Análise de Shenmue III por Bruno Reis.

Existe uma estranha desconexão com Shenmue III com os anteriores capítulos, na qual eventos que decorreram por mais de uma década, não são recebidos como esperávamos. Simplesmente voltamos a encontrar Ryo e Shenhua, como se nada fosse, sem seguimento dos eventos finais do segundo jogo, e como se tivessem sido apenas passados alguns meses.

Por conseguinte e sem surpresa um dos elementos mais fracos desta nova entrega vem ao de cima, que é a sua história. Sem grandes rodeios esta apresenta menos elementos e localizações do que vivemos nos capítulos anteriores. Ryo movimenta-se de localização em localização sem uma motivação digna desse nome. Este elemento culmina novamente no seguimento dos capítulos anteriores, ou seja, as suas pistas levam-no a um gangue de rufias com ligações com o cartel chinês Chi You Men, que no que lhe concerne o conduz a Lan Di, o assassino do seu pai, e consequentemente noutra tentativa de vingança sem efeito. Infelizmente e para manchar ainda mais a pintura, as personagens introduzidas em Shenmue II, também são praticamente inexistentes. O que conseguimos recolher no máximo, é confirmar alguns acontecimentos ou elementos que já conhecíamos, o que realmente é uma pena, pois as mesmas expandiram exponencialmente o mundo e história de criado por Yu Suzuki, espero que de futuro surjam DLC para as mesmas e que para que muitas perguntas sejam finalmente respondidas. Basicamente o que sentimos com esta entrega é uma ponte até outra, mas que ainda é inexistente.

Muitos podem fazer a pergunta do que tratou afinal Shenmue III? Estará este estilo de jogo datado e só capitalizou pela nostalgia dos seus fãs? Uma coisa é certa Shenmue III, pegou em todos os elementos das suas aventuras anteriores, moldou-os em pequenas doses refinando os seus melhores atributos.

Um bom exemplo é o seguinte, ao sair de casa de Shenhua, é introduzido ao jogador, diversas localizações que o Ryo frequenta regularmente, como o Dojo, lojas ou as aldeias locais. Com um simples toque de botão o nosso amigo não só chega a hora certa, como evita percorrer caminhos desprovidos de conteúdo. Embora para os mais nostálgicos pareça um efeito vazio e imediato, evita caminhar sem nexo e contribuir para aquela tradicional fadiga quotidiana que o jogo introduziu ao mundo a quase duas décadas atrás. Outro efeito moderno bem empregue neste jogo, foi a utilização de um botão para saltarmos o resto do dia para assim chegar a tempo e horas até ao próximo evento. Este contribuiu para não só evitar momentos “filler”, ou seja, fazer algo ou ficar a espera até chegar a hora exata, como não falhar o mesmo, algo que me aconteceu com frequência e confesso que fiquei frustrado nos capítulos anteriores. Embora Shenmue III, corte alguns moldes do seu passado em prol de uma era mais moderna e imediata, a sua herança ainda é sentida. É maravilhoso assistir ao quotidiano deste mundo. Os habitantes seguem o seu dia a dia com tarefas como ir trabalhar nos campos, ou ficar de guarda as portas da aldeia. As crianças saem cedo para brincar depois vão a correr para ir à escola, e todos a hora de almoço ou jantar reúnem-se em restaurantes ou bares para tomarem as suas refeições. É fantástico como Shenmue III, encara o seu pequeno mundo polvilhando-lhe muita vida mesmo que seja apenas com estes detalhes amparou o efeito que embora seja em escala menor, foi mais gratificante e único quando comparado a muitas superproduções modernas em mundo aberto. Shenmue III assemelha-se assim uma evolução do género incerta em moldes de ação/aventura numa era onde o estereotipo de jogos desta não são aventuras em mundo aberto, produções da Rockstar Games, ou Ubisoft, por exemplo. Talvez agora a melhor forma de caracterizar Shenmue III, é tratar-se um jogo de detetives com algumas cenas de ação pelo meio. É interessante agora que L.A Noire existe, verificar onde o clássico da Rockstar foi procurar grande parte dos seus moldes. Entre usar o quotidiano para investigação, questionar e procurar pistas, também temos de bem presentes outros dois grandes fatores na vida de Ryo, a sua força e resistência. Estes podem ser melhorados através de um sistema de recompensas cíclico muito gratificante e até por vezes até bastante viciante.

Estes elementos giram a ligar as pontas de uns, a outros. Ryo nesta nova aventura precisa de alimentos para restabelecer a sua saúde ou resistência, e diversos pergaminhos para aprender novas técnicas, os quais custam pequenas fortunas, ou apenas podem ser adquiridos com a troca de alguns itens nas lojas de penhores. Para alcançar estes objetivos o jogador é forçado a trabalhar em regime de tempo parcial em diversos trabalhos como cortar lenha ou conduzir empilhadores, como ainda participar numa série de minijogos, os quais fazem uma pequena aldeia da China parecer uma grande avenida de casinos de Las Vegas. Estes surgem de todas as formas e feitios desde acertar com pedras em baldes, a uma mini-roleta, até existe uma corrida de tartarugas vejam bem! Assim com os frutos do seu esforço, Ryo consegue o tão ansiado dinheiro e itens para melhorar a sua técnica e força. Ainda durante estas atividades o jovem pode encontrar diversas sidequests, como ajudar um menino a comprar um medicamento para curar a sua família, ou frequentar o dojo, participando em pequenos combates contra monges para subir de escalão e treinar com os mesmos para aperfeiçoar técnicas adquiridas nos pergaminhos. Este ciclo culmina no aumento do nível de Kung Fu, que consiste não só na força e resistência como também no domínio das várias técnicas de luta, cujas serão vitais para Ryo vencer alguns dos melhores e estranhos guerreiros.

