Depois de passar por um desenvolvimento controverso, entre adiamentos e troca de estúdio, a nova entrada da série Digimon, conhecida pelas carismáticas criaturas digitais chega à PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC (Steam) pelas mãos da editora Bandai Namco Entertainment e da produtora HYDE.

Digimon Survive abraça pela primeira vez o género “Visual Novel” para expor o seu enredo, tratando-o assim como a base deste jogo. Nesta obra seguimos a jornada de Takuma Momozuka e seus companheiros que estão num acampamento de atividades extracurriculares, onde no segundo dia, os jovens estudantes ao visitarem um famoso templo local conhecido pela lenda de Kemonogami, acabam envolvidos num mistério que os transporta para um mundo desconhecido, onde encontram os seus companheiros Digimons que os ajudarão a sobreviver nesta nova aventura.

A história do jogo desta vez apresenta o enredo e a narrativa com mais realismo, colocando um grupo de crianças inocentes frente a inúmeras adversidades dentro de um território perigoso repleto de monstros inóspitos que as levam a encontrar formas de sobreviver e de regressar a casa ao mesmo tempo que se veem sujeitos a lidar com os seus sentimentos face ao desconhecido. Isto permite dar espaço para abordarem certas condições mentais, tais como ansiedade ou até mesmo depressão, ganhando prioridade em muitas situações que tanto podem ser vistas como erráticas ou cruéis.

Aproveitando para falar dos personagens, ao início fiquei com a sensação que as suas personalidades foram escritas sobre determinados modelos clichés com os quais estamos familiarizados a partir de algumas obras de terror, mas ao longo da jornada o desenvolvimento de cada protagonista começa a tomar proporções diferentes, tornando-as assim mais interessantes de observar, especialmente com os parceiros Digimons que apresentam-se semelhantes aos que conhecemos do anime e, desta vez, com relevância para o futuro da história. Não esperem ocasiões repletas de diversão, embora Digimon Survive tire apontamentos em certos pontos de Digimon Adventure (2020), deixa evidente com a sua ambientação e narrativa quer envolver os jogadores emotivamente, sobretudo quando somos invadidos com a morte dos nossos personagens de um modo bruto e aterrorizante. Contudo, o enredo por vezes leva o seu tempo a progredir, mas não deixa de nos captar o interesse pela sua qualidade.

Todavia, desde o princípio que a história nos leva a investigar meticulosamente os cenários por onde passamos. Durante a exploração é dada a liberdade para lutar e treinar os nossos Digimons, conversar, criar laços com os personagens, desbloquear novos locais e encontrar itens que são precisos para o combate. Nestes momentos também temos acesso à câmara fotográfica do protagonista, um sistema idêntico ao de Fatal Frame, que torna possível descobrir elementos ocultos aos nossos olhos.

Ao estarmos perante uma “Visual Novel”, pelos olhos do protagonista Takuma, temos de escolher o caminho que desejamos seguir a partir de decisões que surgem durante os diálogos, afetando diretamente o sistema de afinidade e de Karma. Existem três tipos de Karma em Digimon Survive, atribuídos como moral (verde), harmonia (amarelo) e ira (vermelho). As decisões relacionadas à moralidade são baseadas em altruísmo, justiça e liderança, por outro lado a harmonia adopta o caminho da cooperação, compreensão e apoio emocional com os nossos companheiros, já a ira, como o nome indica destina-se potencialmente a escolhas egoístas focadas no objetivo, colocando os outros em perigo.

No caso da narrativa, apesar de estas escolhas influenciarem os protagonistas que sobrevivem a esta experiência e a nossa reação ao que vai sucedendo, durante a primeira partida senti que houve poucas alterações que trouxessem consequências significativas para o enredo, ainda que existam quatro finais por descobrir. Além disso, o Karma também desempenha um papel decisivo para a Digievolução que desbloqueamos para os nossos parceiros Digimons, bem como para recrutar novas criaturas.

