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    A caça ao casamento está a transformar-se num pesadelo para os solteiros japoneses

    O fenómeno konkatsu, que promete ajudar os japoneses a encontrar um parceiro, pode estar a criar mais frustração do que resultados.

    capa O Meu Casamento Feliz em Portugal pela Presença Comics

    O conceito de konkatsu, a “caça ao casamento”, surgiu em 2007 no Japão como uma resposta pragmática à crescente dificuldade que os jovens enfrentavam para encontrar parceiros. Quase duas décadas depois, este fenómeno social, que já movimenta uma indústria multimilionária de aplicações de namoro, eventos de matchmaking e consultores matrimoniais, enfrenta um paradoxo, quanto mais pessoas tentam encontrar um parceiro através destes métodos, mais esgotadas ficam no processo.

    A realidade dos números é reveladora. Segundo dados da Nippon Foundation, apenas 27% dos solteiros japoneses acreditam realmente que irão casar, apesar de 46% afirmarem ter intenção de o fazer. Esta discrepância entre desejo e expectativa torna-se ainda mais pronunciada à medida que a idade avança, mais de 50% dos japoneses entre os 36 e os 45 anos acreditam que não se irão casar.

    Os investigadores que estudam o fenómeno identificaram um padrão preocupante. Num estudo publicado na Japanese Psychological Research, os participantes em atividades de konkatsu descrevem uma situação competitiva que exige análise constante, analisar perfis, avaliar compatibilidades, comparar opções, mas que, ironicamente, acaba por paralisar a capacidade de decisão.

    O problema central reside numa dupla incompatibilidade. Por um lado, muitos participantes afirmam não conseguir encontrar alguém que preencha os seus requisitos. Por outro, quando encontram alguém que parece adequado, essa pessoa muitas vezes não demonstra interesse recíproco. Este ciclo repetitivo, sem resultados tangíveis, naturalmente conduz ao esgotamento.

    Como observa um especialista citado em análises sobre o tema, quando a esmagadora maioria das pessoas envolvidas em konkatsu está exausta, significa que estas pessoas cansadas estão constantemente a conhecer outras pessoas igualmente cansadas. Ambos saem da interação a pensar “esta não é a pessoa certa”, e o ciclo recomeça.

    O paradoxo da escolha demasiada

    A proliferação de aplicações de namoro prometia resolver o problema da falta de oportunidades para conhecer potenciais parceiros. No entanto, criou um novo problema, a ilusão de escolha infinita. O número de empresas de aplicações de namoro aumentou 5,6 vezes em cinco anos, mas dentro destas plataformas verifica-se uma estrutura “winner-takes-all”, onde os 20% mais populares recebem 80% dos “likes”.

    Esta dinâmica transforma o konkatsu numa espécie de “batalha real”, onde a maioria dos utilizadores sente que as aplicações “são ferramentas para pessoas populares”. O pensamento de que “haverá outro match a seguir” mantém as pessoas presas num ciclo de indecisão e esgotamento progressivo.

    A fadiga associada ao konkatsu não é um fenómeno recente. Existe desde cerca de 2010, essencialmente desde que o próprio termo “caça ao casamento” foi popularizado. Isto levanta uma questão desconfortável, será que o konkatsu, pela sua própria natureza, produz inevitavelmente exaustão e solteirice prolongada?

    De acordo com investigação publicada na Frontiers in Psychology, 75,8% das prefeituras japonesas colaboram com organizações privadas para realizar eventos de konkatsu, e muitos governos locais consideram o aumento do número de casamentos como um dos efeitos mais importantes das suas intervenções contra o declínio da natalidade. No entanto, um estudo de 2019 revelou que 85,9% dos participantes inativos em serviços de matchmaking continuavam interessados em participar em eventos futuros, sugerindo que o problema não é falta de motivação, mas algo mais profundo no próprio sistema.

    Existe uma teoria entre especialistas de que os casais que efetivamente conseguem casar através do konkatsu são aqueles que “se casam antes de ficarem cansados”. É uma corrida contra o tempo e contra o próprio sistema que prometia facilitar o processo.

    A realidade do Japão contemporâneo é complexa. A idade média do primeiro casamento é agora de 31 anos para os homens e 29,8 anos para as mulheres, segundo dados do Ministry of Health, Labour and Welfare. O número de nascimentos em 2024 atingiu um mínimo histórico pelo nono ano consecutivo, com apenas 720.988 nascimentos.

    O dilema da geração atual

    Para muitos japoneses na casa dos 30 anos, o konkatsu transformou-se numa fonte de stress adicional numa vida já sobrecarregada. A distinção japonesa entre konkatsu (caça ao casamento) e koikatsu (caça ao amor) reflete uma abordagem particularmente pragmática, mas também potencialmente mais desgastante, das relações românticas.

    As razões mais comuns para quem quer casar mas acredita que não conseguirá são reveladoras, 49% mencionam “nenhuma oportunidade de conhecer alguém” e 48% referem “não conseguir relacionar-se com o sexo oposto”. Não é uma questão de não querer, é uma questão de não conseguir, apesar de todos os esforços.

    Enquanto o governo japonês investe milhares de milhões em iniciativas para promover o casamento e aumentar a taxa de natalidade, a realidade no terreno sugere que simplesmente multiplicar as oportunidades de matchmaking pode não ser a solução. Talvez seja necessário repensar toda a abordagem ao romance e ao casamento numa sociedade onde, paradoxalmente, ter mais escolhas parece estar a tornar mais difícil fazer uma escolha.

    Helder Archer
    Helder Archer
    Fundou o OtakuPT em 2007 e desde então já escreveu mais de 60 mil artigos sobre anime, mangá e videojogos.

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