
O parlamento britânico realizou esta semana um debate sobre a campanha Stop Killing Games, depois de uma petição ter reunido quase 200 mil assinaturas no Reino Unido. Apesar dos argumentos veementes apresentados por dezenas de deputados, a porta-voz do governo reiterou que não existe intenção de alterar as leis de proteção ao consumidor existentes.
A Stop Killing Games é uma iniciativa que desafia legisladores a introduzir leis que impeçam editoras de “destruir” videojogos que já venderam aos consumidores. Especificamente, a campanha pede legislação que obrigue jogos dependentes de servidores online a oferecer alternativas offline viáveis quando o suporte oficial termina, evitando que investimentos financeiros dos jogadores se percam completamente.
Os exemplos recentes não faltam. The Crew da Ubisoft foi desligado no ano passado sem qualquer forma de os proprietários continuarem a jogar.
Na Europa, a petição ultrapassou o milhão de assinaturas, provocando uma resposta da associação de lobbying da indústria de videojogos, que argumentou que seria legalmente arriscado e proibitivamente caro para os criadores de videojogos criar jogos de forma a poderem ser suportados quando o apoio oficial terminar.
Durante o debate parlamentar, vários deputados apresentaram argumentos contundentes sobre porque o governo deveria repensar como as leis protegem quem compra videojogos. Pam Cox, deputada por Colchester, foi direta: “O movimento Stop Killing Games destaca a frustração crescente entre jogadores que veem as suas compras desaparecer. É claro que a propriedade digital deve ser respeitada, e que as editoras devem procurar formas de permitir aos jogadores reter ou reparar jogos mesmo quando o suporte oficial termina”.
Henry Tufnell, deputado por Mid and South Pembrokeshire, instou o governo a considerar a importância cultural dos videojogos ao rever as proteções ao consumidor. “Concordo sobre a extensão em que os jogos têm uma identidade cultural, e que removê-los apaga uma herança cultural e artística vital para a sociedade e para a indústria em geral. Como os ativistas argumentaram corretamente, se todas as cópias de um livro, filme ou música fossem destruídas, veríamos isso como uma tragédia cultural. Devemos ver a perda de videojogos da mesma forma”.
Mark Sewards, deputado por Leeds South West and Morley, argumentou que os consumidores apenas pedem uma garantia “bastante simples” dos criadores de jogos: que não vão ficar subitamente sem nada depois de comprarem um jogo. “Não estou a exigir que as editoras mantenham servidores eternamente. Os ativistas não estão a pedir suporte técnico indefinido. Não estamos a pedir às empresas que continuem a despejar recursos num jogo com o qual acabaram. O que pedimos é bastante simples: que as editoras não possam deliberadamente desativar todas as cópias de um jogo que os consumidores já compraram, deixando-os sem nada”.
Petição europeia contra o encerramento definitivo de videojogos atinge 1,4 milhões de assinaturas
Sewards comparou a situação com uma impressora que deixa de receber suporte técnico mas continua a funcionar, contrastando com o que acontece nos videojogos: “É como se alguém comprasse essa impressora, e depois um dia o fabricante enviasse um sinal que deliberadamente a impedisse de funcionar completamente, alegando que chegou ao fim do suporte. Isso não é fim de suporte; é obsolescência planeada, que tem um significado completamente diferente”.
O deputado foi particularmente específico sobre The Crew: “O jogo não precisava de ser encerrado. A Ubisoft poderia ter lançado uma atualização com modo offline ou permitido servidores privados. No futuro, o pedido de muitos consumidores é simples: se a indústria planeia matar um jogo, deve garantir que os consumidores têm uma opção razoável para continuar a usar os seus produtos numa experiência para um jogador ou em servidores privados”.
A resposta do governo veio através de Stephanie Peacock, ministra para o desporto, turismo, sociedade civil e juventude. Apesar de reconhecer a força do sentimento por trás da campanha, deixou claro que não há planos para alterar a lei britânica. “O governo reconhece a força do sentimento por trás da campanha que levou ao debate. A petição atraiu quase 190 mil assinaturas. Campanhas semelhantes, incluindo uma Iniciativa de Cidadania Europeia, alcançaram mais de um milhão de assinaturas. Houve interesse significativo em todo o mundo”.
Peacock argumentou que jogos online modernos são “serviços dinâmicos e interativos — não produtos estáticos — e manter serviços online requer investimento substancial ao longo de anos ou mesmo décadas”. Segundo a ministra, porque os videojogos modernos são complexos de desenvolver e manter, implementar planos para jogos após o fim do suporte poderia ser “extremamente desafiante” para as empresas e arriscar criar “consequências não intencionais prejudiciais” para os jogadores.
A transferência de servidores online para consumidores poderia trazer riscos comerciais ou legais, afirmou, além de preocupações de segurança devido à remoção da moderação oficial da empresa. Quanto à questão da propriedade, Peacock alegou que os videojogos serem licenciados aos consumidores, em vez de vendidos, não é um fenómeno novo: “Nos anos 80, rasgar o plástico de uma caixa de um cartucho de jogos era a forma como os jogadores concordavam com termos de licenciamento”.
A ministra defendeu que a legislação existente, a Lei de Direitos do Consumidor de 2015 e a Lei de Mercados Digitais, Concorrência e Consumidores de 2024, já exige que a informação aos consumidores seja clara e correta. “A lei britânica é muito clara: exige que a informação aos consumidores seja clara e correta. O governo é claro que a lei funciona, mas as empresas podem precisar de comunicar melhor”.
Sobre a implementação obrigatória de planos de fim de vida para jogos sempre online, Peacock foi taxativa: tal mudança teria impactos técnicos negativos no desenvolvimento de videojogos, poderia desencorajar a inovação que é “o coração pulsante desta forma de arte”, e levantaria questões sobre quem seria responsável pela conformidade regulatória ou pagamentos a terceiros que fornecem serviços essenciais.
A ministra salientou ainda as implicações de segurança sob a Lei de Segurança Online de 2023, que responsabiliza as empresas de videojogos por controlar a exposição a conteúdo prejudicial nos seus jogos. Remover a moderação oficial de servidores ou permitir servidores mantidos pela comunidade aumentaria o risco de utilizadores, incluindo crianças, serem expostos a tal conteúdo.
Apesar de reconhecer o valor cultural dos jogos e apoiar iniciativas de preservação através de instituições como o National Videogame Museum e o Science Museum de Londres, o governo deixou claro que não considera proporcional ou exequível mandar implementar planos de fim de vida. A promessa feita foi apenas considerar pedir ao Chartered Trading Standards Institute para desenvolver orientações que ajudem empresas a garantir que a informação fornecida aos consumidores de videojogos reflete com precisão as proteções existentes.








