El Shaddai: Ascension of the Metatron foi muito possivelmente um dos jogos mais únicos da sétima geração de consolas. O mesmo teve lançamento em simultâneo com NieR, e à semelhança deste também fez da sua inconvencionalidade e excentricidade os seus maiores destaques. Da mesma forma do jogo de Yoko Taro, El Shaddai: Ascension of the Metatron também apelou a uma pequena camada de jogadores, e tornou-se num jogo de culto que infelizmente não teve uma versão para PC no seu lançamento. Contudo, através da Crim chegou o momento de os jogadores da plataforma modelar descobrirem porque a obra de Sawaki Takeyasu se tornou num jogo de culto.

Para começar este retira apontamentos de um termo pouco convencional, diríamos até polémico; o livro de Enoque, um manuscrito religioso judaico rejeitado pela Igreja Cristã. Tal como nestes artigos religiosos, a história de El Shaddai: Ascension of the Metatron narra um grupo de anjos que decidem negar as palavras de Deus e descem até a terra para desenvolverem relações e copularem com os seres humanos. Deus, irado, por estes desenvolvimentos, decide incumbir a tarefa de trazer os anjos à justiça ao primeiro humano que alcançou os céus, Enoque. Este escriba enviado de Deus terá a ajuda de arcanjos para escalar uma torre onde em cada um de seus andares aguarda um dos anjos caídos que negou a palavra e os ensinamentos do seu Senhor.

Daijobu Da, Mondai Nai

Como podem ver só por esta breve sinopse estamos diante de um jogo que se destaca pela sua originalidade, tomando como principal referência os textos religiosos. O fluxo do jogo mantém essencialmente os mesmos moldes, ou seja, o jogador é convidado percorrer e explorar uma enorme torre de 11 andares. Neste processo batalhará contra os anjos caídos, e outros seres que nela habitam, tão simples quanto isto, não esperem grandes desenvolvimentos apesar de por vezes a narrativa entrar em pontos e desenvolvimentos bem interessantes.

Igualmente simplista é a sua jogabilidade. Os confrontos não são massivos ou frequentes, e as ações que dispomos são demasiado simplistas até para um jogo do seu género. No nosso arsenal apenas podemos recorrer a três ações: atacar, protegermos-mos de ataques, e saltar. No entanto, através do seu sistema de armas, o jogo consegue alcançar um pouco mais de profundidade. Os nossos adversários estão equipados com armaduras as quais podemos destruir até ficarem enfraquecidas, é nessa janela que temos a oportunidade para adquirir as suas armas, enquanto estes permanecem indefesos. Contudo, estas perdem eficácia com o seu uso, e será frequente para o jogador ter de as purificar. Devido a este fluxo os combates em El Shaddai: Ascension of the Metatron são do mais metódico que já vimos, mesmo até com um máximo de três inimigos em simultâneo, será necessária uma abordagem estratégica em todos os seus momentos, como se de um jogo de xadrez se tratasse. Ou seja, temos de pensar em tempo real qual a melhor abordagem para o sucesso, se, por exemplo, atacamos com a nossa espada a curto alcance, bloqueamos ataques a troco de velocidade ou ficarmos de longe a disparar projeteis. Em cada uma destas ações existe um sentimento de pedra, tesoura e papel, onde uma abordagem favorece ou prejudica a outra conforme a ação que tomamos.

Até mesmo para “standards” da atualidade modernos foi estranho ver um homem com jeans por debaixo de uma armadura

Ao contrário que muitos hack and slashes, não temos novas habilidades a desbloquear, o único ataque especial que dispomos é uma investida dos arcanjos quando o corpo da nossa personagem irradia uma aura. O jogo também não possui Huds para auxiliar o jogador. Neste parágrafo El Shaddai: Ascension of the Metatron remete a uma popular técnica na era das 16 bits onde as diferenças cosméticas e cores indicavam o dano infligido nos adversários. A armadura de Enoque é o elemento base que indica o quando de dano sofremos. Esta vai-se a deteriorar à medida que são infligidos danos, e o nosso ecrã vai adquirir tons de vermelho. Mesmo quando a nossa personagem cai em combate existe uma hipótese de a ressuscitar, no entanto, este efeito alcança novos elementos cada vez que é utilizado. Ou seja, a velocidade para pressionarmos botões aumenta e o tempo para executar ações diminui, o que dá uma certa adrenalina que curiosamente é completamente inversa à natureza calma do jogo. Mesmo perante uma jogabilidade que pode parecer rudimentar no papel, na prática, obriga-nos a darmos o nosso melhor em todos os momentos, sem acrescimentos de habilidades ou outros atributos o que por si só foi muito interessante e diferente de jogos que fazem de uma dificuldade artificial o seu marketing, como a série “Soulsborne”, em que a sua dificuldade decresce com o avançar do jogo quando são recolhidas novas habilidades e melhores itens.

