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    The Game Awards 2025 tem o potencial de mudar a indústria dos videojogos para sempre

    Pela primeira vez na história deste evento, assistimos a uma lista de candidatos a Jogo do Ano, e a várias outras categorias, amplamente dominada por títulos indie e AA. Estas escolhas estão longe de ser mera coincidência, com a exclusão de Donkey Kong Bananza e Death Stranding 2: On the Beach, os únicos representantes AAA, toda a seleção é composta por estúdios estreantes e projetos de baixo ou médio orçamento.

    Contudo, para compreendermos como chegámos até aqui, e porque acredito que, a partir deste ponto, a indústria tem agora a oportunidade de se reestruturar e reinventar, é necessário recuar sensivelmente uma década. Em 2015 vivíamos o auge dos jogos de mundo aberto. The Witcher III: Wild Hunt, Fallout 4 e até Assassin’s Creed Syndicate movimentaram vendas colossais e demonstraram que o caminho dominante na indústria passava por produções de grande escala e orçamentos cada vez mais elevados, uma tendência que seria posteriormente reforçada por colossos, tais como Red Dead Redemption 2 e God of War (2018).

    No entanto, no horizonte emergia aquilo a que gosto de chamar o “segundo impacto indie”. Títulos como Undertale, Ori and the Blind Forest e Rocket League deram continuidade ao legado deixado por Shovel Knight, Celeste e Guacamelee! e provaram que os videojogos podiam permanecer simples, acessíveis e profundamente divertidos, mesmo sem o peso de um orçamento AAA. Como bónus também permitiram a ressurreição de géneros e Ips esquecidos e de renome com margem de financioamente “seguro”, tais como género brawler, com jogos da Streets of Rage e Final Fight.

    Trailer de lançamento de Streets of Rage 4

    Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de jogos AAA tornava-se não só cada vez mais dispendioso, como também mais moroso e exigia equipas maiores e ciclos de produção que se estendiam por vários anos. Para manterem o interesse vivo, muitos estúdios passaram a apostar em DLC e expansões como forma de prolongar o ciclo de vida dos seus projetos. Até que, a certa altura, alguém decidiu tentar emular, e consequentemente capitalizar, o sucesso crescente dos gacha games. Mas essa tendência acabou por abrir fissuras onde menos se esperava, no coração da própria comunidade de fãs.

    Um dos melhores casos para ilustrar esta condição é a série Dragon Age que resultou de um conjunto de fatores que se foram acumularam ao longo de décadas. Muitos sentiram que a série perdeu parte da sua identidade e afastaram-se das raízes de RPG clássico assentes em escolhas profundas, combate tático e narrativa densa e aproximaram-se de modelos mais genéricos de mundo aberto e sistemas de ação menos estratégicos. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de Dragon Age: Dreadwolf foi marcado por comunicação errática, longos períodos de silêncio e informações contraditórias e criou a impressão de um projeto instável. A saída contínua de escritores, diretores criativos e produtores que haviam moldado o espírito original da série reforçou esses receios que levaram a comunidade a acreditar que a visão que definiu os primeiros jogos se estava a perder.

    A todo este cenário juntaram-se rumores insistentes de que o jogo teria sido, em fases anteriores, orientado para elementos de “live service” e mecânicas inspiradas em games “as a service”, tendência que muitos fãs vêm como incompatível com um RPG narrativo. A confiança na BioWare já estava fragilizada pelo lançamento problemático de Mass Effect: Andromeda e, sobretudo, pelo fracasso de Anthem, o que aumentou ainda mais o ceticismo em torno de de Dragon Age: Dreadwolf. Com expectativas extremamente elevadas e anos de espera, qualquer sinal de incerteza ou desvio de rumo foi suficiente para amplificar a frustração. No conjunto, os fãs irritaram-se porque sentem que Dragon Age perdeu direção, perdeu vozes criativas importantes e perdeu o foco no que sempre a diferenciou tudo isto enquanto a comunicação oficial falhou em transmitir segurança e clareza sobre o futuro da série.

