A liberdade criativa é, paradoxalmente, um dos maiores desafios da indústria dos videojogos. Muitas das equipas que colaboram com grandes estúdios AAA raramente têm espaço para seguir as suas próprias ideias, acabando por responder sobretudo às exigências das empresas. Embora esse percurso proporcione experiência e crescimento, tornou-se cada vez mais comum vermos criadores a abandonar estas estruturas para perseguirem as suas verdadeiras ambições, fundando os seus próprios estúdios.
Foi exatamente isso que aconteceu com Nick Herman e parte da equipa por detrás do cancelado Splinter Cell. Após saírem da Ubisoft, decidiram formar a AdHoc Studio e desse salto nasceu em colaboração com a Critical Role uma das maiores surpresas do final do ano: Dispatch, um jogo que coloca em destaque heróis tão humanos quanto nós.

Dispatch, é mais uma série interativa do que um jogo por si só. Tanto que temos logo de início a opção de ficarmos assistir à história sem interagir ou então escolhermos fazer parte dela a partir de Quick Time Event. Nesta aventura conhecemos Robert Robertson, o protagonista, conhecido por Mecha Man, um Homem de Ferro diferente do que conhecemos da Marvel, que herdou o papel de super-herói do seu pai. Depois de partir numa missão, quase suicida, acaba por perder o que construiu mas ganha um novo começo. Neste universo ao estilo de The Boys e Invicible, passado em Los Angeles, super-heróis e super-vilões são tão comuns que existe uma empresa que os representa e envia-os para ajudar os cidadãos nas mais variadas tarefas.
Mesmo que a cidade seja inspirada em Los Angeles, muitas zonas foram caricaturadas para encaixar no humor do jogo.
Para os contextualizar, Robert junta-se a essa corporação não como um herói, mas sim como um coordenador, onde lhe cabe enviar os super-heróis e orientá-los durante as missões que surgem pelo caminho. Porém, temos uma equipa longe de ser metódica e profissional: é um grupo de ex-vilões em processo de “reabilitação”. Acompanhá-los não é uma tarefa doce ou digna de uma pessoa sã da cabeça, muitas das vezes parece mais uma escola com um bando de miúdos rebeldes.
É neste ponto que reside o encanto de Dispatch, nas dinâmicas entre estes novos heróis, na forma como se relacionam com Robert e como ele próprio interage com os restantes colegas da empresa. Não temos um elenco vasto, mas sim individual e composto por anti-heróis com personalidade forte e, em alguns casos, com profundidade emocional. Todos são carismáticos e bem construídos, e diria que foram na maioria bem explorados. Como é normal, uns têm mais presença que outros, mas todos cumprem o seu propósito: representar de forma eficaz os conflitos internos do protagonista.

Outro elemento notório deste jogo é a construção do seu enredo, que é contado sem artifícios, revelando-se sempre natural e envolvente. Há também uma incrível consideração aos detalhes. A animação é sublime, seja durante as sequências de ação como nos momentos narrativos. Há lutas épicas e bem coreografadas, com humor à mistura, onde os Quick Time Event estão perfeitamente integrados e cenas cujo o peso emocional é intensificado pelo uso brilhante dos elementos audiovisuais. Os atores foram escolhidos a dedo, conseguindo atribuir vida e personalidade a cada um dos personagens. Temos nomes bem conhecidos tais como: Aaron Paul (Breaking Bad), Laura Bailey (The Last of Us Part II, The Legend of Vox Machina), Alanah Pearce (Cyberpunk 2077) e Jeffrey Wright (The Batman).
É importante referir também o impacto que as nossas decisões têm durante a jornada. À medida que os episódios avançam, as consequências das escolhas que fazemos, até nas conversas mais simples, tornam-se cada vez mais visíveis, trazendo normalmente mudanças nas sequências que guiam a narrativa.
Dispatch consegue prender do início ao fim com o seu ritmo bem estruturado, alternando com grande eficácia entre momentos sérios e humorados, entre a emoção genuína e a ação clássica de super-heróis.

Quanto à parte mais jogável, que surge em momentos pontuais, no papel de Robert estamos na sua base a observar o mapa da cidade de Los Angeles enquanto coordenamos os heróis pelas variadas missões. Para isso, é preciso analisar bem os parâmetros e qualidades de cada membro da equipa, de forma a escolher o mais adequado para cada tarefa. Para deter um criminoso, convém enviar alguém com superforça ou velocidade; para investigar uma cena de crime, é necessária uma personagem com maior capacidade intelectual; e assim sucessivamente. O jogo nunca nos indica explicitamente quais os atributos ideais para cada missão, cabendo-nos deduzir essas pistas a partir das palavras-chave que surgem na descrição de cada pedido.
O sistema de gestão da equipa, com deslocações, fadiga e conflitos internos, foi inspirado em entrevistas que a equipa fez com operadores de call center e de serviços de emergência.
Há também outras nuances a ter em conta, como o volume de pedidos recebidos, o tempo de descanso necessário após cada tarefa, as atitudes imprevisíveis de alguns heróis e até o tempo de deslocação até ao local da missão. Tudo isto contribui para retratar com precisão o caos de um verdadeiro call center. Além disso, temos acesso a um mini-jogo de hacking que se torna gradualmente mais complexo, embora sempre acessível, e que, de forma evidente, influencia o desenrolar da história.
Este conjunto de mecânicas encaixa perfeitamente ao longo do jogo, sem nunca quebrar o ritmo da narrativa; pelo contrário, acrescenta momentos memoráveis e permite-nos conhecer melhor cada uma das personagens deste excelente elenco que nos acompanha ao longo dos oito episódios.

Dispatch é com certeza uma excelente série de animação e um excelente jogo. Conquistou-me plenamente pela sua história e pelas personagens bem construídas, capazes de manter o interesse do início ao fim. O formato episódico, com dois capítulos lançados de cada vez ao longo das últimas semanas, trouxe de volta aquela sensação ansiosa, mas agradável, de esperar pelo próximo episódio, tal como acontece por vezes com as nossas séries preferidas. Quero deixar aqui os meus parabéns ao estúdio AdHoc Studio pela determinação e por nunca ter desistido deste projeto, que se juntou à minha lista de videojogos favoritos de 2025.











