O Japão continua a ser um dos maiores palcos para a criação de RPGs. Devido às suas emblemáticas paisagens e a sua cultura única é fácil pegar e moldar os seus elementos para desenvolver histórias incríveis e personagens carismáticas. Numa era onde as linhas que separam os media de entretenimento uns dos outros estão cada vez finas, fomos servidos a uma nova aposta coproduzida pela Marvelous e pela SIEG Games editada pela Marvelous Europe, que parece recorrer a diversas tendências que deixaram a sua marca na indústria.

Em Loop8: Summer of Gods, o jogador encarna Nini, um rapaz adolescente que está de visita à cidade rural de Ashihara para passar o verão com a sua prima. Este está longe de ser um ser humano normal, porque nasceu na estação espacial Hope, um refúgio que foi criado há 8 anos pelos humanos após a invasão dos Kegai, criaturas místicas com intenções malévolas que vagueiam pelo mundo por mais de 7000 anos. Inexplicavelmente, o jovem estudante do ensino básico obtém novos poderes que permitem ver as criaturas que são invisíveis a olho nu. Rapidamente o nosso herói adquire outros meios e recursos para os localizar e consequentemente, combater. Grande parte destes poderes são adquiridos através das interações sociais com os outros habitantes. Contudo, o tempo é escasso para destruir os planos dos Kegai. Isto porque Nini tem apenas os cinco primeiros dias do mês de agosto para impedir que estes destruam a barreira que protege Ashihara. No caso de ser derrotado, Nini regressará até ao dia 1 de agosto de 1983 e vai iniciar um novo ciclo. Contudo, cada um destes é uma oportunidade única para desenvolver o seu estatuto social, conquistar aliados e descobrir novas informações e fraquezas sobre os Kegai.

Impossível não pensarmos logo no ovo do Windfish de The Legend of Zelda: Link’s Awakening

Mesmo que Loop8; Summer of Gods não faça parte de um jogo da série Persona não deixa de ser incrível como o seu fluxo encaixa na perfeição nos jogos desta série. O mesmo partilha imensos paralelos, especialmente com o mundo de Persona 4. O ambiente é essencialmente o mesmo. O jogador encarna um jovem estudante que é mergulhado numa pequena cidade rural japonesa envolta em mistério. No local não só interage com outras personagens como desenvolve meios -que consequentemente se enraízam nas próprias mecânicas de jogo- para conquistar as ameaças que vagueiam pelo seu mundo.

Tal como os spinoffs de Shin Megami Tensei, o jogo também apresenta uma estrutura de calendário, que também proporciona um de número fixo de atividades diárias. O jogador possui um índice de resistência que é reduzido após o final de cada uma destas e um minuto no jogo corresponde a um segundo na realidade. Quando a sua resistência está esgotada ou o relógio atinge as três da manhã, o jogador automaticamente volta para casa para dormir e acordar no dia seguinte. Existem alimentos como o café que aumentam o tempo de Nini para desempenhar tarefas e socializar, mas a forma mais eficiente de recuperar resistência é dormir, evidentemente que este processo vai fazer com que se perca tempo precioso, afinal cada ciclo de jogo apenas tem 5 dias. Por isso é exigido aos jogadores um planeamento antecipado das atividades do quotidiano da personagem.

O dia de Nini começa logo no início da manhã com as aulas das 9h até às 13h. Ao contrário de Persona não somos servidos com trivia ou formas de desenvolver o intelecto da personagem, infelizmente apenas é necessário chegar a horas. As aulas não são obrigatórias, mas conferem status imprescindíveis para melhorar as aptidões da personagem. Também é a via mais simples de desenvolver laços e interagir com os outros estudantes porque é o sítio onde geralmente todas as personagens se reúnem. Se o jogador desejar pode enveredar para outras atividades para desenvolver outras habilidades tais como treinar nas barras de ferro para desenvolver a força ou corrida para desenvolver a agilidade na praia.

