A série Final Fantasy é icónica para cada pessoa por razões diferentes para cada um dos seus fãs.
Desde a sua criação em 1987, cada entrada na série tem acrescentado e mudado coisas, desde o sistemas de combate à estrutura da história. É por isso uma série de videojogos tão controversa quanto famosa, em que por cada entrada que uma pessoa adora, há pelo menos uma outra à qual não acha assim tanta piada.
Portanto, quando o produtor deste novo jogo, Yoshida Naoki (conhecido por Yoshi-P), procura deixar para trás alguns dos poucos elementos ainda icónicos da série, tais como o sistema de party e enveredar ainda mais pelo caminho dos jogos de acção, as reacções foram… variadas.
Na verdade, este produtor já tinha agregado muita fama positiva enquanto produtor do Final Fantasy XIV, um jogo com um início tão mau e caótico que teve de ser apagado da existência. Ao ser entregue a Yoshi-P, no entanto, renasceu tal uma fénix das cinzas, tornando-se neste momento um MMORPG bem sucedido.
Com uma história de sucesso destas, é natural que alguns dos medos sentidos pelos fãs da série tenham sido apaziguados relativamente a esta nova entrada. Mas como é óbvio, tudo o que é novo mete medo, e fica sempre aquele murmurar na parte detrás da mente de “E se não for bom?”
Pessoalmente, eu adoro o trabalho do Yoshi-P no FFXIV, e portanto, mesmo não sendo grande fã de jogos de acção, não tinha grandes medos de não ser capaz de me divertir com este jogo, especialmente tendo em conta as afirmações dele de que mesmo os jogadores menos inclinados para este tipo de jogos também se conseguiriam divertir. Eu já não tinha grandes dúvidas, mas mesmo as que sobravam desapareceram quase por completo com a recente chegada do demo à Playstation 5.
Em termos técnicos, o jogo é uma maravilha. Os gráficos são puramente espetaculares, com particular detalhe para as feições faciais dos personagens principais. Os ambientes, também, são bem trabalhados, cheios de cor e vida. A própria arquitectura dos edifícios é reminiscente de arquitectura verdadeira de várias partes do mundo, e nota-se o cuidado dos designers em criar um mundo que se sente que é real.
A Playstation 5, pela sua parte, realmente realça todo o cuidado com que este mundo foi concebido. Há duas opções de gráficos, uma mais virado para a sua qualidade, e outra para a performance. No entanto, mesmo escolhendo o modo que dá prioridade aos gráficos, nunca senti qualquer problema com a performance do jogo.
Ainda falando da produção técnica, tanto os efeitos sonoros como a música são, obviamente para a série da qual falamos, excelentes, com a música da parte do Soken, já conhecido também pelo seu trabalho no Final Fantasy XIV. As peças de orquestra bombásticas nas lutas entre os Eikons misturam-se com as músicas de travessia mais atmosféricas e reminiscentes da época medieval.
As vozes, também estão muito bem conseguidas. Experienciei a dobragem tanto em japonês como em inglês, e, num facto que me surpreendeu até a mim, acabei por escolher a inglesa para jogar o restante do jogo. Isto não é algo que eu costume fazer, tendo jogado tanto o Final Fantasy XIV como o Final Fantasy VII Remake com a dobragem japonesa, mas neste caso, simplesmente achei que a inglesa era mais agradável. No entanto, gostaria muito de saber as vossas opiniões sobre a dobragem nos comentários! Ambas são excelentes, mas qual foi a vossa preferência?
Pronto, provavelmente já chega da parte técnica. É um mainline Final Fantasy. É óbvio que vai estar bonito e soar bonito e ter uma produção técnica excelente a todos os níveis. Ninguém precisa de reviews para lhes dizer isso. Portanto, vamos passar ao que interessa: jogabilidade e história.
Não sei se já perceberam isto, mas eu e os RPGs de acção temos uma relação complicada. Kingdom Hearts é a minha série preferida de sempre, mas não consigo pensar em nada mais tortuoso que jogar um Soulslike.