É com base nestes como um núcleo é que verdadeira força de Shenmue III vem ao de cima, ou seja, a sua densidade e população periódica das suas áreas. Ao passo que nos capítulos anteriores tínhamos de encontrar gente na rua para indicar-nos onde se situava uma localização, neste capítulo a interação com os mesmos não é muito longínqua. O jogo até inicialmente previne o jogador da exploração e expansão de novas áreas numa forma digna do seu contexto, numa tentativa de não intimidar demasiado com a sua dimensão.

Felizmente, este mundo é moldado através de um novo motor de jogo, que contribuiu para excelentes efeitos de luz e modelos de texturas absolutamente fantásticos devido ao uso do célebre Unreal Engine 4. Contudo, inexplicavelmente algumas texturas em ambientes de menor importância como interiores e telhados de casas parece que apenas receberam uma pintura HD semelhante ao que conhecemos na Sega Dreamcast e presente no pacote HD dos dois primeiros jogos. No entanto, Shenmue III, sofre de problemas bem mais graves, e que certamente deveriam receber mais atenção, falo da animação e expressões faciais. Arrisco-me a dizer que as últimas são heranças da Sega Dreamcast. A maneira como o fluxo de jogo por vezes é completamente parado também é do mais estranho. Logo no início acompanhamos Shenmue até a vila depois de visualizarmos gravuras gigantes de ambos os espelhos numa gruta. Durante essa viagem a dupla para uns momentos e conversa várias vezes pelo caminho. O grande problema aqui e na maioria dos diálogos, é que as perguntas dão a ideia de serem respondidas através transições entre planos, quase como existisse um ligeiro carregamento de dados, dando um aspeto bastante rudimentar. Juntando-se uma escrita muitas vezes sem nexo, principalmente quando as personagens que se vêm todos os dias chamam pelo nome um do outro insensatamente durante o diálogo, enquanto as suas expressões faciais resumem-se a umas quatro a cinco animações. Os modelos de personagens também apresentam um efeito misto, enquanto os corpos, caras (especialmente os femininos) e roupas estão dentro dos padrões modernos, os cabelos, e a maioria de NPC menos importantes, infelizmente não foram tão refinados como deviam.

Felizmente no departamento sonoro e respeitante a música pouco de negativo podemos assinalar. As faixas transportam-nos imediatamente para os ambientes do jogo, sejam mais urbanos como a cidade de Chobu, como campestres como a aldeia de Bailu. Detalhes como o ouvir crianças no horizonte a brincar enquanto vão se aproximando e a suas vozes e risos vão-se a ouvir cada vez mais nitidamente foram muito bem conseguidas, apoiando ainda mais para o efeito de vida do jogo. Para o melhor ou pior, os atores das duas primeiras entregas regressam. No meu caso e para conseguir aguentar algum dos seus diálogos modifiquei o áudio para japonês, interpretem como entenderem este fator, realmente desconheço se este efeito foi propositado, vou encarar com sim por motivos nostálgicos.

Respeitante à jogabilidade apenas me deu a impressão que existe por existir. Que esta afirmação não seja mal-encarada! Ryo movimenta-se bem pelos diversos campos e cidades, mas é no combate que notei mais esta deficiência. Muitas vezes o pressionar de botões não foi sequer canalizado para o jogo. Este acontecimento pode até frustrar o jogador mais paciente, isto porque muitas vezes numa cadeia de golpes muitas das ocasiões apenas o último comando é aceite pelo jogo, os diversos QTES, que surgem a um ritmo constante não são responsivos, e os desviar de ataques não é de todo eficaz. Mesmo com um botão dedicado de defesa não ajudou muito em alguns combates mais complicados. O melhor mesmo para prosperar nos mesmos é treinar Ryo, durante dias e dias, para acabar com as suas ameaças com o menor número de golpes. No final o sentimento que o jogador tem é que não sente em total controlo do jovem Hazuki, é uma pena porque sendo parte integrante do já mencionado movimento cíclico do jogo, não foi tão bem orquestrado.

Quanto à versão de PC analisada, felizmente não parece sofrer problemas de otimização, o jogo é apresentado em resoluções altas até 4K e sem perda de quadros de animação mantendo-se sempre na ordem dos 60. Apenas o único senão é que as suas opções gráficas estão barradas a níveis pré-estabelecidos, não permitindo a modificação de elementos em áreas específicas como sombras ou texturas. Infelizmente também não existe suporte HDR para já.

No final de contas Shenmue III foi um produto entregue atendendo as prioridades e a pressão nostálgica dos seus fãs que apoiaram a sua criação através do Kickstater. A YS Net essencialmente criou um jogo a imagem das expetativas dos seus fãs negligenciando quase todas as outras demografias. Existe um grau de familiaridade tão grande que nem sentimos que se passaram 18 anos, tudo parece intacto. Não é que para o resto do público Shenmue IIIseja um mau jogo, longe disso, apenas é inconsistente em algumas áreas as quais que não parecem ser o caso do resultado financeiro alcançado no Kickstater. Dito isto esta parte apenas parece uma introdução a algo muito maior, esperemos que se trate de um futuro Shenmue IV, e que chegue bem mais depressa do que este capítulo.

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