
A polémica em torno da utilização de inteligência artificial generativa na indústria dos videojogos ganhou novo fôlego esta semana. Depois de a Larian Studios ter confirmado o uso de IA no desenvolvimento do novo Divinity, o diretor de Kingdom Come: Deliverance 2 veio defender publicamente o estúdio e argumentar que esta tecnologia veio para ficar.
Daniel Vávra, cofundador da Warhorse Studios, não poupou nas palavras ao classificar as críticas à Larian como “histeria”. Numa extensa publicação no twitter, o criador checo comparou a resistência atual à IA com a destruição de máquinas a vapor durante a Revolução Industrial.
Tudo começou quando Swen Vincke revelou à Bloomberg que a Larian utiliza ferramentas de IA generativa nas fases iniciais de desenvolvimento. Segundo o CEO, a tecnologia serve para explorar ideias, criar apresentações em PowerPoint, desenvolver concept art e escrever texto temporário. Vincke garantiu que nenhum conteúdo gerado por IA chegará ao jogo final e que todos na empresa estão confortáveis com esta utilização.
As garantias não foram suficientes. Nas redes sociais, jogadores e até ex-funcionários da Larian manifestaram descontentamento, argumentando que mesmo na fase de conceção a IA está a substituir ideias humanas. Vincke teve de esclarecer: “Caramba, malta, não estamos a “forçar a barra” para substituir os artistas conceptuais por IA nem queremos isso”, escreveu, explicando que a equipa conta com 72 artistas, dos quais 23 são concept artists, e que continuam a contratar mais.
Vávra entra na discussão sem papas na língua
Foi neste contexto que Daniel Vávra decidiu intervir: “Esta histeria sobre IA é o mesmo que quando as pessoas destruíam máquinas a vapor no século XIX. A Larian disse que estava a fazer algo que absolutamente toda a gente está a fazer e recebeu uma tempestade de críticas completamente insana”.
Vávra desmentiu ainda rumores de que Kingdom Come: Deliverance 2 teria usado IA, esclarecendo que apenas utilizou Topaz Labs para aumentar a resolução de alguns elementos gráficos do primeiro jogo e texturas antigas de baixa resolução.
Apesar de afirmar não ser fã de arte gerada por IA, o criador checo considera inevitável a adoção desta tecnologia: “É tempo de encarar a realidade. A IA está aqui para ficar. Por mais assustador que possa ser, é assim. Pessoalmente, assusta-me mais na música porque já não se consegue reconhecer IA”.
O argumento central de Vávra prende-se com a realidade atual do desenvolvimento de videojogos: “Sabem o que mais detesto em fazer jogos? O facto de demorar sete anos e 300 pessoas e dezenas de milhões de dólares para fazer um”.
O diretor, que tem 50 anos, fez as contas, até agora demorou em média sete anos a criar cada jogo: “Tenho ideias para muitos jogos, mas se a IA me ajudar a concretizar essas ideias mais depressa, sou totalmente a favor”.
Na visão de Vávra, a IA não eliminará criatividade humana, mas sim tarefas aborrecidas: “Esse jogo continuará a ter um diretor de arte, argumentistas, programadores, designers gráficos, mas não terão de fazer as tarefas cansativas e entediantes, terão de se focar no essencial”.
Vozes de IA: o caso Arc Raiders
O debate ganhou ainda mais relevância com a polémica em torno de Arc Raiders, jogo que utiliza vozes geradas por IA. Vávra argumenta que esta tecnologia pode ser valiosa para diálogos menos importantes, enquanto as cenas principais deveriam manter atores reais e captura de movimento.
“Não seria bom se pudesses perguntar qualquer coisa a qualquer pessoa num RPG? Tipo, talvez pedir direções? Ou o que pensam dos vizinhos?”, questionou, referindo ferramentas como o 11labs que já permitem criar NPCs com personalidade e conhecimento próprios. “Para conteúdo não relacionado com história, isto é um desenvolvimento absolutamente revolucionário do ponto de vista do jogador. E não podes gravar isso com um ator porque tem variações infinitas”.
Um futuro incerto mas inevitável
As declarações de Vávra vão além dos videojogos, prevendo mudanças profundas na indústria: “Os programadores têm um problema. O trabalho da maioria deles provavelmente não será necessário muito em breve: Teremos arquitetos de software e a IA fará a programação. Muito em breve”.
O diretor checo também prevê o fim das grandes editoras e de Hollywood tal como as conhecemos: “Ninguém precisará do seu dinheiro e recursos. O que vimos com o boom da cena indie graças à Steam, veremos com jogos AAA graças à IA”.
Mas Vávra não ignora os perigos: “Toda esta revolução da IA pode significar a queda da humanidade, ninguém sabe agora, mas também pode significar que qualquer pessoa, a uma fração do custo atual, poderá implementar virtualmente qualquer grande ideia. Fazer um jogo será tão fácil como escrever um livro: Ou a Skynet destruir-nos-á antes disso. De qualquer forma, não há como pará-la”.









