Walking simulators

Ao ler essas duas palavras, metade de vocês fecharam a tab, a outra metade foi imediatamente comprar o jogo, e a terceira metade está a escrever um comentário longo sobre como isso é uma péssima nomenclatura para este género de jogos. 

E é compreensível. Walking simulators é um nome engraçado para este estilo de jogos narrativos, mas não é exactamente o QWOP. Por outro lado, efectivamente chegamos a um certo ponto nestes jogos em que pouco mais fazemos para além de andar de um lado para o outro, ver cenas cutscenes, e ocasionalmente resolver puzzles. Nada disto, já agora, é um ponto negativo para mim. Eu adoro walking simulators e jogos de puzzles e visual novels e toda a combinação destas categorias. Deem-me todos os Gone Home e Firewatches e Life is Strange que por aí andam. 

Sinto que de certa forma, os walking simulators são a evolução dos jogos de aventura clássicos de point and click para um formato tridimensional, mas isso é uma conversa à parte. 

O jogo sobre o qual venho falar hoje é o Another Code: Recollection, uma re-release/coletânea para a Nintendo Switch de dois jogos da mesma série, o Another Code: Two Memories lançado para a DS em 2005, e de seguida o Another Code: R – A Journey into Lost Memories lançado para a Wii em 2009. Esta análise vai-se focar no Two Memories para evitar spoilers. 

A clássica câmara por cima do ombro que estes jogos tendem a ter

Neste primeiro jogo, o jogador encarna o papel de Ashley Mizuki Robins, uma rapariga de quase 14 anos. Ela foi chamada à ilha Blood Edward pelo seu pai, que ela achava que tinha morrido num acidente com a sua mãe quando ela tinha 3 anos. O pai também lhe envia um dispositivo semelhante a uma Switch, que ela usa para resolver puzzles, tirar fotos, e registar informação sobre as várias personagens. Tenho que admitir que é bastante divertido ver a protagonista a utilizar um dispositivo tão semelhante àquele que seguramos enquanto jogamos o jogo.

No entanto, ao chegar à ilha, a tia que a acompanhava desaparece, e ao tentar segui-la, a Ashley encontra um fantasma. 

Não, isto não é um jogo de terror. 

O fantasma é um rapaz jovem, que não se lembra de nada excepto da sua alcunha, ‘D’. Ele junta-se à Ashley numa tentativa de descobrir mais sobre o seu passado, incluindo tentar desvendar a sua causa de morte. 

O gameplay consiste maioritariamente em explorar a mansão dos Edwards para tentar encontrar a tia da Ashley, assim como tentar perceber mais sobre as pessoas que lá viveram, e tentar descobrir o que aconteceu com o D. Ao início, a maior parte das portas encontram-se trancadas, mas ao irmos explorando a mansão, resolvendo puzzles, e vendo cutscenes da Ashley e do D a conversar, vamos abrindo mais portas. 

Entretanto, vamos encontrando pedaços do diário do pai da Ashely, para vermos o que ele andava a fazer pela mansão

Honestamente, em termos de atmosfera este jogo relembrou-me imenso do Project Zero… mas sem fantasmas. Bem, com um fantasma. Que não nos está a tentar matar, por isso nem sequer conta! Mas a ideia central de explorar uma mansão antiga na qual se passou uma tragédia(se bem que uma ao estilo americano, não japonesa), de ir resolvendo puzzles e abrindo portas e descobrindo o que aconteceu, lembrou-me bastante desses jogos.

No entanto, não podemos descontar que a demografia alvo deste jogo é muito mais nova que a dos Project Zero, e não só pela parte do terror. Os puzzles são, honestamente, super simples. Só houve um que me deu problemas e foi porque eu não me estava a lembrar de uma funcionalidade do dispositivo Switch-like da Ashley. Não há backtracking, nem a necessidade de uma pessoa se lembrar de portas esquecidas nem de localizações antigas. Quando se completa uma sala no jogo, é só isso. Nunca mais se regressa a essa sala. 

Esta cozinha é linda, mas estamos aqui literalmente cinco minutos.

Another Code: Two Memories é carregado, mais do que pela sua jogabilidade, pela sua narrativa, estilo gráfico e voice acting. A história é verdadeiramente interessante e misteriosa, embora alguns dos plot twists sejam bastante óbvios (novamente, demografia jovem). A maneira como a história é contada também, os diálogos tendo sempre caixas de texto pequenas e rápidas de ler, faz com que não seja uma massada ver as cutscenes

A arte, os gráficos e a cinematografia do jogo são verdadeiramente de eleição, e o jogo brilha aqui, mais do que muitos do género. O desenho das personagens é limpo e vibrante, com linhas fortes e cores suaves. Explorar a mansão é um deleite, com todos os ambientes criados com imenso cuidado e atenção, e a acção nas cutscenes, embora nunca muito intensa, é detalhada e bem realizada. Finalmente, o voice acting é também muito bom, tanto em inglês como em japonês. Num aparte, o jogo não tem opção de texto em Português, nem Europeu nem do Brasil, embora tenha duas opções para Espanhol (Espanha e América do Sul), e duas para Francês (França e Canadá), que tenho que admitir que acho que nunca tinha visto. 

Para mim, a melhor parte do jogo foram mesmo as personagens. A Ashley é uma protagonista desenvolvida sem ser banal, com os medos e a personalidade de uma miúda de 13 anos que se vê envolvida numa aventura um pouco sobrenatural e assustadora, mas o D e a história dele absolutamente roubaram-me o coração. A amizade que eles desenvolvem ao longo do jogo é mesmo agradável de se ver, e deixará certamente os vossos corações cheios de sentimentos quentinhos e aconchegantes. 

Eles são só mesmo fofos okay

TL;DR: Se vocês gostam deste tipo de jogo, provavelmente vão gostar de Another Code: Recollection. Não é o jogo mais complexo em termos de puzzles ou exploração, mas a narrativa e a produção são fortes o suficiente para carregar o jogo, fazendo com que a experiência seja divertida e interessante. 

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