Os cenários e personagens vão fazer-vos sentir que estão a assistir a uma série anime

A cidade de Ashihara pode dar a entender que é uma localização bem populada. Infelizmente, nada mais longe da realidade. No local o jogador apenas vai poder interagir com doze personagens. Muitos destes partilham histórias macabras. Por exemplo, temos a “avó” do protagonista, que não só ignora completamente o seu parentesco como também tem uma aparência de uma mulher jovem, uma menina com orelhas e rabo de raposa, ou um “cientista” que tenta substituir a sua falecida irmã por um robot criado à sua imagem.

A maioria das conversas decorre automaticamente. Contudo, também podem começar com a simples interação entre personagens. Durante as mesmas o jogador tem a possibilidade de apimentar o diálogo com emoções tais como ficar aborrecido, lisonjear, ou até troçar com quem falamos. Devido a estes registos é possível que Nini entre num clima de romance, ao desfrutar eventos únicos junto das personagens femininas. Escusado será dizer que nesta fase o jogo se torna literalmente numa visual novel. Contudo, ao contrário de muitos jogos desse género não é assim tão fácil conquistar uma cara metade. Infelizmente as conversas estão longe de ser dinâmicas e memoráveis, digamos que a população de Ashihara não é das mais originais, um efeito no mínimo estranho para um jogo com uma forte componente de diálogos.

Além de desenvolver as suas estatísticas com atividades e interações -bastante limitadas- entre personagens, o jogador ainda dispõe de uma terceira via, as benções. Estas são entregues por um esquilo voador e são imprescindíveis para o desenrolar do jogo visto que fazem com que as habilidades de Nini e dos seus companheiros -que o acompanham de momento- fiquem permanentes mesmo no final de um ciclo sem sucesso. Sem este recurso é impossível terminar o jogo. Isto porque os relacionamentos, os estados emocionais e os valores das personagens voltam ao zero. Muitos eventos que acontecem na aventura enfatizam a urgência das personagens em se prepararem para o combate de forma a evitar que os Kegai tomem posse dos habitantes. Não vou negar que durante a aventura senti um misto entre a paz estoica de Ashihara e um constante sentido de urgência, principalmente quando a cidade estava a perder a sua proteção e foi necessário enfrentar batalhas à partida, perdidas. O “grinding” não é solução porque o jogo não dispõe de um sistema de desenvolvimento de personagens com recurso a níveis.

Dinheiro não é problema para o Nini por isso utiliza os restaurantes e cafés para repores a sua resistência

Acreditem que mesmo sendo inútil o conflito é inevitável para repelir o ataque dos invasores. Infelizmente nem todas as personagens vão querer acompanhar Nini ao mundo misterioso dos Kegai, retratado no jogo como uma versão alternativa de Ashihara. Nini pode escolher duas personagens para o acompanhar na sua viagem ao submundo. Como são muito reduzidas, todas podem ser recrutadas. No entanto, as meninas inexplicavelmente deixaram a minha equipa um pouco antes do portal se abrir porque sentiram o perigo iminente, realmente fiquei na dúvida se foi devido a alguma situação anterior, ou é mesmo outra das inevitabilidades do jogo.

Os combates fluem por turnos. Em cada controlamos apenas as ações de Nini, porque os seus aliados agem livremente, um elemento que deitou por terra a estratégia do jogo. Mas o que difere Loop8: Summer of Gods das restantes propostas no mercado está presente nas emoções das personagens. Cada ação contra as personagens afetadas pelos Kegai dispõe de três tipos de sentimentos, amizade; carinho; ódio. É imperativo que as personagens tenham uma boa relação com Nini porque abrirão portas para gradualmente utilizarem ataques mais poderosos que exigem um certo nível de energia. No caso do ódio é necessário utilizá-lo com muita moderação porque embora Nini consiga soltar um ataque poderoso vai fortalecer também o Kegai no decorrer do combate. É neste panorama que as interações entre personagens se tornaram no elemento chave para vencer as batalhas mais poderosas. Infelizmente não abundam em qualidade e quantidade. Um dos aspetos que adorei no combate é a morte definitiva de uma das personagens. Ao contrário de muitos RPGs finalmente senti o peso e responsabilidade do falecimento de um aliado nas batalhas. Nas mesmas batalhamos os Kegai que possuíram uma das 11 personagens. Mesmo que seja possível salvar a personagem, quem morre, morre definitivamente no ciclo e esse acontecimento trágico é refletido nas outras personagens e encurta consideravelmente o número de membros possíveis para combater juntamente com Nini.