Final Fantasy XVI é um jogo que eu adorei jogar. Verdadeiramente, o Yoshi-P não estava a mentir quando disse que até pessoas que não estavam confortáveis com jogos de acção conseguiriam jogar. E o ponto fulcral é o sistema de dificuldade extremamente granular que possui. Não só é possível escolher entre dois grandes modos de jogo, Story Focused e Action Focused, como também ainda fazer pequenos ajustes à dificuldade de um modo mais granular. Existe uma variedade de acessórios que nos facilitam as batalhas, tal como dodge automático ou com um aviso, usar todas as habilidades no mesmo botão, curar automaticamente, etc. Com isto, cada jogador pode decidir verdadeiramente quão difícil quer que o seu jogo seja, desde “só estou aqui para ver a história e cores bonitas no ecrã” até “eu vou dominar o sistema de combate do jogo e conquistar todos os desafios opcionais”. E os que estão algures pelo meio, onde certamente a maior parte de nós se encontrará. Na verdade, eu pessoalmente comecei por ter o acessório equipado que facilitava o uso das habilidades, mas acabei por me habituar o suficiente ao combate que o retirei.
O sistema de combate em si é de acção com combos, muito semelhante ao Devil May Cry 5, para quem conhecer. E por boa razão também, tendo em conta que o combat designer, Ryota Suzuki, é exactamente o mesmo. Cada botão tem uma acção diferente atribuída (X para saltar, Quadrado para ataques melee, Triângulo para ataques à distância, e o Círculo para o ataque especial do Eikon seleccionado). Para além disso, pressionar o R2 adiciona dois ataques diferentes do Eikon seleccionado, o qual é possível escolher com o L2.
E o que são isto dos Eikons? Para quem já está familiarizado com Final Fantasy, são simplesmente o novo nome dos Summons, Primals, Guardian Forces, etc. que fomos tendo ao longo dos anos. Para quem não os conhece, são monstros gigantes que incorporam os vários elementos. O nosso protagonista, o Clive, e outros personagens importantes conseguem-se transformar nestes Eikons, embora só o nosso moço tenha a capacidade de também usar poderes de outros Eikons. Até parece que ele é especial…
Para cada Eikon, temos várias habilidades à escolha, pelo que o jogador pode conjugar e misturar estas habilidades à sua maneira. Pode também atingir a mestria em cada habilidade, uma mecânica que pode ser explorada a partir do menu Abilities, carregando no Triângulo e vendo de que maneira cada habilidade evolui, seja com mais dano, mais distância de ataque, etc. Os Eikons são na verdade o ponto fulcral deste jogo, não só no seu combate, como também na sua história.
Existe também a nossa party… se se pode chamar disso. A maior parte dos nossos companheiros que se juntam a nós são controlados 100% pelo jogo, sem qualquer input do jogador. E depois temos o Torgal. O Torgal é o nosso cão (e sim, pode-se fazer festinhas ao cão), e podemos controlar as suas acções durante a batalha com as setas direccionais. Ou deixar um acessório tratar disso, como eu preferi fazer mesmo depois de deixar o combate mais simplificado.
Como seria de esperar, o jogo tem também todos os adereços esperados de um RPG, como armas, armadura, acessórios, e aumentos de nível com evolução de stats. Tem um sistema de crafting simples mas eficiente, e um glossário que mete medo à Wikipedia.
Este glossário não só tem entradas sobre cada personagem, local, e criatura que vão sendo actualizadas ao longo do jogo, como também timelines das várias relações interpessoais e desenvolvimentos geopolíticos. É extremamente completo e extremamente útil num jogo com tantas personagens e tantos eventos, com uma duração de décadas.
Para além da história principal, também existem bastantes sidequests para realizar, há conteúdo suficiente neste jogo para ocupar um jogador durante horas a fio. Já para não falar dos desafios opcionais que podem ser iniciados a partir do Hideaway, onde é possível desafiar antigos inimigos com certas restrições nos stats e equipamento, para aqueles que procuram um verdadeiro desafio.