    Outra série de grande sucesso que sofreu com todos estes elementos foi Fallout. Depois de Fallout 3 ter redefinido a série com sucesso, muitos jogadores sentiram que Fallout 4 simplificou demasiados sistemas de RPG e apostou mais na ação e menos na profundidade narrativa que sempre caracterizou o universo pós-apocalíptico. Porém, o ponto de rutura real surgiu com Fallout 76, um projeto lançado num estado técnico desastroso, repleto de bugs, sem NPCs tradicionais e dependente de mecânicas online que desvirtuavam aquilo que os fãs esperavam de um Fallout. Para muitos, o jogo representou não só uma quebra de qualidade, mas também um sinal evidente de que a série estava a ser moldada para seguir tendências de mercado em detrimento do seu ADN original. Acrescentem-se ainda polémicas como as estratégias agressivas de monetização, erros de comunicação, promessas falhadas e edições de colecionador problemáticas, e compreende-se porque a confiança na marca ficou seriamente abalada. Na sua essência, os fãs irritaram-se porque sentiram que Fallout deixou de ser um RPG centrado em escolhas, atmosfera e narrativa para se tornar num produto inseguro do ponto de vista técnico e frequentemente orientado para modelos comerciais que não correspondem às expectativas da sua base histórica de jogadores.

    Fallout 4 - DLC Automatron - trailer

    Enquanto este ceticismo se espalhava pela indústria, o mercado indie continuava a florescer. Novos projetos e estúdios surgiam com regularidade e receberam grande aclamação por parte de jogadores cansados de promessas vazias e lançamentos incompletos. Com a extinção definitiva da E3 e a confirmação de que formatos digitais, como directs e apresentações online, eram mais do que suficientes para divulgar novos títulos, os jogos independentes passaram a depender cada vez mais destes canais para promover o seu trabalho. Esta mudança não só democratizou o acesso à visibilidade, como permitiu que projetos de baixo e médio orçamento competissem, de igual para igual, pela atenção do público. Para reforçar estes novos canais de comunicação, surgiram ferramentas e práticas que aproximaram ainda mais os criadores do público.

    Aplicações como o Discord, programas de Early Access e até eventos presenciais dedicados permitiram não só recolher críticas diretamente da comunidade, mas também envolver os jogadores no próprio processo de desenvolvimento, ainda que de forma ativa-passiva. Esta participação tornou-se uma parte fundamental da evolução dos projetos e ajudou inúmeros estúdios independentes a ajustar mecânicas, equilibrar sistemas e melhorar a experiência final com base no feedback real dos utilizadores. Do outro lado, práticas nefastas tornaram-se cada vez mais comuns, ou seja, lançamentos sem otimização adequada, jogos de mundo aberto cada vez mais vazios e experiências que chegavam ao mercado claramente inacabadas passaram a ser vistos quase como norma e gradualmente os projetos indie receberam mais dimensão, divulgação e projeção até com transmissões dedicadas a produtoras e editoras, tais como a Future Games Show da GamesRadar.

    Contudo, havia um obstáculo que muitos estúdios independentes ainda enfrentavam, o aspeto visual. Durante anos, produzir gráficos de alta qualidade exigia equipas grandes, ferramentas caras e pipelines complexos. Felizmente, com o surgimento de tecnologias cada vez mais acessíveis e sofisticadas, esse problema acabou por ser praticamente eliminado. Motores de desenvolvimento, tais como o Unity ou o Unreal Engine 5 democratizaram o processo e permitiram que estúdios com equipas reduzidas criassem experiências visuais com um nível de requinte próximo do de um projeto AAA, mas com uma fração dos recursos humanos e financeiros.

    No auge deste novo horizonte criativo começaram também a surgir programas de desenvolvimento dentro das próprias empresas, tais como o China Hero Project, da Sony Interactive Entertainment, e a Tokyo RPG Factory, da Square Enix. Estes movimentos abriram portas para que mercados emergentes, especialmente na Ásia, com destaque para a China e a Coreia do Sul, e na América do Sul, em países como o Brasil e o Chile, passassem a produzir jogos robustos, capazes de competir de igual para igual, e por vezes até superar, produções de elevado orçamento. Black Myth Wukong e Stellar Blade são dois destes melhores exemplos.

