Sem darmos conta passou mais de uma década desde que Alan Wake recebeu lançamento originalmente para a Xbox 360. Quem o jogou não o esqueceu, por isso o título da Remedy Entertainment tornou-se num jogo de culto, mas muitos, tal como eu, jamais imaginariam que a aterradora aventura do escritor sobrenatural norte-americano receberia uma continuação. A causa, é só uma, Control, o seu inesperado sucesso foi o principal motivo pelo qual Alan Wake recebeu uma continuação numerada, isto porque não nos podemos esquecer de Alan Wake’s American Nightmare. Porém, a empresa finlandesa decidiu ir mais longe para não só agradar aos fãs do jogo original como demonstrar à indústria dos videojogos como produzir um título de elevada qualidade e requinte.

Julgo que rotular Alan Wake II com um simples Survival Horror inspirado em Resident Evil 2 Remake é demasiado redutor, mesmo que conte com todos os seus condicionantes. Escassez de recursos, puzzles, exploração e gestão de inventário, terror e alguns sustos. Tal como o segundo episódio de Resident Evil moderno, Alan Wake II também é narrado e jogado mediante duas perspetivas. Uma delas é a do próprio Alan Wake, a a outra é de Saga Anderson, uma agente do FBI conhecida por desvendar casos macabros que chega a Bright Falls para investigar uma série de assassinatos misteriosos.

Apesar de um desvio de géneros, a jogabilidade de Alan Wake II permanece com as icónicas mecânicas do jogo original, nomeadamente a utilização da luz e da lanterna nas armas de fogo. Quer Alan como Saga também possuem uma tocha, vital para os combates porque atordoa os inimigos e retira-lhes a sua proteção de escuridão. Nunca é demais relembrar que as fontes de luz também funcionam como um abrigo para a dupla se esconder dos inimigos e aproveitar para curar as feridas, recarregar armas ou desenvolver novas estratégias. Contudo, como estamos na presença de um Survival Horror com uma atmosfera muito, muito própria, que decide ser meticuloso e sem pressas, vão existir momentos onde os jogadores vão passar bastante tempo a caminhar ou interrogar habitantes na pacata e macabra Bright Falls, um efeito que embora se sinta como L.A Noire no papel, na prática é bem diferente. Acredito que muitos vão rotular este jogo de “Alan Walk II”, porque em grandes fatias do mesmo vão simplesmente caminhar à procura de pistas para avançar na narrativa. A meu ver esta não é uma fraqueza, muito pelo contrário, porque consegue produzir e introduzir mecânicas muito próprias ao jogo e ao género.

Utiliza a tua lanterna para destruir os escudos de escuridão

No caso de Saga, premir o touchpad do Dual Sense leva-nos ao Mind Place, uma representação da mente da protagonista que surge como escritório onde não só os jogadores vão poder examinar todas as provas recolhidas até ao momento e colocá-las num quadro para chegar a deduções, como também entrar na mente dos inquiridos e examinar os seus perfis para desvendar novas pistas. Este é certamente o primeiro ponto que muitos jogadores podem achar complicado ou até contraproducente. Em síntese, este não é um processo complicado, o jogador apenas vai ter de colocar as pistas recolhidas num quadro semelhante aos que vemos nas séries de ficção policial, onde a própria detetive se vai encarregar da tarefa de criar as linhas e deduções.

Quanto a Alan, carregar no touchpad do Dual Sense leva-nos para uma Sala de Escrita. Neste local também encontramos um quadro, mas como Alan é um escritor com poderes sobrenaturais, decide utilizar a caneta para alterar a realidade da história, o que significa que o jogador pode “mudar o enredo” em pontos específicos para abrir novas rotas. De salientar que estas duas mecânicas, além de muito originais, também desenvolvem e diferenciam as personagens. No entanto, como Alan e Saga vivem em cenários diferentes, a sua gameplay e armamento são também vastamente diferentes, contudo o maior diferencial entre ambos está nos puzzles e nas suas mecânicas. Ao contrário de muitos jogos onde estes são simples e são praticamente uma inevitabilidade, em Alan Wake II os jogadores vão ter de dar uso à sua massa cinzenta para os poderem resolver, a maioria partilha um misto de complexidade e lógica, uma verdadeira lufada de ar fresco dentro e fora do seu género.