O que nos leva, finalmente, ao enredo.
Clive Rosfield é o filho primogénito do líder de um dos países sobre os quais a história se desenrola. O seu irmão mais novo, Joshua, herdou o Eikon da Phoenix, um passáro de fogo com poderes destrutivos e curativos. Numa visita fora da capital que corre mal, tanto o seu pai como o seu irmão são mortos por uma invasão do império ao lado, e Clive é capturado e usado como um soldado escravo durante os treze anos seguintes.
É aqui que o jogo começa. E o que se segue é, sem dúvida alguma, uma excelente história. Clive é um protagonista interessante, e as várias personagens que se vão juntando a ele estão igualmente bem escritas. Mesmo os vilões são personagens bem desenvolvidos, e o enredo tem voltas e reviravoltas como só um Final Fantasy consegue ter.
É… díficil falar deste jogo sem revelar coisas sobre a sua história, que é para mim o seu ponto mais forte. Das cenas que me deixaram especada a olhar para o ecrã, provavelmente literalmente de boca aberta, até aos momentos mais pequenos de carácter humano em que o Clive, como bom protagonista de um RPG, embarca numa fetch quest para arranjar uma qualquer pequena necessidade a alguém que lhe ficará agradecido. As personagens são todas boas, não no sentido da sua moralidade, mas da sua realização enquanto ferramentas do enredo.
O mundo por si só é uma personagem tal como as outras. Os vários países em confronto são o pano de fundo para a aventura do Clive, e ver a maneira como as acções dele influenciam o desenrolar da História (com H maiúsculo) do seu mundo está muito bem conseguido.
É uma história mais austera do que aquelas a que estamos habituados dos Final Fantasies do passado. O Clive, após o prólogo inicial, é o protagonista mais velho da série principal até agora, e isso reflecte-se no enredo que se desenrola à sua volta. Poderá ser também pelos gráficos melhorados, mas é uma história com bastante violência e outro conteúdo adulto que justificam o seu rating. Nunca perde por completo aquela sensação de aventura e esperança que é tão central aos temas do jogo, mas é definitivamente um jogo mais negro, em que os protagonistas tomam decisões difíceis, e no qual não existem soluções perfeitas.
O enredo é um drama político, é uma luta contra a opressão, é um romance, é uma aventura. É um Final Fantasy.
E Final Fantasies são sempre diferentes. Se a série tem uma identidade, é essa, mais do que chocobos ou moogles ou protagonistas taciturnos. Mas existe sempre uma magia lá presente, um nível de cuidado e qualidade que se manteve ao longo dos anos.
E Final Fantasy XVI demonstra isso.
Mesmo que achem que o sistema de combate não é para vocês, mesmo que estejam desiludidos com a falta de parties, aconselho-vos a pelo menos experimentar o demo, se tiverem um sistema compatível. É um jogo fenomenal, que faz todos os esforços para poder ser apreciado pelo maior número de pessoas possível, e nada me faria mais feliz do que efectivamente ver os esforços do Yoshi-P a dar fruto e a reconquistar pessoas que poderiam já considerar que esta série não é para elas.
Porque basta ouvir aqueles primeiros acordes do tema principal para saber que estamos prestes a embarcar numa aventura fenomenal.
TL;DR: O jogo é bom. Ide mas é jogá-lo.
Pros:
- Qualidade a todos os níveis;
- Gráficos incríveis;
- Música incrível;
- Vozes incríveis;
- Personagens excelentes;
- História fenomenal;
- Glossário dentro do jogo espetacular;
- Sistema de combate que pode ser personalizado para todos os gostos;
- Torgal.
Cons:
- O áudio durante o combate é muito mais alto;
- …poderá ter demasiadas cutscenes, especialmente ao início;
- Não tem opções de linguagem em Português.
Leitura boa, gostei!!!! Valeu!!!!