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    Sakura Kasugano, a emancipação feminina nos jogos de luta

    A personagem Sakura Kasugano, da série Street Fighter, desempenhou um papel fundamental na aproximação e emancipação do público feminino nos jogos de luta. Em 1995, no Japão, os salões de arcada começaram a expandir-se em larga escala e deixaram de existir apenas em cafés e pequenas lojas. Este fenómeno levou a uma explosão de jogadoras, sobretudo estudantes do ensino secundário, que passaram a frequentar arcadas e a consumir videojogos com regularidade. Apesar dos jogos de luta serem bastante populares, e embora existisse Chun Li, faltava-lhes uma figura feminina com a qual esta nova geração se pudessem realmente identificar. Foi neste contexto que Akira “Akiman” Yasuda, um célebre ilustrador da CAPCOM, decidiu criar Sakura Kasugano para preencher essa lacuna.

    Akiman inspirou-se em Ryu, a personagem mais popular da série, e partiu da ideia de criar uma “versão feminina” sua. Contudo, rapidamente percebeu que a seriedade e introspecção de Ryu não se adequavam a uma personagem destinada a um público jovem e maioritariamente feminino. Assim, optou por desenvolver uma jovem energética, inocente, sonhadora e optimista, características que a aproximavam muito mais das adolescentes japonesas da época. O nome “Sakura”, associado às flores de cerejeira, reforçava essa sensação de juventude, frescura e renovação que alinhava com o espírito da personagem.

    O design de Sakura foi diretamente influenciado por Sailor Moon e pelo quotidiano das estudantes japonesas. Uniforme escolar típico, cabelo curto para transmitir uma personalidade mais descontraída e de “maria-rapaz”, sapatilhas “All Star” vermelhas e bloomers da mesma cor, não só para dar um toque de energia e contraste visual com a saia azul, mas também para criar um apelo adicional junto do público masculino. A escolha da fita branca na testa foi particularmente simbólica. Como Sakura era encarada como uma principiante nas artes marciais, Akiman optou pelo branco, que nas artes marciais representa o início, o potencial e o despertar de uma viagem.

    A paleta de cores da Sakura foi meticulosamente propositada para referenciar todos os seus elementos

    Embora inspirada em Ryu, Sakura não é simplesmente um “Ryu feminino”. Em termos narrativos, representa o impacto que um herói pode ter sobre as pessoas comuns. Onde Ryu simboliza uma busca solitária pela perfeição, Sakura simboliza o entusiasmo de quem se inspira num ídolo e decide trilhar o seu próprio caminho. A relação entre os dois não é apenas romântica ou de admiração juvenil, é também uma ligação emocional e filosófica, em que Sakura recorda a Ryu o propósito original da sua viagem, ao mesmo tempo que procura um modelo de disciplina e força interior, também foi crucial para Ryu não ceder ao “Dark Hadou” como pudemos ver no final de Street Fighter Zero 3 (Street Fighter Alpha 3)

    O estilo de combate de Sakura reforça esta ideia de crescimento e improviso. Embora tente imitar os golpes icónicos de Ryu, como o Hadouken e o Tatsumaki, as suas versões são menos polidas e mais instáveis, o que ilustra a falta de treino formal e a espontaneidade própria da personagem. Esta abordagem tornou-a particularmente apelativa, quer para jogadoras iniciantes que se reviam na própria personagem, como para jogadores experientes que apreciavam as nuances e uma diferença significativa de ritmo.

    A receção da CAPCOM à personagem foi tão positiva que Sakura se tornou uma das grandes protagonistas de Street Fighter Zero 2 (Street Fighter Alpha 2), lançado em 1996. Para muitas jovens, era finalmente possível escolher uma personagem que partilhava a sua aparência, valores e energia, o que teve um impacto significativo na presença feminina nos jogos de luta. A partir daí, a sua popularidade disparou e Sakura tornou-se numa das personagens mais queridas de toda a série. Participou em múltiplos jogos que incluem crossovers, tais como Rival Schools, Marvel vs. Capcom e Project X Zone, protagonizou várias bandas desenhadas da Udon e tornou-se numa das lutadoras mais requisitadas pelos fãs. Em Street Fighter V, por exemplo, foi a personagem que recebeu mais votos quando os produtores perguntaram ao público quem gostariam de ver regressar e creio que deve regressar em Street Fighter 6, apesar do seu final platónico. Mais tarde foi o molde para a criação de outra personagem, Karin Kanzuki, a contraparte de Ken Masters no feminino.

    Até a produção de Street Fighter Zero 2 colocou a Sakura como poster girl do jogo

    Ao longo dos anos, Sakura foi também uma das poucas personagens da série a demonstrar evolução real. Na era Zero (Alpha) era uma estudante de liceu, em Street Fighter IV era uma jovem mais ligeiramente madura, ainda à procura de Ryu, e em Street Fighter V tornou-se adulta e instrutora de educação física que passa por um arco narrativo mais humano, onde questiona o seu futuro, os seus objetivos e o sentido da sua viagem. Para descobrirmos mais sobre a personagem temos de viajar muito atrás, mais especificamente a Marvel Super Heroes Vs Street Fighter, onde o seu final revela que é mãe e o seu filho descobre uma foto da sua juventude quando derrotou Cyber Akuma.

    No final, Sakura Kasugano acabou por se tornar muito mais do que uma simples personagem inspirada em Ryu. Representa o potencial, o entusiasmo juvenil, o impacto dos ídolos e, sobretudo, a entrada do público feminino num género que durante muito tempo foi dominado por homens. Meticulosamente desenhada e profundamente humana, Sakura permanece uma das personagens mais simbólicas e influentes da história de Street Fighter e dos jogos de luta.

    Bruno Reis
    Bruno Reis
    Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.

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