Aquilo que mais aprecio num remaster não se resume apenas às melhorias gráficas. O verdadeiro valor está nas alterações que, embora muitas vezes suaves, introduzem melhorias relevantes na qualidade do jogo. São mudanças como uma interface mais intuitiva, sistemas de combate mais responsivos ou a redução de problemas herdados dos títulos originais, que conseguem revitalizar um clássico sem lhe tirar a identidade. Um bom remaster não se resume apenas a uma nova camada sobre algo antigo, mas sim a uma oportunidade de aprimorar a experiência original, tornando-a mais acessível, fluida e agradável para o público atual.
Devil Summoner: Raidou Kuzunoha vs. the Soulless Army foi lançado para a PlayStation 2 em 2006 no Japão e em 2007 no Ocidente.
RAIDOU Remastered: The Mystery of the Soulless Army consegue ser um bom exemplo disso. Esta nova versão traz de volta um título de culto da Atlus, originalmente lançado para a PlayStation 2, transportando-o para os dias de hoje com uma série de melhorias técnicas e mecânicas.
Ambientada numa versão alternativa de Tóquio de 1931, chamada de Ano Taishō 20, a história segue o protagonista Raidou Kuzunoha XIV, um jovem aprendiz a detetive que herdou o cargo de Devil Summoner do seu clã. O seu propósito passa por proteger a capital de ameaças sobrenaturais, mantendo o equilíbrio entre o reino das sombras e o dos humanos.

Ainda que o enredo não atinja a mesma densidade de títulos como Persona ou Shin Megami Tensei, consegue cativar através do modo como desenvolve os seus mistérios. Aquilo que começa como uma investigação simples, o desaparecimento de uma jovem, rapidamente se transforma numa teia intrincada de conspirações, onde se cruzam experiências científicas, figuras ambíguas e forças ocultas provenientes de outras dimensões. É uma narrativa com reviravoltas, que mantém o interesse ao longo de toda a aventura e, como já é habitual nas obras da Atlus, mistura de forma única elementos do folclore japonês, referências históricas, problemas políticos e crítica social subtil mas presente.
A forma como o jogo entrelaça o lado investigativo com a sua dimensão mais misteriosa e sobrenatural é igualmente notável. Há um equilíbrio muito bem conseguido entre os momentos de investigação no mundo humano, em que seguimos pistas, interrogamos personagens e observamos os detalhes do dia-a-dia da cidade, enquanto em outros momentos temos de entrar no mundo sombrio, repleto de demónios, rituais obscuros e ameaças que desafiam a naturalidade das coisas.
As personagens secundárias que vamos abordando ao longo da aventura são também bastante carismáticas. Desde Gouto, o gato falante que serve de mentor e consciência de Raidou, até à persistente jornalista Tae, que nos auxilia ao longo dos casos com curiosidade e coragem, passando ainda pelos antagonistas ligados à conspiração, todos desempenham um papel crucial na construção do mundo e no ritmo da narrativa.
No entanto, as missões secundárias, embora poucas, acabam por ser o elemento mais fraco deste jogo. Muitas delas oferecem pouco ou nenhum impacto no enredo principal, algumas resolvem-se quase de imediato, por vezes no próprio diálogo em que se iniciam, o que quebra a imersão e deixa a sensação de serem tarefas pouco inspiradas.

Para muitos de vocês que estão acostumados aos RPGs por turnos da Atlus, vão encontrar algo diferente para 2006 em RAIDOU Remastered: The Mystery of the Soulless Army. O sistema de combate afasta-se das batalhas tradicionais por turnos e aposta numa abordagem em tempo real, onde temos controlo direto sobre Raidou. Podemos atacar com a katana ou com a pistola para ataques básicos, defender, esquivar, bem como invocar demónios para lutarem ao nosso lado. Tal como noutras obras da Atlus, o uso estratégico destes demónios continua a ser fundamental: é preciso explorar as fraquezas dos inimigos, aplicar buffs e debuffs no momento certo e escolher cuidadosamente os aliados que trazemos para o campo de batalha.
Este remaster trouxe ao combate uma interface mais clara e intuitiva, incluindo novos menus ligados aos demónios e às recentes habilidades de Raidou.
O combate foi um dos elementos que mais beneficiou desta versão remasterizada. Ao contrário do título original, Devil Summoner: Raidou Kuzunoha vs. The Soulless Army, agora é possível invocar dois demónios em simultâneo, o que acrescenta novas camadas de estratégia e variedade ao ritmo dos confrontos. Foram também introduzidas novas combinações de habilidades ao nosso protagonista, como ataques combinados, técnicas especiais e o uso de poderes elementares. Estas adições tornam o sistema mais robusto e fluido, aproximando-o dos padrões de ação dos RPGs contemporâneos, sem sacrificar a profundidade estratégica que caracteriza a série.
Para além das novidades já mencionadas, foram também inseridas duas barras na parte inferior do ecrã. A barra amarela representa a vida de Raidou, enquanto a barra verde corresponde ao nível de MAG. Esta última é particularmente significativa, pois é através desta energia que os nossos demónios conseguem executar os seus ataques durante o combate. Claro que para além de terem melhorado a inteligência artificial dos inimigos, contamos ainda com mais de 120 demónios, incluindo novas fusões no Dr. Victor.

