A Bloober Team não é, de todo, um nome que passe despercebido no universo dos videojogos de terror. Com lançamentos como Layers of Fear, Observer e The Medium, o estúdio conquistou rapidamente o respeito dos fãs, cimentando uma reputação sólida no domínio do terror psicológico. Mais recentemente, o sucesso do remake de Silent Hill 2 confirmou a maturidade criativa da equipa e demonstrou a sua capacidade de lidar com um clássico intocável do género. No entanto, com Cronos: The New Dawn, o estúdio procura dar um passo além do que já tinha feito, apostando numa experiência mais ampla, assente em mecânicas de sobrevivência que combinam ficção científica com o terror.

Enquanto aficionado de jogos e filmes de terror em geral, Cronos: The New Dawn era para mim um dos lançamentos mais aguardados de 2025. A promessa de um universo retrofuturista, marcado por ambientes opressivos, fazia adivinhar uma experiência não apenas imersiva, mas também visceral, capaz de mexer com a curiosidade de qualquer jogador fã do género.

A missão continua

Em Cronos: The New Dawn assumimos o papel de um viajante, um enigmático agente de uma organização conhecida como The Collective, cuja missão passa por explorar fendas temporais para resgatar pessoas específicas que morreram num evento trágico do passado. Munidos de uma ferramenta chamada Harvester, cabe-nos extrair as essências dessas vidas e, no final, as ascender, com a esperança de evitar o fim do mundo.

Sem querer aprofundar demasiado, o jogo leva-nos a explorar New Dawn, um distrito corrompido e inspirado em Nowa Huta, na Polónia, dividido em dois períodos temporais distintos: um futuro pós-apocalíptico, onde a cidade está devastada por um cataclismo que transformou os humanos em criaturas grotescas e o passado, nos anos 80, quando assistimos ao surgimento da pandemia que dá origem ao início do isolamento da população. Esta dualidade temporal acrescenta profundidade à narrativa e permite compreender, de forma gradual, as consequências das ações da humanidade.

A narrativa conquistou-me totalmente. Não é contada de forma linear ou sempre tão explícita; pelo contrário, vai-se entregando lentamente, à medida que atravessamos os dois tempos e descobrimos os seus segredos. Grande parte das informações chega-nos através de documentos, áudios, memórias e outros registos, que nos oferecem uma visão mais ampla do que aconteceu e do que ainda está a acontecer. Cada sobrevivente que encontramos, cada fragmento recuperado, acrescenta uma nova camada à trama, tornando-a mais envolvente.

A história reflete temas da pandemia de COVID-19. A doença fictícia “The Change” e o isolamento social lembram as experiências vividas durante a crise sanitária global.

O que torna esta experiência ainda mais marcante é a forma como, pouco a pouco, começamos a perceber não só a dimensão da tragédia que caiu sobre a cidade, mas também as motivações, os medos e as escolhas daqueles que resistiram. São esses pormenores que revelam a complexidade das relações humanas num contexto de terror e sobrevivência.

Ao mesmo tempo, há sempre uma sensação de descoberta iminente. Entrar num apartamento vazio ou andar por um terminal abandonado são momentos de incerteza, tanto podemos encontrar um detalhe que muda completamente a nossa perceção da história, como apenas uma peça subtil que nos prepara para os desafios seguintes.

O passado

O mundo de Cronos: The New Dawn pode ser encarado quase como uma personagem por si só, tal é a influência que exerce sobre a experiência. Enquanto procuramos materiais fundamentais para garantir a sobrevivência, caminhar pelas ruas de New Dawn, sobretudo no futuro, é mergulhar numa cidade desolada e sufocante, marcada pelo abandono e pela devastação de uma pandemia que transformou a vida das pessoas num autêntico pesadelo. Ruas e edifícios em ruínas contam as suas próprias histórias, carregadas de sofrimento e desespero, transmitindo uma opressão constante reforçada pela neblina persistente que envolve a cidade e acentua a sensação de insegurança a tempo inteiro.

O interior dos edifícios não é menos intimidante: corredores mal iluminados, salas abandonadas e espaços cobertos por substâncias estranhas alimentam uma atmosfera densa, onde cada passo é dado com cautela, sempre sob a ameaça do desconhecido. A incerteza sobre o que pode estar à espreita torna a exploração tensa, obrigando-nos a avançar com receio, mas também com uma certa curiosidade.

Ainda assim, existe um aspecto que fica aquém das expectativas, os puzzles. A sua presença é bastante limitada e pouco desafiante, resumindo-se maioritariamente a mecanismos ambientais para alcançar passagens ou aceder a zonas bloqueadas. É um dos pontos mais fracos do jogo, já que uma maior aposta neste elemento poderia ter acrescentado uma camada de desafio intelectual capaz de enriquecer ainda mais a experiência.

O desafio aumenta na presença destas criaturas

Falando do combate, revela-se bastante estratégico, onde cada decisão pode significar a diferença entre a vida e a morte. Armados com pistolas, espingardas e outros utensílios, somos obrigados a ter atenção aos pontos fracos dos inimigos, visando áreas específicas do corpo para maximizar o dano. É evidente que o estúdio se inspirou em Dead Space na concepção das criaturas, conhecidas como Orphans, que mostram comportamentos variados: algumas atacam rapidamente, outras mantêm-se à distância, enquanto algumas são mais resistentes e infligem danos maiores.

