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    Estados Unidos lideram pirataria de mangá e colocam em risco planos de exportação do Japão

    317 milhões de visitas mensais, como os americanos se tornaram os maiores piratas de mangá do mundo

    Rin Kurusu screenshot Believer draw manga (3)

    Os americanos tornaram-se o principal obstáculo aos planos ambiciosos do Japão para transformar o mangá e anime numa indústria de exportação tão lucrativa quanto a dos automóveis. Um novo relatório da Authorized Books of Japan (ABJ), grupo anti-pirataria apoiado pelo governo japonês, revela que os Estados Unidos ocupam o terceiro lugar mundial no consumo de mangá pirata, com 317 milhões de visitas mensais a sites ilegais.

    A análise, conduzida pela Photonic System Solutions em junho de 2025, examinou 914 sites de pirataria ativos e contabilizou 2,85 mil milhões de visitas mensais globais. O Japão lidera com 390 milhões de visitas, seguido pela Indonésia com 327 milhões, mas é o poder de compra dos consumidores americanos que preocupa as editoras japonesas. Enquanto os utilizadores indonésios têm menos capacidade financeira, os americanos representam o mercado com maior potencial de receita perdida.

    O timing não podia ser pior para Tóquio. O governo japonês anunciou uma estratégia Cool Japan renovada que pretende quadruplicar as vendas internacionais de anime, mangá e videojogos até 2033, atingindo 20 triliões de ienes (cerca de 133 mil milhões de dólares). Os responsáveis governamentais comparam explicitamente esta meta ao valor atual das exportações da indústria automóvel japonesa, uma declaração que demonstra a seriedade com que encaram o potencial económico da cultura pop.

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    A normalização da pirataria

    Mais alarmante que os números é a naturalização do comportamento ilegal. Um inquérito comportamental da ABJ descobriu que 30% dos leitores americanos de mangá admitem usar aplicações ou sites não autorizados para aceder a conteúdo. Quando questionados sobre as razões, a resposta mais comum foi “poupar dinheiro”.

    A descoberta sugere que os piratas americanos não são necessariamente ignorantes sobre questões de direitos de autor. Pelo contrário, fazem uma escolha financeira calculada. O Google Search foi identificado como o principal método de descoberta de sites piratas, enquanto o YouTube surgiu em segundo lugar, com quase metade dos utilizadores inquiridos a usar a plataforma de vídeo para encontrar mangá ilegal.

    Para quantificar o impacto económico, o relatório da ABJ utiliza uma fórmula controversa mas eficaz para chamar a atenção das autoridades. Os investigadores calcularam que, em junho de 2025, foram gastas 700 milhões de horas em sites piratas. Multiplicando esse tempo pelo número de mangás que podem ser lidos por hora e pelo custo médio de um volume (500 ienes, cerca de 3,25 dólares), chegaram a 704,8 mil milhões de ienes de prejuízos mensais, o equivalente a 4,5 mil milhões de dólares.

    Por ano, o valor atinge os 55 mil milhões de dólares. Este montante supera as estimativas de danos causados pela pirataria nas indústrias do cinema ou da música, o que levanta sobrancelhas até entre analistas.

    A metodologia baseia-se na clássica e controversa falácia da “venda perdida”, assumindo que cada hora passada num site pirata teria resultado na compra de dois volumes de mangá ao preço de retalho. Na realidade, não existe um efeito de substituição de 100%. O relatório também não considera diferenças regionais, sugerindo que a pirataria nos EUA, Indonésia e outros países tem o mesmo impacto económico.

    Independentemente da precisão económica, o número de 55 mil milhões de dólares certamente consegue captar a atenção das autoridades japonesas e aumentar a pressão sobre outros detentores de direitos.

    Empresas americanas no centro da tempestade

    O relatório não se limitou a apontar os consumidores. A ABJ examinou também as empresas que, inadvertidamente ou não, facilitam a pirataria. A Namecheap, registadora de domínios americana, foi usada por 27% dos sites analisados, seguida pela Namesilo (5%) e GoDaddy (5%).

    Mais significativo foi o papel da Cloudflare, identificada em 73% dos sites através dos seus endereços IP. Embora a empresa californiana não aloje necessariamente estes sites, é comummente utilizada como CDN (Content Delivery Network) para distribuir conteúdo de forma mais eficiente.

    A questão da responsabilidade dos intermediários não é meramente teórica. Em novembro de 2025, um tribunal de Tóquio ordenou à Cloudflare o pagamento de aproximadamente 500 milhões de ienes (3,2 milhões de dólares) em indemnizações às editoras Shueisha, Kodansha, Kadokawa e Shogakukan. O tribunal considerou que a empresa tinha falhado em tomar medidas adequadas para impedir a pirataria de mangá, mesmo após receber notificações das editoras.

    A decisão é histórica. Pela primeira vez no Japão, uma empresa de CDN foi considerada responsável por auxílio à violação de direitos de autor. O tribunal destacou que a Cloudflare permitiu que sites de pirataria massivos operassem “em circunstâncias onde forte anonimato estava assegurado”, sem conduzir procedimentos de verificação de identidade.

    A Cloudflare alertou que a decisão tinha “implicações sérias para a eficiência, segurança e fiabilidade da internet”. As editoras, no entanto, discordam categoricamente. Com milhares de milhões de dólares de receitas de exportação em jogo, têm o apoio do governo japonês e de tecnologia de inteligência artificial desenvolvida especificamente para detetar conteúdo pirata.

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    Mais de 90% são portais de leitura online

    A composição dos 914 sites analisados é reveladora, mais de 90% são portais de leitura online, onde os utilizadores podem consumir mangá diretamente no navegador. Os restantes incluem sites de download direto e torrents, mas representam uma minoria clara.

    O inglês domina completamente a paisagem da pirataria internacional, representando a língua mais comum entre os sites piratas. A maioria do tráfego dirige-se a portais de leitura em inglês, o que explica parcialmente porque os Estados Unidos surgem como terceiro maior consumidor global de mangá ilegal.

    A ironia é que a indústria do anime atingiu um recorde histórico em 2024, alcançando 3,84 triliões de ienes (25,25 mil milhões de dólares) em valor total de mercado, segundo a Association of Japanese Animations. As receitas internacionais aumentaram 26% em relação ao ano anterior, para 2,17 triliões de ienes, enquanto os ganhos domésticos subiram apenas 2,8%.

    O governo japonês reconhece a gravidade do problema e está a implementar medidas para combater a pirataria. Uma iniciativa notável inclui um projeto piloto de 300 milhões de ienes (2 milhões de dólares) que emprega inteligência artificial para detetar e reportar conteúdo pirata online.

    As editoras acreditam que a decisão judicial contra a Cloudflare esclarece as condições sob as quais empresas de tecnologia podem ser responsabilizadas por violação de direitos de autor. A falha em realizar verificação de identidade surge no topo da lista, seguida pela falta de ação oportuna em resposta a notificações de violação enviadas pelos detentores de direitos.

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    A questão permanece, conseguirá o Japão transformar o mangá e anime numa indústria de exportação equivalente aos automóveis quando enfrenta uma pirataria tão massiva e normalizada? Os próximos anos serão decisivos para determinar se a estratégia Cool Japan consegue superar este obstáculo ou se os 20 triliões de ienes permanecerão apenas uma aspiração.

    Helder Archer
    Helder Archer
    Fundou o OtakuPT em 2007 e desde então já escreveu mais de 60 mil artigos sobre anime, mangá e videojogos.

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