Já a exploração é feita entre dois espaços distintos: a capital e o reino das sombras. Percorrer Tóquio dos anos 30 continua a ser uma experiência cheia de charme, com bairros animados, edifícios com identidade própria e personagens excêntricas que ajudam a construir uma atmosfera singular, algo que a produtora sempre soube fazer com mestria. Embora o mapa não seja particularmente vasto, há sempre algo novo a descobrir: locais inéditos, conversas alternativas, novos demónios e pequenos eventos que dão vida ao cenário.
Para além das funções de combate, cada demónio possui também uma aptidão especial que pode ser utilizada em contextos específicos da exploração. Alguns conseguem ler a mente dos NPCs, outros têm a capacidade de voar, encontrar objetos escondidos ou usar força bruta para contornar obstáculos. Estas habilidades acrescentam profundidade aos momentos de investigação, tornando-os mais ativos e interativos, quase como pequenos puzzles ambientais.
A exploração recebeu do mesmo modo várias mudanças. Onde antes os encontros aleatórios interrompiam frequentemente o ritmo da experiência, agora os inimigos surgem visivelmente no mapa, permitindo escolher se queremos evitá-los ou enfrentá-los. O sistema de fast travel, anteriormente limitado e demorado, está agora também disponível desde os primeiros momentos da aventura, tornando a navegação mais prática, fluida e agradável.

Sendo um remaster, não poderiam faltar as melhorias na qualidade gráfica. Neste ponto, Raidou Remastered consegue modernizar o seu aspeto mantendo-se fiel à estética da era PlayStation 2, mas agora com uma apresentação mais nítida e cuidada. Visualmente, representa com muita competência a Tóquio dos anos 30: desde as roupas típicas da época aos automóveis, passando pela arquitetura dos edifícios ao estilo art déco, tudo contribui para uma recriação histórica convincente, ainda que sempre filtrada através do olhar sobrenatural e estilizado da companhia japonesa.
A nova definição em HD dá uma nova vida à direção artística, com contrastes mais marcantes, texturas aprimoradas e modelos de personagens e demónios mais detalhados. As animações, tanto em combate como durante as cutscenes, também receberam um ligeiro tratamento, apresentando-se agora com melhor fluidez e estabilidade. Embora não se trate de uma reimaginação total em termos visuais, as melhorias aplicadas contribuem para uma experiência mais imersiva.
A banda sonora, composta por Shoji Meguro, continua a ser um dos elementos que mais aprecio no jogo, uma mistura habitual de jazz com temas tradicionais japoneses e um toque eletrónico que encaixa perfeitamente na sua atmosfera misteriosa. Os efeitos sonoros foram igualmente polidos, com ataques, invocações e interações a soarem mais nítidos que no passado.
Associado à parte sonora, importa referir que foi adicionado pela primeira vez ao jogo o voice acting em inglês, que por sinal fizeram um óptimo trabalho em dar ainda mais personalidade aos personagens. No entanto, continuo a achar que a dobragem em japonês faz mais sentido e encaixa melhor na cultura representada.

O único defeito que encontrei foi a ausência de legendas em português neste remaster. Pode parecer repetitivo, mas a ausência deste elemento pode dificultar a experiência para os jogadores que não dominam outras línguas, especialmente num jogo tão dependente de narrativa e diálogos como Raidou Remastered. Apesar de haver este cuidado em outros títulos anteriores, espero que em futuros remasters ou lançamentos a Atlus tenha atenção a este detalhe, garantindo uma experiência mais abrangente para todos os jogadores.
Depois de ter caído no esquecimento durante mais de 20 anos, RAIDOU Remastered: The Mystery of the Soulless Army é uma aposta acertada da Atlus. Este remaster do spin-off da série Shin Megami Tensei trouxe melhorias relevantes para o combate e exploração, tornando a experiência mais dinâmica e fluida. Os gráficos e o áudio aprimorados renovam a atmosfera única do jogo, sem esquecer a adição do voice acting em inglês, que acrescenta ainda mais personalidade às personagens. Apesar da ausência de legendas em português e das missões secundárias serem demasiado simples, este é um excelente exemplo de como uma remasterização de um jogo deve ser feita.
Fico a aguardar com grande expectativa o segundo título desta série, e espero que no futuro, a Atlus decida lançar a duologia Shin Megami Tensei: Digital Devil Saga para que possamos continuar a experimentar estes clássicos.