    Com isto chegamos a 2025 e ao lançamento do aclamado Clair Obscur: Expedition 33. Desenvolvido pelo estúdio independente Sandfall Interactive, o jogo conseguiu oferecer uma experiência visual impressionante, com uma atmosfera sombria e detalhada, ao mesmo tempo que entregava uma narrativa profunda e personagens memoráveis. A gameplay, baseada em combate por turnos introduziu com mecânicas modernas, tais como o parry, que agradaram quer os fãs de RPG clássicos como quem procurava experiências mais acessíveis. Desta leva, o jogo criou um equilíbrio que poucos jogos independentes conseguem atingir. adicionalmente, o sucesso comercial do jogo rapidamente demonstrou que estúdios de baixo ou médio orçamento podem competir com produções AAA quando existe qualidade e ambição artística. Clair Obscur: Expedition 33 também provou que os indies podem não só criar experiências robustas, como também capturar aquela “magia” emocional que define os grandes JRPGs que envolve os jogadores de forma imersiva e mantendo-os investidos no mundo, na história e nos personagens. Esse conjunto de fatores explica por que o título foi tão aclamado e é visto como um marco que demonstra o potencial real dos estúdios independentes para redefinir os padrões de qualidade e originalidade na indústria de videojogos. Para reforçar esta tendência Hollow Knight Silksong, Hades II e Kingdom Come: Deliverance II fazem parte da lista de candidatos ao lado de 2 experiências de elevado orçamento Death Stranding 2: On the Beach e Donkey Kong Bananza.

    O The Game Awards 2025 tem o potencial de moldar significativamente o futuro da indústria dos videojogos nos próximos anos ao ir muito além da simples celebração de lançamentos e vencedores. A transmissão global expandida, especialmente através da Prime Video, permitiu que milhões de pessoas em mais de 200 países acompanhassem o evento, consolidando-o agora como um palco principal da indústria. Um dos efeitos mais notáveis foi o destaque dado não apenas aos grandes jogos AAA, mas também a estúdios indies e AA, que receberam visibilidade global sem precedentes. Jogos independentes e médios, muitas vezes mais ousados em criatividade, narrativa e design de mecânicas vão ter a chance de alcançar públicos ainda maiores, transformar vendas e consolidar os seus estúdios para incentivar a produção de títulos mais experimentais e inovadores e um advento a novos mercados como o Europeu.

    Adicionalmente, a crescente atenção do evento para a diversidade, inclusão e acessibilidade pressiona a indústria a investir em melhorias concretas. Ferramentas de acessibilidade passam a ser consideradas padrões de desenvolvimento, motores de jogo oferecem kits completos para jogadores com deficiências visuais, auditivas e motoras, e categorias específicas do prémio podem incentivar redefinições de preços uma era onde um jogo custa 79,99 €. O reverso também pode acontecer com os jogos de elevado orçamento a receberem o troféu e demonstrarem que para levar até aos jogadores a experiência são necessários muitos fundos e ciclos de desenvolvimento.

    O evento também redefine o calendário de lançamentos, já que diversos estúdios procuram sincronizar estreias com o hype do evento, numa altura que Geoff abriu espaço para regiões emergentes, tais como América Latina, África e Sudeste Asiático, e oferecer visibilidade global a estúdios que antes não tinham espaço na indústria principal. Países como Brasil, México, Chile e Colômbia vão a mesma visibilidade global dos tradicionais mercados da indústria que historicamente foram centrados nos EUA e Japão.

    Estes são os nomeados para os The Game Awards 2019

    Em resumo, o The Game Awards 2025 pode desencadear uma “era de ouro” para os indies e AA, incentivar a diversidade de jogos, inovação criativa e experimentação narrativa, além de impulsionar a acessibilidade e a representação, enquanto fortalece a narrativa cinematográfica nos jogos, transforma o evento em referência central de marketing e hype, e coloca regiões emergentes no mapa global da produção de videojogos. Se Clair Obscur: Expedition 33, ou outra experiência indie levar a estatueta de jogo do ano sem dúvida que vai impulsionar a década mais inclusiva, criativa e diversificada com o talento e inovação de estúdios menores para criar oportunidades únicas para jogadores e criadores. Este advento vai ter a sua resposta na madrugada do dia 12 de dezembro às 0:00 quando o sempre entusiasta Geoff Keighley, os inevitáveis Marretas e uma festa de contornos holywoodianos iniciar a sua transmissão. Se tal acontecer voltaremos a este artigo em 2030.

    Bruno Reis
    Bruno Reis
    Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.

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