Dia 24 de agosto a Filmin vai estrear em Portugal o filme japonês A Dois Minutos do Infinito de Junta Yamaguchi. Uma aclamada comédia de viagens no tempo, destinada a tornar-se um dos pilares do cinema de fantasia japonês. Um filme de culto instantâneo.
Uma aclamada comédia de viagens no tempo, destinada a tornar-se um dos pilares do cinema de fantasia japonês feito a partir de muito pouco (como o influente “One Cut of the Dead”). O filme de estreia de Junta Yamaguchi é sustentado por um pulso firme e uma vontade tremenda de quebrar o molde da narrativa contemporânea, usando as novas tecnologias.
Ao regressar ao seu apartamento no final do dia, Kato, o proprietário do Café Phalam, vê-se a falar consigo próprio no ecrã do seu computador: Eu sou o eu do futuro. Dois minutos no futuro. O seu ecrã de casa e o ecrã do computador do café estão de alguma forma ligados. Kato regressa ao seu estabelecimento e, juntamente com os clientes habituais, começa a explorar este fenómeno.
Uma comédia com ficção científica rodada com um iPhone e num só plano, impressionante e visionário, que reflete como seria olhar para um computador e ver uma versão futura de nós próprios, com o adiantamento de dois minutos.
A Filmin estreou dia 3 de agosto a colecção dos Mestres Japoneses Desconhecidos que podem encontrar aqui.
Ciclo de Cinema em Portugal – Mestres Japoneses Desconhecidos II
Mestres Japoneses Desconhecidos foi o título de um ciclo programado em 2021 pela The Stone and The Plot, distribuidora independente portuguesa de cinema que chegaram à Filmin a 20 de Abril com obras de versões restauradas em 4K, de Tomotaka Tasaka, Tomu Uchida e Kozaburo Yoshimura, realizadores fora do cânone com filmes nunca antes vistos fora do Japão.
Johnny Coração de Vidro / Glass-Hearted Johnny (硝子のジョニー・野 獣のように見えて, 1962)
Título Original: Garasu no Jonî: Yajû no yô ni miete, Realização: Koreyoshi Kurahara, Argumento: Nobuo Yamada, Direcção de Fotografia: Yoshio Mamiya, Música: Toshirô Mayuzumi, Direcção de Arte: Takeo Kimura, Produção: Takiko Mizunoe, Elenco: Jô Shishido, Izumi Ashikawa, Jôji Ai, Daisaburô Hirata, Noriko Matsumoto, Toyoko Takechi, Yôko Minamida, Yoshihiro Nakadai, Fudeko Tanaka, Shuntarô Tamamura, Yoko Katsuragi, Etsuko Wada, Preto e Branco, 106 minutos.
Sinopse: Mifune, uma jovem fugitiva do traficante de escravos Akimoto, afeiçoa-se pelo seu salvador Joe, que a trata com distância. Perseguindo-se um ao outro, eles viajam de local em local no norte inóspito de Hokkaido enquanto Mifune se envolve num triângulo com Joe e Akimoto. Ela, enfim, chega à praia da sua cidade natal, Wakkanai, onde outrora ouvira uma canção de um poeta, “Johnny Coração de Vidro”, e caminha em direcção ao mar clamando por Johnny, seu salvador fantasmático.
Posicionamento: Sob as roupagens do típico filme de acção do estúdio Nikkatsu, “Johnny Coração de Vidro” subverte as expectativas ao encenar um drama de despedidas em que as personagens estão condenadas a sofrer pelas próprias quimeras vãs, resultado de também quererem lutar contra a miséria social que as circunda. Levemente inspirado em “A Estrada” de Federico Fellini, mas nunca parodiando, plagiando ou citando em demasia a fonte, este filme quase todo rodado em exteriores, nas sumptuosas e selvagens paisagens litorais de Hokkaido, é também um drama sobre uma mulher em fuga e salvadores masculinos que renegam esse estatuto até às últimas consequências. Koreyoshi Kurahara, autor de diversos filmes noir (alguns com certa presença no formato DVD) trabalha aqui uma das suas produções tecnicamente mais aprumadas e injustamente desconhecidas. Será importante realçar um dos primeiros papéis enquanto protagonista do galã Jô Shishido e a transfiguração total da actriz Izumi Ashikawa, várias vezes conotada com a discrição e elegância japonesas e aqui infectantemente intensa e passional.