O Mind Place é mais que um “hub” para Saga

Mas não só de gameplay e mecânicas vive esta assustadora aventura, a história do jogo também é excelente. Logo de início é impossível os jogadores não se sentirem transportados para as pacatas aldeias de Twin Peaks ou Silent Hill porque o cenário partilha imensas semelhanças com ambos, quer no citadino como no natural. Contudo, se o jogador desfrutou anteriormente dos jogos da Remedy Entertainment, rapidamente se vai aperceber que todos estão ligados. As datas não só coincidem bastante com os eventos do jogo original (2010), como a personagem que abre os minutos iniciais do jogo é a que desapareceu também. Também em várias instâncias, através de documentos e imagens, o jogo narra e desenvolve elementos do Federal Bureau, a fundação de Jessie em Control. existem também alusões a Quantum Break, contudo, não sou a pessoa mais indicada para as descrever porque foi o único jogo da empresa que não joguei. Mesmo assim, constato que na história existe muito mais do que o surrealismo de Twin Peaks, o terror psicológico de Silent Hill, ou os jump scares de Resident Evil, existe sim uma redoma de acontecimentos que unem todos os jogos para criar uma espécie de “Remedyverse”.

Para standards de Survival Horror, Alan Wake II, é um jogo longo que em média demora entre 30 a 35 horas, mas claro que depende de como o jogador vai encarar a aventura. Se desejarem encontrar todos os macabros e divertidos anúncios publicitários na TV, programas de rádio, ou manuscritos para desenvolver todas as suas armas ao máximo, podem acreditar que este número vai aumentar. Também achei bem gratificante a dificuldade “normal” ser bem desafiante, mas se alguns jogadores sentirem que é demasiada ou que a sua luz não consegue conquistar a escuridão podem optar por modificar a dificuldade do jogo para “Story” a qualquer momento do jogo, para literalmente apenas desfrutarem da história.

A Remedy Entertainment também ficou célebre na indústria dos videojogos por ser uma empresa extremamente vanguardista no que toca a grafismos e tecnologias, e como seria de esperar, Alan Wake II continuou esta tendência, tal com fex com Control em 2018, que foi um dos primeiro jogos a recorrer ao ray tracing nos ambientes, que na época obrigou os jogadores a optarem por uma poderosa placa gráfica NVIDIA Geforce RTX 2000, visto que eram as únicas a oferecerem soluções de hardware (tensor cores) e software (NVIDIA DLSS) para esse efeito. Contudo, a indústria amadureceu desde essa altura, quer na NVIDIA como na concorrência, mas mesmo assim a NVIDIA ainda detém o maior requinte gráfico por refinar a sua tecnologia de supersampling, nomeadamente, a NVIDIA DLSS 3, que também introduziu a geração de fotogramas (NVIDIA Frame Generation) e evolução do ray tracing, o path tracing. Alan Wake II, é o segundo grande jogo que recebeu suporte para esta tecnologia, o primeiro foi Cyberpunk 2077, e ao contrário do ray tracing convencional que introduz reflexos em apenas alguns elementos ou partes do cenário, o path tracing permite a iluminação global no mesmo. O resultado, bem, é absolutamente fantástico. Realmente muitas vezes dei por mim a pensar se não estaria a assistir a uma série de TV ou filme devido ao impressionante aspeto visual do jogo. Os finlandeses voltaram a provar que o motor gráfico Northlight é um dos mais vanguardistas da indústria, sinto que toda a experiência adquirida nos jogos “Remedyverse” serviu para fazer de Alan Wake II um jogo de um requinte gráfico de tal forma imenso que vai fazer avançar a indústria num ponto de vista tecnológico, porque visualmente é, puro e simplesmente, um espetáculo. A implementação do path tracing nos cenários noturnos onde a chuva abunda, a naturalidade da iluminação, a qualidade e o comportamento das sombras, as animações faciais nas cenas de vídeo, a densidade do nevoeiro, os efeitos de chuva? Enfim, tudo está num nível soberbo que muitas vezes atinge ou roça o fotorrealismo.

