam o anime, não é desumano desenhar 100.000 imagens todas à mão?”, afirmou Sakurai durante o painel. O produtor acrescentou ainda uma nota sombria: “Com a taxa de natalidade em declínio, significando que menos pessoas estão a entrar na indústria de anime, há até piadas sombrias sobre como, numa era em que tudo foi substituído por IA, não haverá ninguém nos estúdios de produção”.

    As palavras de Sakurai ganham particular peso quando contextualizadas com a sua própria experiência. Em janeiro de 2023, a Netflix lançou The Dog and the Boy, uma curta-metragem de três minutos que utilizou IA para gerar os fundos, creditando-os como “AI (+Human)”. A reação foi devastadora.

    Vê aqui a Curta anime do WIT Studio com fundos gerados por IA

    O projeto, do qual Sakurai foi produtor, foi massacrado pelo público. A Netflix teve de o convocar múltiplas vezes para explicar o projeto aos executivos seniores. “No final, não fui punido; houve até uma segunda parcela. No entanto, o anúncio da segunda foi adiado. Não consegui lançá-la na altura”, revelou Sakurai.

    A curta foi produzida usando prompts para gerar imagens, selecionando a que estava mais próxima do pretendido e depois corrigindo-as manualmente. A alegação da Netflix de que recorrera à IA para “atenuar a falta de mão de obra na indústria de anime” provocou particular indignação, com muitos profissionais a apontar que o verdadeiro problema não era falta de animadores, mas sim salários miseráveis, alguns artistas ganham menos de 2 dólares por desenho.

    A nova abordagem da Salamander Pictures

    Após deixar a Netflix, Sakurai fundou a Salamander Pictures, uma empresa de planeamento e produção de anime. Durante o painel na CEATEC, revelou uma nova abordagem que considera mais ética para o uso de IA.

    O estúdio está a experimentar com o artista conceptual Kenichiro Tomiyasu, conhecido pelo seu trabalho em Final Fantasy e SILENT HILL f. A Salamander desenvolveu um modelo de IA treinado exclusivamente nos desenhos de Tomiyasu. O processo funciona assim: Tomiyasu fornece um esboço, a IA limpa o desenho e produz cerca de 100 variações, e o artista seleciona a imagem mais próxima do seu estilo.

    “A vantagem deste fluxo de trabalho é que o humano desenha de ‘0 a 1’, e a IA leva isto de 1 a 9”, explicou Sakurai. Crucialmente, acrescentou que “o modelo será destruído assim que o trabalho estiver concluído”, numa tentativa de mitigar o uso indevido do estilo de Tomiyasu.

    A visão radical para a indústria

    Não é a primeira vez que Sakurai propõe a IA como solução para problemas na indústria. Em 2023, numa palestra no RIETI (Research Institute of Economy, Trade and Industry), o produtor afirmou que incorporar IA poderia reduzir orçamentos e pontos de equilíbrio. As suas estimativas são radicais, reduzir o número de membros da equipa de produção de 700-800 pessoas para 100 pessoas, e os tempos de desenvolvimento de três anos para um ano.

    Para defender o seu ponto de vista, Sakurai recorreu a uma analogia pessoal: “Por exemplo, quando eu era estudante universitário, estava a escrever um trabalho num computador, e lembro-me da minha avó ficar zangada e dizer: ‘Se escreves numa coisa dessas, a tua caligrafia vai piorar!’ Claro que ela tinha razão – a minha caligrafia é terrível, e parece estar a piorar a cada ano. Mas quão essencial é conseguir escrever bem? Acho que todos concordariam agora que há espaço para debate”.

    Durante o painel da CEATEC, Sakurai observou ainda diferenças culturais: “Quando se trata de atitudes em relação à IA, as reações variam bastante dependendo da indústria, com a indústria de mangá fortemente alérgica. Assim que um mangá ou ilustração é impresso, existe uma possibilidade real de que possa ser substituído por IA no local. No caso do anime, mesmo que sejam apenas imagens, precisam de ser transformadas em vídeo, e neste momento, produzir um vídeo ainda é um obstáculo alto.”

    Uma indústria dividida

    O produtor acrescentou que “a diferença entre o Japão e o estrangeiro é que o Japão ainda depende das habilidades de artesãos individuais e não conseguiu libertar-se disso”. Entre as suas soluções propostas para melhorar a indústria e as condições dos animadores incluem-se IA, melhores esforços de distribuição no estrangeiro, apoio governamental e meios de atrair criadores estrangeiros para o Japão. A Salamander Pictures gere inclusive uma série no seu canal do YouTube onde entrevista criadores estrangeiros a trabalhar na indústria de anime.

    Enquanto Sakurai defende a tecnologia, outras empresas já estão a avançar com experiências próprias. A AI Mage, cujos parceiros incluem o CEO da KADOKAWA Takeshi Natsuno, está a trabalhar com o estúdio OLM Digital (The Apothecary Diaries, Pokémon) para desenvolver ferramentas de IA para anime. Recentemente angariou 170 milhões de ienes da Genesia Ventures e Headline Japan, anunciando o lançamento da sua plataforma de supervisão de produção de anime apoiada por IA.

    Ex-presidente da KADOKAWA prevê revolução no anime com IA e episódios curtos

    A Creator’s X, que detém dois estúdios que usam IA nos seus fluxos de trabalho, angariou um total de 1,9 mil milhões de ienes, usados para custos de desenvolvimento de IA e a recente aquisição da Gaina (Grendizer U, Baban Baban Ban Vampire). O estúdio foi renomeado BENTEN Film e supervisionará a produção de animação de Petals of Reincarnation, previsto para 2026. A empresa chegou mesmo a registar marcas comerciais para “AI アニメーション” (“AI Animation”) e “AI アニメ” (“AI Anime”).

    A questão levantada por Sakurai, se é mais desumano substituir humanos ou forçá-los a trabalhar em condições extenuantes, continua sem resposta consensual. Mas numa indústria conhecida pelos seus horários brutais e salários baixos, a promessa de reduzir equipas de 800 para 100 pessoas soa menos a solução e mais a ameaça existencial para milhares de trabalhadores.

    Helder Archer
    Helder Archer
    Fundou o OtakuPT em 2007 e desde então já escreveu mais de 60 mil artigos sobre anime, mangá e videojogos.

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