Mesmo com uma mecânica tão interessante não fui capaz de sentir que o jogo siga o termo “loop” demasiado à risca. O seu fluxo surge sempre da seguinte forma em cada ciclo. Um Kegai invade Ashihara, temos 5 dias para o descobrir e eliminar, durante esse tempo temos de desenvolver os atributos de Nini através da interação os habitantes de Ashihara e recolhemos magatamas para destruir barreiras para enfrentarmos um amigo que foi mergulhado na loucura pelos Kegai. Para quebrar este fluxo acredito que o jogo poderia ter aproveitado melhor a abertura dos portais. Simplesmente falamos com todos até que um se manifeste e o jogo prossiga, um efeito que acabou por imprimir ainda mais monotonia e linearidade ao ciclo. Este ciclo também pode ser doloroso porque Nini não tem um botão de corrida, corre muito lentamente e o tempo não para. Existem localizações bem distantes que demoramos muito tempo a chegar. Um mapa mundo funcional e carregamentos recorrentes não favorecem nada a repetição de cada ciclo e o seu gameplay.

Os combates obrigam a desenvolvermos táticas metódicas com base nas relações entre as personagens

O mesmo não podemos dizer do seu aspeto visual. Dei por mim em vários momentos a acreditar que estava a assistir a um anime. Sem dúvida muito superior ao que vimos em Time and Eternity para a PlayStation 3. Aliás vou mais longe e afirmo que já assisti a muitos anime CGI com piores modelos de personagens. O estilo gráfico é magnifico, os poucos cenários que acompanham o jogo são verdadeiras pinturas aquareladas incrivelmente detalhadas. Neste rol o que realmente poderia ser melhorado são as animações. Praticamente todas as personagens utilizam as mesmas animações, por esse motivo algumas introduzem um efeito estranho em certas expressões. O jogo não teve quaisquer problemas a ser executado nos nossos aparelhos. Quer a nossa build composta por um processador AMD Ryzen 9 5950X, placa gráfica NVIDIA GeForce RTX 4090 MSI Suprim X e 64 GB RAM a 3600 MHz, o nosso portátil Lenovo Legion 5 equipado com uma placa gráfica NVIDIA Geforce RTX 3070 a 140w, ou a Steam Deck não registaram nenhum problema a correr o jogo. De salientar que na máquina da Valve o jogo pode ser desfrutado de 5 a 6 horas com as configurações recomendadas, isto deve-se em grande parte ao jogo praticamente não ter opções gráficas. É notória a herança de consola neste título. Resolução e efeitos de sombras, estes são os elementos gráficos que podemos modificar. O jogo também está bloqueado a 60 fotogramas por segundo.

O som é um dos grandes cartões de visita para passarmos férias em Loop8: Summer of Gods. As melodias de piano compostas por Noriyuki Iwadare (Grandia), fazem-nos viajar imediatamente para um verão japonês, realmente só faltou ouvirmos a todos os momentos as célebres cigarras que acompanham 90% dos animes slice of life. A atmosfera muda abruptamente quando o perigo está iminente, para dar palco a uma atmosfera mais opressiva e intimidativa. O jogo não tem suporte na UI para os comandos PlayStation ou Nintendo Switch, apenas apresenta a UI dos comandos Xbox. Para apelar a todos os públicos, Loop8: Summer of Gods dispõe de áudio em inglês e japonês, infelizmente no suporte de textos não consta o Português.

Loop8: Summer of Gods é essencialmente vítima da sua própria ambição. O jogo tenta conquistar públicos ao introduzir alguns dos elementos mais predominantes da série Persona e de algumas Visual Novels. Contudo, não consegue moldar e desenvolver essas características para criar uma identidade própria. Realmente é muito fácil gostar desta aventura, o seu aspeto visual e a sua direção artística seduzem de imediato qualquer fã de Rpgs, mas devido ao fluxo que criou não consegue reter os jogadores nas lentas e emblemáticas paisagens de Ashihara. Esta é sem dúvida uma aventura que se traduziria melhor para anime do que para um videojogo.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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