Setembro arrancou em grande para os jogadores, trazendo consigo títulos há muito aguardados como Cronos: The New Dawn e, claro, Hollow Knight: Silksong, que rapidamente dominaram a atenção do público gerando um forte burburinho e onda de comentários. No entanto, entre estes gigantes, surgiu também Hell is Us, a mais recente aposta da Nacon e da Rogue Factor. Trata-se de um jogo que se distingue pela sua narrativa intrigante e por uma abordagem à exploração menos convencional, mais atmosférica e envolvente, convidando-nos a mergulhar numa experiência que foge ao tradicional.
A história de Hell is Us acompanha Rémi, um protagonista marcado por um passado atribulado, lançado num território devastado por conflitos e assombrado por entidades misteriosas, enquanto procura respostas sobre o paradeiro dos seus pais. Não há aqui longas cinemáticas a conduzir a narrativa; em vez disso, tudo se revela através da exploração, dos diálogos e dos fragmentos de informação escondidos em documentos, artefactos ou sinais espalhados pelo mundo.

O jogo debruça-se sobre temas intensos como a guerra, o luto e a identidade, explorando de que forma a violência e os traumas moldam as pessoas, assim como os lugares em que habitam. Estes temas ganham ainda mais força graças ao ambiente que os rodeia: um mundo destruído e politicamente instável, permeado por elementos sobrenaturais que intensificam a estranheza deste universo ficcional inspirado na nossa realidade. As ruínas contam a história de civilizações passadas, os vestígios militares lembram conflitos recentes, e é da fusão entre este contexto histórico e a mitologia fantástica que Hell is Us constrói a sua identidade.
Os produtores durante uma entrevista referiram que jogos clássicos como The Legend of Zelda, serviram de inspiração no que respeita à exploração: dar pistas suficientes para orientar, mas não de modo a eliminar o mistério ou a sensação de descoberta.
Desde os primeiros momentos, a exploração revela-se um dos elementos mais surpreendentes do jogo. Ao contrário do que acontece na maioria dos títulos do género, não existe um mapa repleto de ícones a apontar o caminho. A descoberta fica inteiramente nas mãos do jogador, que precisa de observar, investigar e interpretar o ambiente para decidir como avançar. Recomendo, aliás, ter sempre um caderno à mão para anotar pistas, soluções de quebra-cabeças ou até esboçar um mapa mental das áreas visitadas, assim evitam recorrer constantemente ao datapad do protagonista, onde se acumulam inúmeras informações ao longo da aventura. Esta ausência de orientação explícita transforma cada deslocação numa pequena conquista, e cada descoberta num momento único e recompensador.
Claro que este estilo de exploração exige paciência e curiosidade, sobretudo de quem quiser aprofundar o lore do jogo. No meu caso, foi um verdadeiro prazer conhecer as personagens, ajudá-las e juntar cada peça de informação como num puzzle em construção, de forma a cumprir tanto o objetivo principal como as missões secundárias.

Diferente da narrativa e da exploração, o combate assume um papel mais secundário. As batalhas são menos frequentes, mas não deixam de ser interessantes e desafiantes. O protagonista não dispõe de um vasto arsenal nem de poderes extravagantes, pelo contrário, os confrontos assentam sobretudo em armas corpo-a-corpo, como espadas e machados. A sua estrutura faz lembrar os jogos souls, com um ritmo mais metódico e estratégico. Aqui não há espaço para ataques descuidados, é fundamental ler os movimentos das criaturas e escolher o momento certo para atacar ou defender.
Além disso, dois sistemas trazem variedade ao combate: o drone e os glifos. O drone, sempre presente ao lado do protagonista, serve não só para analisar elementos do ambiente, mas também para apoiar em batalhas, funcionando como uma extensão das nossas capacidades. Pode, por exemplo, distrair inimigos ou potenciar a força dos golpes. Já os glifos permitem personalizar as armas, conferindo-lhes habilidades que alteram a abordagem ao combate. Além de mudarem a forma e o poder de ataque, introduzem mecânicas como defesas adicionais ou efeitos que exploram as fraquezas dos inimigos. Escolher os glifos certos para cada situação acrescenta uma camada interessante à estratégia que incentiva a experimentação e a adaptação constantes.
Quanto aos adversários, os hollow walkers, não apresentam grande diversidade estética, mas destacam-se pelo aspeto alienígena. A cor e o brilho no centro do corpo de cada criatura ajudam a identificar a sua força como a emoção que transportam, permitindo avaliar rapidamente o nível de ameaça antes de os enfrentarmos. Embora o comportamento destes inimigos não varie muito, a maioria garante um desafio consistente.

Visualmente, Hell is Us aposta numa estética melancólica e sombria, transmitindo com eficácia a sensação de atravessar um país em colapso. A direção artística privilegia a atmosfera, criando uma identidade única que complementa o tom da narrativa. O jogo oferece ainda dois modos gráficos, um focado na qualidade visual e outro na fluidez, ambos a funcionar de forma competente. Contudo, existem pequenas falhas, como animações que por vezes carecem de detalhe ou quedas ocasionais de frames em combate, felizmente sem impacto significativo na experiência.
Antes do seu lançamento, foi criada uma banda desenhada digital gratuita, que serve de prequela à história do jogo e aprofunda a jornada de Rémi antes dos acontecimentos principais.
O som acompanha esta identidade com igual qualidade. O design sonoro é meticuloso: o sopro do vento, os ecos em cavernas e ruínas, ou os gritos das criaturas integram-se de forma orgânica na exploração. A banda sonora, marcada por composições discretas de tom eletrónico, reforça a atmosfera e o desconforto, em vez de recorrer a melodias intensas. Também o voice acting foi cuidadosamente escolhido, ajustando-se à personalidade e aparência de cada personagem. A única falha notória surge no tamanho das legendas, que podiam ser maiores e mais legíveis, dificultando a leitura em determinadas situações.
Hell is Us não é certamente um jogo para todos. A sua aposta numa exploração livre de guias e numa narrativa fragmentada pode afastar quem prefere experiências mais lineares. No entanto, para quem valoriza atmosferas densas, mistério e uma abordagem diferente dentro do género de ação e aventura, este título revela-se uma proposta refrescante e assinalável. Apesar de algumas falhas técnicas e de um combate menos variado, a identidade única que constrói através da sua direção artística, temas narrativos e mecânicas de exploração, faz dele uma experiência que merece ser descoberta.