Uma das mecânicas mais desafiantes do combate é a capacidade que os Orphans têm de se fundir com cadáveres espalhados pelo cenário, transformando-se em ameaças ainda mais letais. Isto obriga-nos a estar sempre atentos ao ambiente, avaliando o momento certo para recorrer ao fogo e incinerar os corpos, de forma a impedir que os inimigos se fortaleçam. Cada confronto torna-se assim imprevisível e carregado de tensão. Acresce a necessidade de gerir cuidadosamente os recursos, uma vez que munições e itens de cura são limitados, exigindo da nossa parte ponderação estratégica para superar situações críticas.

As nossas escolhas influenciam o desenvolvimento da história, o que adiciona profundidade emocional à experiência.

Enfrentar as criaturas foi uma das partes mais intensas da experiência. Não é um jogo em que possamos avançar a disparar sem pensar. Muitas vezes dei por mim a hesitar antes de entrar num espaço escuro, porque sabia que bastava um erro para ficar sem munições ou, pior ainda, acabar cercado por inimigos.

Para nos ajudar neste aspecto, temos um elemento interessante que são as essências que capturamos das pessoas. Estas concedem habilidades passivas ao nosso Viajante, como o aumento de dano em inimigos incendiados ou maior facilidade em encontrar recursos. Temos ainda algumas salas seguras, onde por exemplo podemos aceder a um computador que permite comprar e vender itens usando a moeda do jogo, assim como aprimorar vários aspectos do equipamento do protagonista e do seu armamento através de núcleos que vamos encontrando.

O mundo é realmente asustador

Para além da qualidade da jogabilidade e da força da sua narrativa, os visuais de Cronos: The New Dawn merecem extrema atenção pelo detalhe presente em cada cenário, transmitindo verdadeiramente a decadência vivida naquele mundo. Pequenos elementos espalhados pelo ambiente, como poster rasgados, ruas em ruínas ou mensagens pintadas nas paredes, funcionam como ecos de vidas passadas, que tornam cada espaço mais autêntico e realista. O design grotesco das criaturas reforça essa sensação de desconforto, com texturas bem trabalhadas que lhes conferem um aspecto realmente assustador.

A iluminação é igualmente notável, utilizada de forma astuta para criar contrastes dramáticos que elevam a pressão em cada momento. Reflexos subtis, sombras projetadas e efeitos de partículas, como poeira suspensa e névoa constante, são aplicados não apenas como um adereço visual, mas como peças na construção de uma atmosfera opressiva e sombria.

Outro ponto que impressiona é o contraste entre os dois períodos temporais. No passado, a cidade surge mais familiar, com cores ligeiramente mais quentes e elementos de vida quotidiana que sugerem normalidade, ainda que ameaçada. Já no futuro, a paisagem é marcada por tons frios, texturas corroídas e uma iluminação quase inexistente, transmitindo de forma clara a desolação e a morte que assolaram aquele local.

No entanto, nem tudo é perfeito. Apesar da qualidade geral ser bastante elevada, há problemas que persistem, sobretudo nas animações principais, que nem sempre acompanham o nível de detalhe do resto. Alguns movimentos parecem artificiais ou estranhos e, em certas situações, nota-se também, por vezes, a ausência de alguns efeitos sonoros.

Um dos puzzles ambientais

Ainda assim, isso não abdica de os efeitos sonoros jogarem a nosso favor de um modo geral. Em Cronos: The New Dawn o som desempenha um papel crucial na construção da atmosfera, intensificando constantemente a sensação de tensão e mistério que nos acompanha do início ao fim. Colocados de maneira subtil, muitas vezes até quase imperceptível, os sons funcionam como um prolongamento natural do ambiente. São sons do vento, das criaturas e melodias discretas que se misturam com o ruído da cidade, fazendo-nos sentir verdadeiramente num universo de terror.

A banda sonora foi criada pelo compositor Arkadiusz Reikowski (Medium, Vampire: The Masquerade – Coteries Of New York), em colaboração com a banda folk polaca-ucraniana Zazula.

Em momentos de exploração mais calma, a música opta por tons mais minimalistas, quase silenciosos, deixando que a própria ambientação sonora ocupe o espaço.

Este equilíbrio entre o silêncio, os sons ambientais e as composições mais marcantes é um dos grandes trunfos do jogo, pois nunca sentimos que a música se sobrepõe à experiência, mas sim que a acompanha de forma engenhosa como um complemento para ajudar a criar um ambiente ainda mais misterioso e sombrio.

Há mensagens explícitas por todo o lado

Cronos: The New Dawn é um excelente jogo de terror de sobrevivência e merece ser destacado entre os melhores do género na atualidade. É evidente que a Bloober Team amadureceu enquanto estúdio e que apresentou este novo projeto com confiança, entregando uma experiência robusta e memorável. O equilíbrio entre a narrativa e o mundo sombrio que exploramos resulta numa combinação envolvente, onde cada descoberta acrescenta novas camadas de mistério e tensão.

O combate, exigente e estratégico, soma-se a visuais de qualidade, que reforçam a atmosfera opressiva e macabra do mundo de New Dawn. Apesar de algumas fragilidades pontuais, a verdade é que a experiência num todo se impõe pela sua força artística e pela forma como nos consegue prender a atenção do início ao fim.

Fico ansioso por ver os próximos projetos do estúdio polaco e por voltar a mergulhar nos mundos sombrios que tão bem sabem construir.

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