O fenómeno global do anime não aconteceu por acaso. Segundo veteranos da Toei Animation (Dragon Ball, One Piece), o sucesso mundial da animação japonesa deve-se em grande parte ao cansaço das audiências ocidentais face às fórmulas “previsíveis” da Disney e de outros estúdios americanos.
Em declarações recentes à President Online, figuras históricas da indústria partilharam as suas perspetivas sobre a ascensão meteórica do anime, que nas últimas décadas se transformou de uma subcultura nicho numa indústria multimilionária que representa uma fatia significativa das exportações japonesas.
“O mundo espera ansiosamente pelas nossas criações estranhas”
Tatsuya Nagamine, diretor veterano da Toei Animation responsável por obras como Dragon Ball Super: Broly e grande parte do anime de One Piece, considera que o anime triunfou globalmente por oferecer obras “excêntricas” e imprevisíveis.
“Neste momento, apenas a animação japonesa oferece histórias bizarras onde realmente não consegues prever o que vai acontecer a seguir“, explica Nagamine. O diretor compara a posição do Japão na animação à da França na alta-costura: “Os criadores de anime japoneses são como os designers franceses. Podes dizer que o mundo inteiro espera ansiosamente para ver que tipo de criações estranhas vão produzir a seguir“.
O contraste com as produções ocidentais é evidente. Nagamine considera as obras da Disney e de estúdios similares como sendo demasiado formuláicas: “Penso que os fãs estrangeiros de animação já estão cansados de obras previsíveis no estilo Disney“.
os fãs estrangeiros de animação já estão cansados de obras previsíveis no estilo Disney
Esta perspetiva é reforçada por Shinji Shimizu, produtor e conselheiro da Toei Animation, que aponta diferenças fundamentais na abordagem criativa: “O anime vem dos mangás. Há um grande cuidado posto nas personagens. A Disney, por outro lado, tem enredos predeterminados, e há sempre um final feliz. No anime, podes ver um protagonista morrer a meio da história, ou um vilão revelar-se um herói, é feito para ser satisfatório mesmo para adultos“.
Shimizu sublinha que, apesar do anime ser atualmente uma exportação comercial de grande escala, as suas raízes estão no mangá, que tem sido relativamente livre de restrições. Esta liberdade criativa foi precisamente o que “compeliu as audiências americanas, que se cansaram da Disney, a voltarem-se para o anime“.
Outro fator crucial é a estrutura de produção japonesa. Nagamine destaca a importância do anime ser predominantemente produzido para televisão, com temporadas que rodam a cada três meses, criando uma rotatividade constante de novos títulos que satisfazem uma ampla gama de gostos.
Curiosamente, os veteranos da Toei consideram que o apelo do anime reside precisamente na sua “japonesidade”. Shimizu observa: “O que o mundo está a prestar atenção no anime é a cultura japonesa, mas não coisas como kabuki ou sumo. É a vida quotidiana“.
O produtor cita como exemplo o fascínio dos espectadores ocidentais com a vida escolar e universitária dos estudantes no Japão, concluindo que o anime encontrou sucesso ao apresentar visualmente aspetos da vida japonesa que não existem no estrangeiro.
Com a expansão global do meio, a escala de produção e os custos aumentaram drasticamente. Nagamine explica que as expectativas das audiências são a razão pela qual o anime se tornou muito mais detalhado ao longo do tempo: “Se a qualidade não for alta, não consegues ganhar, e quando consideras [as exigências do] mercado estrangeiro, tens de continuar a aumentar a qualidade“.
Kadokawa quer revolucionar a Indústria do Anime com orçamentos milionários e salários dignos
Esta tendência não se limita à Toei. A Kadokawa, outro grande player da indústria anime japonesa, já partilhou planos para mudar para produções de orçamento mais elevado, considerando-a uma condição necessária para alcançar o sucesso comercial global.