Um dos jogos visualmente mais impressionantes de todos os tempos

Esta verdadeira “magia” também requer outros condicionantes gráficos, e Alan Wake II dispõe de um total de 3 presets que se subdividem numa panóplia de opções gráficas. Uma das mais importantes e modelares, é a renderização interna através da IA da NVIDIA DLSS 3 que renderiza o jogo numa resolução mais baixa para depois a aumentar e executar no jogo sem perdas significativas de qualidade, em alguns casos a IA até consegue mais detalhe e nitidez, isto se a opção “DLSS Ray Reconstruction” estiver ativada para reconstruir os efeito de ray tracing por IA. Quanto às restantes opções gráficas, os jogadores podem contar com um suporte vasto que inclui resoluções até 4K, efeitos de grão e motion blur (para os cinéfilos), resolução das texturas, filtros de imagem, nevoeiro volumétrico, qualidade das sombras e calibração HDR. Indiretamente todo este requinte gráfico também causou algum receio em muitos jogadores, porque a dias do lançamento de Alan Wake II, a Remedy Entertainment partilhou a lista de requerimentos para o jogo, na qual para desfrutar do jogo era necessário estar em posse de uma NVIDIA Geforce RTX 2600/AMD RADEON RX 6600 emparelhada com um processador Intel i5 7600k (ou equivalente da AMD), um disco SSD com pelo menos 90GB livres e ser obrigatório utilizar tecnologias de supersampling.

Independentemente se estes valores são exagerados ou não, a nossa já conhecida build composta por um processador AMD Ryzen 9 5950X, placa gráfica NVIDIA GeForce RTX 4090 MSI Suprim X, 64 GB RAM a 3600 MHz e uma unidade Samsung 990 PRO NVMe M.2 SSD conseguiu executar Alan Wake II de uma ponta a outra em resoluções 4K entre 80 a 120 fotogramas por segundo com todos os efeitos visuais elevados ao máximo, ou seja, até com o path tracing ativado. Contudo, tive de recorrer às tecnologias NVIDIA DLSS 3 (em modo qualidade 2560×1440) e Frame Generation. Testei o jogo numa resolução 4K nativa, e sinceramente não encontrei diferenças visuais significativas, sendo que o requinte gráfico continua presente em todo o seu esplendor e uma fluidez fantástica, mas como se comporta Alan Wake II nos reinos dos “PC Form Factor” que cada vez mais são emergentes no mercado? Será que com toda esta qualidade visual impossibilita os jogadores de desfrutarem dos mesmos?

De uma certa forma sim, porque para já não recomendo jogarem Alan Wake II na Steam Deck, isto por o jogo ser um exclusivo para PC via Epic Games Store e ser necessário recorrer a launchers como o Heroic Launcher, o que exige muitos preparativos e alguns conhecimentos básicos de informática. Como se não fosse bastante, o seu desempenho também deixa muito a desejar e os seus erros são uma constante. No caso da ROG Ally o panorama já é bem mais animador, pois além de ser muito mais poderosa que a Steam Deck também é uma máquina Windows 11 nativa que suporta diversos “launchers” e foi capaz de executar Alan Wake II, claro que com alguns ajustes. Em primeiro lugar foi necessário atribuir à memória GPU como “Auto”. Se a definisse para um número específico, por exemplo 6 GB ou 8 GB, o jogo pensava que estava a ficar sem VRAM e fechava-se abruptamente. Em segundo lugar tive de utilizar a tecnologia AMD FSR 2 em modo “equilibrado” numa resolução 900p (a atualização 331 introduziu este modo nativamente na Armoury Crate), com um misto de opções gráficas em baixo e médio para desfrutar do jogo entre 30 a 60 fotogramas por segundo com uma qualidade visual assombrosa para um aparelho portátil.

Limpeza de vidros, o novo benchmark de path tracing

Assombrosa, também é o termo que podemos categorizar a banda sonora de Alan Wake II. Como seria de prever estamos na presença de um jogo “silencioso” condimentado com efeitos sonoros atmosféricos, basicamente as faixas musicais propriamente ditas apenas entram em cena quando a situação assim o permite. No entanto, no final de cada capítulo tocam fantásticas canções pelo grupo Old Gods of Asgard para transmitir aquele sentimento que acabamos de assistir a um episódio de uma série de TV. Infelizmente o jogo não está localizado para português, além do textos e vozes em inglês também apresenta suporte total para diversos outros idiomas tais como o espanhol, francês, alemão ou até japonês.

Alan Wake II é uma experiência única que conquista o jogador devido à uma conciliação muito própria de todos os seus elementos; narrativa; gameplay; grafismos; direção artística. Este é um jogo incrivelmente robusto que pode muito bem tornar-se num dos mais inesperados best sellers do ano.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
Subscreve
Notify of
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments