Três anos depois de Jin Sakai nos ter mostrado o caminho do fantasma, a Sucker Punch regressa com Ghost of Yotei, trocando as planícies verdejantes de Tsushima pelas montanhas inóspitas de Hokkaido. Com Atsu como protagonista, esta sequela não se limita a repetir fórmulas, reinventa-se com a confiança de quem domina na perfeição a arte do combate.
Estamos em 1603, mais de três séculos após os eventos do primeiro jogo. O Japão vive o início do período Edo, e Hokkaido representa a última fronteira selvagem do império. Atsu, a nossa nova protagonista, carrega o peso de um passado misterioso enquanto percorre as terras geladas em busca de vingança. O jogo aposta numa fusão entre realismo histórico e fantasia mitológica japonesa.
A narrativa desenvolve-se com um ritmo calculado, revelando camada após camada a complexidade da personagem. Onde Jin lutava entre a honra e a sobrevivência, Atsu debate-se com questões de identidade e pertença, e com o desenrolar da história vamos conhecendo melhor a tragédia da sua família com algumas surpresas pelo caminho.
Desde o primeiro momento em que o jogador pisa as encostas do Monte Yotei, a atmosfera é esmagadora: visuais deslumbrantes, uma direção artística que combina minimalismo com detalhe e uma banda sonora que mistura instrumentos tradicionais japoneses com composições épicas dignas de cinema.
Uma história sobre pertencer quando não se pertence a lado nenhum
A escrita mantém-se sóbria mas impactante, com diálogos que respiram autenticidade histórica. Atsu é uma protagonista credível, com a qual muito rapidamente nos vamos identificar, marcada pelo trauma e cega pelo desejo de vingança, enveredamos por uma história épica, cheia de encontros e desencontros, onde Atsu vai evoluindo como personagem e criando a sua própria lenda em Hokkaido.
O que começa como uma simples busca por retribuição rapidamente se transforma em algo muito mais profundo. Atsu, vista pelos locais como uma “Onryō” (um fantasma vingativo) descobre que a sua jornada não é apenas sobre punir os culpados, mas também sobre cura e redenção. Ao longo do caminho, ela encontra aliados improváveis e forma laços que transcendem a sua missão inicial, adicionando camadas de complexidade e humanidade à sua personagem.
Onryō refere-se a um tipo de espírito vingativo presente no folclore japonês. Estas entidades são geralmente almas de pessoas que morreram em circunstâncias trágicas, injustas ou violentas e regressam ao mundo dos vivos movidas por ressentimento e desejo de vingança.
A narrativa é habilmente construída com mecânicas como flashbacks, que permitem aos jogadores mergulhar no passado de Atsu e compreender a profundidade da sua dor e motivação. A interação com um elenco diversificado de personagens, cada um com os seus próprios talentos e motivações, enriquece ainda mais a experiência, tornando a história de Atsu uma jornada de autodescoberta e de forjar um novo futuro esperançoso, para além do ciclo de violência. Ghost of Yotei prova que, mesmo nas sombras da vingança, pode florescer uma história de profunda resiliência e a busca por um propósito maior.
Os personagens secundários que vamos encontrando pelo caminho, desde monges errantes a comerciantes Ainu, passando por antigos mestres e guerreiros, têm histórias próprias que se entrelaçam naturalmente com a jornada principal. As missões secundárias deixaram definitivamente de ser mero enchimento para se tornarem pequenos contos que enriquecem o mundo e a nossa compreensão dele.
Estas missões secundárias são ainda enriquecidas com a opção de podermos abordar vários caminhos na história principal. Ghost of Yotei não vai impor ao jogador uma linha retilínea até aos eventos finais, vão poder abordar os grandes inimigos da maneira que preferirem. Podem ir diretamente ao confronto final com o boss, fazer algumas missões secundárias para ganhar experiência ou então, fazer tudo o que houver naquela aérea para tirarem proveito de todo o lore da história. São vocês, que em Ghost of Yotei, vão ditar o ritmo a que a história decorre.