Cada paisagem em El Shaddai: Ascension of the Metatron é um autentico quadro

Mas não só de lutas metódicas vive El Shaddai: Ascension of the Metatron, o interior da torre também esconde pequenas secções de plataformas. Embora não sejam as mais complicadas, uma mudança repentina de câmara muito ao estilo de jogos como Megaman X7, fez com que este efeito se tornasse pouco funcional e até contraproducente. O grande destaque nestas paragens recai claramente na sua componente visual. Neste ponto El Shaddai: Ascension of the Metatron, transforma-se num verdadeiro quadro de museu. O jogo recorre a uma técnica cell shading onde cada cenário mesmo sendo linear parece saído de uma obra de arte pintada a óleo por um pintor de renome mundial. Será comum nos seus mais variados cenários passarmos alguns minutos a contemplar toda a beleza dos mesmos. Mesmo após uma década o requinte visual deste título é incrível, acreditamos que devido a sua beleza visual que a produção tenha omitido as huds no jogo, pois assim não mancharia estas fantásticas obras de arte. Para enriquecer ainda mais a sua componente artística fomos também brindados com uma banda-sonora recheada de refrões, melodias melancólicas que consoante a narrativa e desenvolvimentos emergem para faixas num tom mais épico, este efeito é evidente na luta contra os anjos caídos onde temos os melhores momentos no cômputo geral de toda a obra. Como seria de esperar, esta versão moderna apresenta áudio em japonês ou inglês, textos em diversas línguas (infelizmente carece de localização portuguesa) e suporta resoluções 4K a diversos fotogramas.

El Shaddai: Ascension of the Metatron, tal como a obra de Yoko Taro, é um produto do seu tempo, e temos certezas que não atingirá a dimensão de NieR numa era moderna. A seu componente visual está intimamente ligada à sua jogabilidade, mas devido a sua inconvencinalidade e vanguardismo vai afastar muitos jogadores. Também pode ser considerada uma experiência demasiada simplista para uma época moderna onde cada vez mais assistimos a títulos com jogabilidade modelar, que interage com diversos outros elementos no seu núcleo, até mesmo os jogos mais clássicos tentam evadir-se das suas raízes. Realmente é uma pena que El Shaddai: Ascension of the Metatron, chegue demasiado tarde às nossas vidas, é abismal assistir ao “efeito década” no universo dos videojogos, e como as mentes de muitos jogadores evoluíram (ou regrediram) desde aí. Mas muitos devem estar a fazer a pergunta: Estaremos na presença de um jogo mau? Absolutamente que não, este um título que mesmo passados dez anos, fará com que muitos vivam experiências únicas, o único senão aqui é que o panorama no mundo dos videojogos enquanto arte mudou, e infelizmente os seus consumidores preferem jogos mais imediatos. A melhor forma para descrever El Shaddai: Ascension of the Metatron, é ser um título bizarro. Não vão faltar momentos que vão desafiar as mentes dos mais crentes, e vão certamente “injuriar” os cristãos mais ferrenhos. Também foi frequente assistirmos a Lucifer a falar ao telemóvel eufórico dos seus guarda-chuvas.

Lucifer um ser com um fascínio doentio por guarda-chuvas

Nada em El Shaddai: Ascension of the Metatron, é normal e corrente, tanto que foge a qualquer convencionalismo mantendo uma imagem muito própria e ousada. Este é um título que está completamente ciente das suas fraquezas, mas não as nega nem esconde pelo contrário de muitos jogos desta indústria, pelo contrário até diríamos revela-as, mas sem grandes cortejos. A sua dificuldade é simplesmente devido a sua simplicidade, e os seus visuais adotaram muita vertente simples em prol da sua direção artística. As suas 9 horas de jogo não são longas, mas sem sombra de dúvidas deixarão marcas a quem se dedicar a explorar os seus belos ambientes. Em suma El Shaddai: Ascension of the Metatron, é um jogo que vai agarrar uma demografia que olha para um videojogo como uma peça de museu.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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