Comentários: “Outra incursão, numa direcção totalmente diferente, foi «Johnny Coração de Vidro.» (…) A interpretação de Izumi Ashikawa como a prostituta relembra a de Giulietta Masina em «A Estrada», passando da vitimização para a transcendência, enquanto as estilizações a preto e branco de Kurahara transformam as especificidades do tempo, dos sítios e da cultura num lugar atemporal e limítrofe, sem ser identificável com o espaço japonês nem uma imitação do italiano.” – Mark Schilling in No Borders, No Limits: Nikkatsu Action Cinema, ed. FAB Press.
A Vida de uma Mulher / Life of a Woman (女の一生, 1962)
Título Original: Onna no isshô, Realização: Yasuzô Masumura, Baseado na Peça de: Kaoru Morimoto, Argumento: Toshio Yasumi, Direcção de Fotografia: Yoshihisa Nakagawa, Música: Sei Ikeno, Direcção de Arte: Shigeo Mano, Produção: Hiroaki Fujii, Masaichi Nagata, Elenco: Machiko Kyô, Masaya Takahashi, Jirô Tamiya, Chieko Higashiyama, Junko Kanô, Eitarô Ozawa, Preto e Branco, 94 minutos.
Sinopse: A vida de Kei, uma órfã, expulsa de casa pelos seus tios, que se casa inesperadamente com o filho mais velho de uma família de comerciantes, no momento tenso em que o Japão entra na escalada militar após a sua vitória militar sobre a Rússia em 1905.
Posicionamento: Baseado na peça de Kaoru Morimoto, inicialmente encomendada pelo Império para glorificar a presença japonesa na China, “A Vida de uma Mulher” insere se na tradição nipónica de filmes que, partindo do caso individual de uma personagem, representam os grandes desenvolvimentos históricos do Japão. Neste caso, a narrativa incorpora, saltando diacronicamente da era Meiji à Shôwa (passando pela Taishô), as primeiras quatro décadas do século XX. É-nos dado a ver o isolamento e atraso económico característicos de uma nação ainda feudal, bem como o fervor nacionalista e militar provocado pela vitória sobre a Rússia no início do século, vitória essa que estaria na origem das intenções expansionistas da invasão à Manchúria nos anos 30, e que levariam, por seu turno, à derrota inexorável em 1945. Com efeito, Masumura, cineasta de mulheres imbuído de uma modernidade e arrojo crítico (inclusive da peça original), orquestra uma verdadeira radiografia de um país agressivo, fechado sobre si mesmo e opressor que faz das suas mulheres escravas de um país, de um ofício e de uma família. Passando da inocência da mocidade à conivência das ordens de um patriarcado travestido, Kei desnovela esse olhar macroscópico, os seus sacrifícios serão os de um povo sem voz.
Comentários: “Resta a genialidade do corte e da composição dos planos de Masumura, sobretudo quando aplicada aos espaços reduzidos, que lembram «A Wife Confesses» filmado no ano anterior [a este «A Vida de uma Mulher»]. Se para alguns cineastas, aplicamos o princípio “uma ideia, um plano”, com Masumura, assistimos a uma espécie de composição binária em que dentro de cada plano uma acção, seguida de outra em reacção, toma sempre a dianteira. Acção, reacção e uma lógica de découpage voltam se contra o princípio que está na base do campo-contracampo.” – Limguela Raumeneon in “La Vie D’une Femme” publicado no site La Saveur des Goûts Amers.