Combate Refinado Como Uma Lâmina Perfeita
Se Ghost of Tsushima já tinha estabelecido um padrão elevado para combate com espadas, Ghost of Yotei eleva a fasquia ainda mais. Atsu move-se com uma fluidez quase dançante, e cada golpe tem um peso palpável.
As novas armas introduzidas, adicionam camadas táticas sem complicar desnecessariamente. O timing continua a ser rei, mas agora temos mais ferramentas para abordar cada confronto. Desde o confronto direto, à abordagem mais furtiva, passando por ataques corpo a corpo e à distância, têm ao vosso dispor toda uma panóplia de opções para abordarem os inimigos. Os duelos, marca registada da série, regressam com ainda maior intensidade cinematográfica.
A progressão continua a ser feita de forma inteligente. Vamos aperfeiçoando o nosso estilo de combate através de um sistema que recompensa a exploração do ambiente. Vamos visitar vários altares que nos dão pontos para desbloquear técnicas de árvores de habilidades. Isto vai obrigar um maior entrosamento do jogador com o ambiente do jogo.
Ghost of Yotei mergulha assim os jogadores num sistema de combate que é, ao mesmo tempo, brutalmente eficaz e profundamente gratificante. Atsu, a protagonista, não é apenas uma guerreira; é uma artista da lâmina e do arco, capaz de alternar com fluidez entre combate corpo a corpo e à distância. O arsenal à sua disposição é vasto e variado, com cada arma a possuir a sua própria árvore de habilidades, incentivando os jogadores a experimentar e a forjar um estilo de jogo que se adapte à sua preferência, seja ele focado na precisão cirúrgica ou na força avassaladora.
Combate brutal e gratificante
As inovações na jogabilidade não se ficam por aqui. A capacidade de desarmar inimigos e usar as suas próprias armas contra eles adiciona uma camada estratégica fascinante aos confrontos. Além disso, Atsu não está sozinha na sua jornada; uma companheira loba fiel pode ser chamada para auxiliar em combate, adicionando uma dinâmica interessante às batalhas. O mundo construido pela Sucker Punch é um convite à exploração, e Ghost of Yotei abraça essa filosofia com um design de mundo aberto que valoriza a liberdade do jogador. Em vez de marcadores de mapa intrusivos, somos guiados por um sistema orgânico de “cartas de pista”, interrogatórios a inimigos e até mesmo pela observação de guias naturais, como os pássaros que nos levam a segredos e novas áreas.
A progressão e personalização são elementos centrais, permitindo aos jogadores desbloquear e aprimorar armas e habilidades de Atsu, bem como personalizar armaduras, armas e amuletos para otimizar o seu desempenho em combate e na exploração. Esta profundidade garante que cada jogador possa moldar Atsu à sua própria imagem, tornando a sua vingança verdadeiramente pessoal.
Um Mundo Que Respira História
Hokkaido em 1603 é um cenário diferente de Tsushima. O ambiente é pautado por regiões montanhosas, acompanhas de enormes planícies, com o Monte Yotei a dominar o horizonte, servindo como ponto de referência constante e lembrança do isolamento desta terra.
O design de mundo aberto continua a filosofia “orgânica” de Ghost of Tsushima, sem marcadores excessivos no mapa, somos guiados pelo vento, pelos pássaros e pela nossa curiosidade natural. Cada canto do mapa esconde segredos, santuários e missões secundárias que, ao contrário de muitos jogos do género, parecem ter sido construídas à mão, com uma narrativa própria e recompensas que fazem sentido.
As paisagens são retratadas com um detalhe e uma beleza que roçam o fotorrealismo, desde os cumes nevados do Monte Yotei até aos campos de flores silvestres que se estendem até onde a vista alcança, passando pelos terrenos rochosos e florestas densas. A direção de arte é sublime, capturando a essência da estética japonesa com uma paleta de cores vibrante e uma atenção meticulosa aos detalhes ambientais.