Por sua vez, ao desenvolvermos laços com os personagens e ampliarmos a afinidade com eles, a curto prazo começamos a receber benefícios em combate. Afinal, os Digimons dos personagens com os quais tivermos maior afinidade, estarão predispostos a apoiar-nos regularmente, seja com ataques em equipa, cura ou aumento da barra de SP. Tal como no Karma, promover vínculos com o nosso grupo também afeta as evoluções mais poderosas que teremos disponíveis ao longo da aventura, por essa razão se tivermos interessados em expandir as evoluções dos Digimons é fulcral gerir todas as chances que temos para dialogar.

Há ainda o seu combate que segue as regras de um RPG tático por turnos com semelhanças a Fire Emblem ou o mais recente Triangle Strategy, mas com mecânicas básicas comparadas a estes títulos. Os nossos parceiros contam com um ataque normal e um especial, para além disso, podemos evoluir os Digimons durante a batalha em troca de SP após cada turno. Como não deixa de ser habitual, temos também de ter consideração ao tipo de criatura que está em campo e as características de cada um, assim como ao posicionamento para provocar danos maiores. Podemos ainda, conversar com os nossos protagonistas para receber diferentes tipos de efeitos que vão desde aumentar a força física, passando pelo movimento do nosso Digimon. Por fim, é em combate que conseguimos persuadir os Digimons adversários a juntar-se à nossa equipa, ou apenas a recompensar-nos com um item, sendo este possivelmente o ponto que mais se destaca em combate.

Num todo, o combate demonstra alguma falta de aprofundamento, notando-se na facilidade dos duelos e na qualidade da própria inteligência artificial dos adversários. Outro ponto que deixa a desejar é a falta de habilidades que temos acessíveis para os Digimons, causando pouca variedade de estratégia no jogo. Em parte consigo compreender a superficialidade destes aspetos já que a produtora quis dar ênfase à narrativa.

Relativamente ao audiovisual, Digimon Survive comporta-se muito bem. Começando pela apresentação estética, onde os personagens apresentam uma maior expressividade durante os diálogos, conseguimos verificar alguma atenção nos detalhes gráficos como por exemplo os fundos com elementos animados que dão vida aos ambientes, assim como o belo traço ilustrativo dos protagonistas e Digimons. Em combate já temos uma aparência diferente e menos apelativa comparada ao restante. Embora seja habitual nas “Visual Novels” não serem apresentadas sequências cinemáticas, aqui acabei por sentir falta das mesmas em determinados momentos, talvez pelo facto de ter sido entregue uma logo no início, que teve um impacto importante para introduzir a história. A banda sonora contribui para gerar envolvência nas situações em geral, complementada pela formidável “voice acting” em japonês.

Apesar de Digimon Survive não trazer novidades, consegue captar-nos a atenção com uma narrativa estimulante e muito mais sombria do que conhecemos da série. É impossível ficar indiferente com o desenvolvimento dos personagens e dos próprios Digimons. Embora existam alguns elementos negativos que possam ser resolvidos numa futura sequela, Digimon Survive é um jogo que se destina aos seus fãs de longa data e, com certeza, aos amantes de uma boa história.

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Bruno Cavaco
Bruno Cavaco
21 , Agosto , 2022 6:13

Muito boa análise e agradeço a forma como foi explicado a parte jogável. Assim que puder vou ver se o compro para a PS4.
Parece mesmo um jogo que vai conectar muito com os fãs que cresceram com o anime. Eu como mega fã que sou do Digimon e com o gosto que tenho por visual novels de certeza que vou adorar. Incluso tem aquele sistema de batalha táctico mais simples, um jogo bem ao estilo Utawarerumono.
O único senão é que parece não ter vozes em inglês, apenas em japonês, tendo eu mais dificuldade em conectar e desfrutar da história e personagens desta forma.
Espero que esta nova subsaga do Digimon seja para continuar junto à do Story e World.