A Mulher que eu Abandonei / The Girl I Abandoned (私が棄てた女, 1969)
Título Original: Watashi ga suteta onna, Realização: Kirio Urayama, Argumento: Hisashi Yamanouchi, Baseado no Romance de: Shûsaku Endô, Direcção de Fotografia: Shôhei Andô, Música: Toshirô Mayuzumi, Direcção de Arte: Yoshinaga Yoko’o, Produção: Kazu Ôtsuka, Elenco: Chôichirô Kawarasaki, Ruriko Asaoka, Toshie Kobayashi, Shôichi Ozawa,
Takeshi Kato, Teruko Kishi, Tatsumi Ryûtaro, Haruko Kato, Chikako Natsumi, Asao Sanô, Shigeru Tsuyuguchi, Tadao Nakamaru, Hideji Ôtaki, Tôru Emori, Minako Sakaguchi, Kunie Origa, Fumie Kitahara, Eimei Esumi, Hisataka Yamane, Preto e Branco e Cores, 116 minutos.
Sinopse: Satisfeito com a vida pela primeira vez, Tsutomu Yoshioka trabalha para uma fábrica de automóveis. O seu futuro também parece promissor, já que Mariko, sobrinha do Presidente da empresa em que ambos trabalham, está apaixonada por ele e o casamento está marcado para breve. O passado de Yoshioka é desenterrado quando uma conhecida lhe fala sobre Mitsu Morita, antiga paixão universitária e mulher que ele abandonara, a conselho de um amigo, por não ser sofisticada o suficiente. Um profundo complexo de culpa assalta o assalariado Yoshioka e os seus pesadelos cercam-no, entre passado e presente.
Posicionamento: Baseado no romance homónimo de Shûsaku Endô (autor cristão do best-seller “Silêncio”, que retrata a presença de padres jesuítas portugueses durante o período Tokugawa, tendo sido adaptado ao cinema por Martin Scorsese nos Estados Unidos da América, Masahiro Shinoda no Japão e João Mário Grilo em Portugal), “A Mulher que eu Abandonei” retrata a vida urbana e desenraizada de uma nova e emergente burguesia japonesa, expressa no sorumbático personagem Yoshioka, preso entre as potencialidades de um casamento de aparências e a genuinidade de uma relação antiga com a mulher que ele deixara na sua juventude, Mitsu. Esta última será, segundo Endô no posfácio do romance, a personificação do Cristo “que todos nós deixamos todos os dias”, todavia no filme de Kirio Urayama (assistente de Shôhei Imamura e um dos mais promissores realizadores da sua geração), ela surge também enquanto a saudade amarga da revolução política que não regressa mais. Com efeito, 1969 pode ser considerado um ano de transição social para o Japão, um ano em que as manifestações estudantis atingiram o apogeu da violência e contestação, resultando, mais tarde e aos olhos das gerações vindouras, na desilusão e desistência massificada de qualquer tipo de protesto político. Nostálgico, psicologicamente tortuoso, vaticinador de um certo desencantamento, inclusive fortemente inspirado pela estética vanguardista do teatro noh, “A Mulher que eu Abandonei” é um dos filmes essenciais da Nova Vaga Japonesa na esteira de Nagisa Ôshima, Shôhei Imamura ou Kôji Wakamatsu, nunca distribuído comercialmente e raríssimas vezes visto e mostrado fora do Japão.
Comentários: “Urayama foi marginalizado pela Nikkatsu (o seu fracasso comercial revelando as suas «tendências progressistas»), e só em 1968 ele conseguiu realizar um novo filme, desta vez adaptando um romance do escritor (de tendência cristã) Shûsaku Endô, «A Mulher que eu Abandonei». (…) O filme está marcado por uma inesperada intrusão final do fantástico onírico (uma evocação simbólica da “Terceira Guerra Mundial”) a cores contrastando radicalmente com o realismo monocromático do resto [da película]. Por razões comerciais pouco claras, “A Mulher que eu Abandonei” foi bloqueado por mais de um ano pela Nikkatsu e o seu lançamento tardio (em 1969) levou a um fracasso fatal e injusto para a carreira do autor.” – Max Tessier in Le Cinéma Japonais au présent (1959-1979), ed. P. Lherminier.