Cada cenário é uma obra de arte, convidando à exploração e à contemplação. A forma como a luz interage com a folhagem, a água e a neve cria uma atmosfera imersiva que é difícil de igualar. Embora seja natural fazer comparações com o seu antecessor, Ghost of Tsushima, Ghost of Yotei consegue estabelecer a sua própria identidade visual, aprimorando os elementos que tornaram o primeiro tão memorável e elevando-os a um novo patamar na PS5. A atenção aos pequenos detalhes, como o movimento da roupa de Atsu ao vento ou a forma como as folhas caem das árvores, contribui para uma experiência visual coesa e profundamente envolvente, que solidifica o jogo como um dos mais belos títulos disponíveis na PlayStation 5.
Visualmente, Ghost of Yotei é simplesmente deslumbrante. A Sucker Punch aproveitou o poder da PS5 para criar o que poderá ser um dos jogos mais bonitos desta geração até ao momento. Os campos de erva que ondulam ao vento são hipnotizantes, com partículas individuais que reagem realisticamente ao movimento. Basicamente pegaram no já excelente Ghost of Tsushima e aumentaram tudo ainda mais graças ao poderio da PlayStation 5. A densidade de elementos no ecrã é notória, sem qualquer constrangimento de performance. Julgo até que alguns assets terão transitado diretamente de Ghost of Tsushima, mas agora na PS5 conseguem ser utilizados em maior número.
Brutal. Belo. Inesquecível
Visualmente vão assim encontrar um jogo que será familiar para quem jogou Ghost of Tsushima, mas com um incremente gráfico graças à PlayStation 5.
Em Ghost of Yotei vão encontrar 3 modos gráficos:
- Qualidade: Visa 30 fotogramas por segundo numa resolução maior
- Desempenho: Visa 60 fotogramas por segundo numa resolução menor
- Ray-tracing: Ativa iluminação de maior qualidade e visa 30 fotogramas por segundo numa resolução intermédia
O trabalho de áudio merece destaque especial. A banda sonora mistura instrumentos tradicionais japoneses com arranjos mais contemporâneos, criando uma identidade sonora interessante.
Quanto à localização para português, para além das legendas temos também tal como em Ghost of Tsushima dobragem para português. E se fui critico da dobragem do primeiro jogo, neste segundo as coisas definitivamente correram de melhor maneira. Já não temos aquela localização estereotipada da fonética japonesa para português. Com alguns atores esporadicamente ainda temos algumas diferenças entre a mesma palavra que é dita de maneira diferente, mas de um modo geral a localização foi mais bem conseguida que a de Ghost of Tsushima.
Não jogamos Ghost of Yotei – vivemos nele
A Sucker Punch não desiludiu e o comando DualSense é utilizado de forma exemplar. Sentimos a tensão do arco através dos gatilhos adaptativos, cada tipo de terreno tem uma sensação diferente sob os nossos pés, e o feedback háptico durante os duelos transmite o choque metal contra metal com precisão cirúrgica.
O modo fotografia continua a ser dos mais completos do mercado, com muitas opções. O modo Kurosawa regressa, agora complementado por outros modos cinematográficos, temos assim:
- Modo Kurosawa: Inspirado nos filmes do aclamado realizador Akira kurosawa. (Aplica um filtro estilizado de tons pretos e brancos para uma experiência cinematográfica)
- Modo Miike: Inspirado nos filmes do aclamado realizador Takashi Miike. (Com mais lama e mais sangue e um plano cinematográfico mais aproximado)
- Modo Watanabe: Inspirado no aclamado diretor de anime Shinichiro Watanabe (criador de Cowboy Bebop, Samurai Champloo). (Inclui música lo-fi original criada sob a direção do diretor)
Como facilmente podem constatar, uma grande liberdade para abordarem a história principal, missões secundárias variadas e interessantes, muitos pontos de interesse no enorme mapa, estilos de combate diferentes, muitas armas e mais três modos de jogo, dão a Ghost of Yotei muitas horas de entretenimento e uma enorme rejogabilidade.
Veredicto – O fantasma de Tsushima tem sucessor digno
Ghost of Yotei não é apenas uma sequela competente, é uma evolução natural e ambiciosa que justifica plenamente a sua existência. A Sucker Punch pegou em tudo o que funcionou no original, poliu as arestas e adicionou inovações suficientes para criar uma experiência que se sente simultaneamente familiar e fresca.
A mudança de protagonista e período histórico dá ao estúdio liberdade criativa para explorar novos temas e mecânicas. Atsu conquista o seu lugar ao lado dos grandes heróis dos videojogos, e Hokkaido revela-se um cenário tão memorável quanto Tsushima.
A jornada de Atsu, marcada pela vingança e pela busca de redenção, é uma narrativa poderosa que ressoa muito depois de os créditos rolarem. A profundidade da sua história, aliada a um elenco de personagens memoráveis e a mecânicas narrativas inteligentes, garante que os jogadores se vão sentir profundamente conectados ao destino da “Onryō”.
A exploração do vasto e belo mundo de Ghost of Yotei é uma experiência orgânica e gratificante, repleta de segredos e atividades que enriquecem a aventura sem nunca se tornarem repetitivas. Visualmente, o jogo é uma obra-prima, com gráficos deslumbrantes que aproveitam ao máximo o hardware da PlayStation 5, criando um mundo que é tão perigoso quanto belo.
Ghost of Yotei é aquele raro exemplo de uma sequela que compreende perfeitamente o que tornou o original tão amado, e depois constrói sobre esses alicerces sem medo de expandir. É um jogo mais confiante, mais maduro e tecnicamente sublime.
Obrigatório
Para os fãs do primeiro jogo, Ghost of Yotei é compra obrigatória. Para os novatos, é o ponto de entrada perfeito numa saga que se está a estabelecer como uma das mais importantes da PlayStation.
Ghost of Yotei não é apenas um dos melhores jogos do ano; é um dos melhores exclusivos da PS5 e uma demonstração de poderio da consola. A Sucker Punch não entregou apenas mais uma aventura de mundo aberto, entregou uma experiência profundamente emocional, um testemunho da resiliência do espírito humano, e uma masterclass em design de videojogos.
Ghost of Yotei é um título obrigatório para os fãs de Ghost of Tsushima, para os amantes de jogos de ação-aventura com narrativas ricas e para qualquer um que procure uma experiência que celebre a cultura japonesa com respeito e paixão. Com um potencial de longevidade considerável, tanto pela sua história quanto pela sua jogabilidade, Ghost of Yotei não é apenas um jogo; é um novo legado que se ergue nas sombras do Monte Yotei, pronto para cativar uma nova geração de jogadores.
Pontos Fortes
- Narrativa Rica e Emocional: Uma história profunda de vingança, cura e redenção, com uma protagonista cativante (Atsu) e um elenco de personagens memoráveis. A inclusão de flashbacks e a construção de laços adicionam camadas de complexidade.
- Combate Dinâmico e Estratégico: Sistema de combate brutalmente eficaz e gratificante, com um vasto arsenal de armas, árvores de habilidades e novas mecânicas como desarmar inimigos e companheira loba. Permite forjar um estilo de jogo pessoal.
- Exploração de Mundo Aberto Orgânica: O mundo de Ezo é um convite à exploração com liberdade do jogador, guiado por “cartas de pista” e guias naturais, em vez de marcadores intrusivos. Oferece paisagens variadas e atividades opcionais que enriquecem a aventura.
- Gráficos e Direção de Arte Deslumbrantes: Visuais que tiram o máximo partido da PlayStation 5, com paisagens retratadas com detalhe e beleza quase fotorrealista. A direção de arte capta a essência da estética japonesa, criando uma atmosfera imersiva.
- Integração Imersiva das Funcionalidades da PS5: Áudio Tempest 3D; tempos de carregamento praticamente instantâneos; os Gatilhos Adaptativos e o Feedback Háptico do DualSense oferecem uma conexão física e visceral com o jogo
- Modos Visuais Distintos: A inclusão de modos como Kurosawa, Miike e Watanabe permite personalizar a experiência, adicionando valor de replay ao jogo e opções para diferentes preferências.
Pontos Fracos
- Fórmula de mundo aberto pode mostrar algum desgaste
- Ritmo pode arrastar-se dependendo do estilo de jogo do jogador
- O início do jogo não é tão épico quanto o de Ghost of Tsushima