Bang Ying tinha um sonho. A sua visão era criar um Action RPG inspirado em Final Fantasy XV e na série Devil May Cry que fosse capaz de preencher o vazio deixado por séries de jogos, tais como Ninja Gaiden, Onimusha e Bayonetta. O projeto foi revelado em 2016 e foi desenvolvido unicamente por Ying, até chamar a atenção da Sony Interactive Entertainment e ser integrado no programa PlayStation ChinaHero Project, um projeto criado pela Sony para apoiar estúdios independentes chineses com financiamento e recursos. Após inúmeros adiamentos e grandes atribulações, Lost Soul Aside finalmente chegou à PlayStation 5 e ao PC (Steam). É importante destacar que este é um dos primeiros jogos a receber lançamento simultâneo nestas plataformas. Será este um prenúncio de novas tendências? Só o tempo dirá.
A narrativa apresenta-nos Kaser e a sua irmã Louisa na noite mais importante das suas vidas, quando estavam prestes a iniciar uma rebelião para libertar o povo de um império tirânico. O clima era de esperança, mas em instantes tudo ruiu. Uma chuva de meteoros devastou a cidade e no meio do caos a alma de Louisa foi arrancada do seu corpo.
Esse momento muda por completo a perspetiva do jogo. Não estamos perante a clássica história de um escolhido destinado a cumprir uma profecia. A missão de Kaser transforma-se numa revolução política profundamente pessoal, a busca desesperada por recuperar a alma da irmã. O protagonista não é um herói predestinado, mas sim um irmão desesperado que foi forçado a carregar um poder terrível. A motivação humana e frágil sustenta toda a aventura épica que se desenrola através de dimensões.
Rapidamente descobrimos que os meteoros eram na verdade uma invasão de criaturas dimensionais chamadas Voidrax que se alimentam de almas. O único aliado de Kaser é Arena, um espírito ancestral de dragão rabugento, pomposo e cínico que acaba inevitavelmente ligado. A relação entre os dois é o verdadeiro coração da narrativa. Kaser é reservado e marcado pela dor enquanto Arena transmite sarcasmo e um cansaço milenar. O contraste gera diálogos memoráveis e sobretudo uma evolução gradual de confiança que se torna o motor emocional da história, existem alguns paralelismos com Forspoken neste sentido, mas a execução é bem melhor a meu ver. Certamente que uma história sobre parar uma invasão dimensional não é novidade, mas o vínculo entre as personagens confere-lhe peso, autenticidade e relações mais orgânicas. Desde muito cedo também notei semelhanças com Solo Leveling e a confirmação veio quer pela narrativa onde um herói sacrifica tudo para salvar um ente querido e também pela estética.

Kaser não deve nada a Jin Woo e desde os primeiros minutos sentimos a influência de clássicos como Devil May Cry e Bayonetta, especialmente com os movimentos de Arena. Contudo, o combate não se limita a imitar festivos caçadores de demónios ou Bruxas Umbra e apresenta uma identidade própria marcada pela fluidez explosiva. Cada comando tem impacto imediato e satisfatório. O sistema é acessível no início e permite combinações vistosas e revela profundidade quando Kaser começa a trocar de armas em plena batalha de forma semelhante ao príncipe de Final Fantasy XV. Cada arma possui ritmo, efeitos e vantagens únicas que favorecem diferentes estratégias, algumas mais eficazes contra bosses, outras contra hordas de Voidraxes. É neste quesito que o melhor de Lost Soul Aside vem ao de cima.
Arena tem um papel fundamental nos confrontos. O espírito do dragão desbloqueia habilidades que vão de reforços de ataque e escudos temporários até melhorias de cura. Também introduz mecânicas avançadas, tais como o Burst Pursuit, que recompensa ataques sincronizados com explosões adicionais de dano, e as Fusion Attacks, em que as garras de Arena devastam inimigos.
Contudo, não basta atacar sem pensar, pois, a defesa é tão vital quanto o ataque. A esquiva exige precisão, mas é o parry que se torna crucial. Em combates mais difíceis, um bloqueio perfeito abre a maior janela para contra-atacar. Existe também uma skill tree que molda Kaser ao estilo de cada jogador e um sistema de personalização de armas que vai além de simples aumentos de estatísticas. Fragmentos especiais encontrados no mundo podem transformar armas, alterando a aparência, efeitos e até a forma de abordagem ao combate. Mesmo nos estágios iniciais é possível criar loadouts interessantes, ainda que com recursos limitados.
Ainda assim, Lost Soul Aside é um jogo exigente. As batalhas contra bosses são verdadeiras provas de tudo o que aprendemos até então e as margens de erro são reduzidas. Apesar da dificuldade, nunca senti injustiça, já que o jogo oferece ferramentas adequadas e o dano sofrido decorre sempre de falhas do jogador. Para os que se sentirem intimidados existe um sistema de ajuda bem caricato. Após múltiplas derrotas surgem acessórios que aumentam o dano causado e reduzem o recebido, embora ocupem espaço valioso de equipamento e sacrifiquem parte da personalização de Kaser. Apesar de controversa, esta solução demonstra o cuidado da equipa em equilibrar acessibilidade e desafio

Visualmente, Lost Soul Aside impressiona. Após tantos anos de espera seria natural suspeitar que os trailers exagerassem, mas o resultado final confirma as expectativas. O estilo mistura fantasia clássica e elementos de ficção científica de forma surpreendentemente harmoniosa. Os cenários respiram vida, os combates são autênticos espetáculos de luz e efeitos sem perder clareza, e os inimigos, sobretudo os bosses colossais, são um verdadeiro deleite, só mesmo algumas texturas de personagens e a sincronização labial precisam de um maior cuidado. A animação das batalhas é impecável e transmite impacto em cada golpe. Nas cutscenes pré-renderizadas muito ao estilo de Final Fantasy, principalmente durante a missão inicial de Kaser, existem momentos menos polidos, mas tratam-se de detalhes irrelevantes diante da qualidade geral.
Lost Soul Aside não possui uma ferramenta de benchmark integrada, o que impossibilita testes padronizados. Para contornar esta limitação, utilizei a primeira área do mercado, que contém elevada densidade de NPCs e representa um bom cenário para medir carga gráfica e estabilidade do jogo.
Na PlayStation 5 as definições são fixas, mas a versão PC (Steam) inclui diversas opções gráficas adicionais para configurar o jogo, entre estas encontramos o suporte a Ray Tracing e estão disponíveis três níveis de qualidade, Baixo, Médio e Alto. Mesmo em resoluções 4K nativas e com Ray Tracing configurado no nível mais alto, a vossa já conhecida NVIDIA RTX 5090 manteve desempenho estável acima dos 60 FPS em todos os momentos. No entanto, a diferença de performance entre os níveis Baixo e Alto revelou-se praticamente irrelevante, o que levanta algumas dúvidas sobre a otimização do recurso.
Ao ativar o NVIDIA DLSS 4 em modo Qualidade, o comportamento foi inesperado. O ganho de desempenho foi quase nulo quando o Ray Tracing permaneceu ativo no máximo, mesmo em configurações de alto nível. Para alcançar taxas mais elevadas de FPS, a solução eficiente foi recorrer à NVIDIA DLSS 4 Frame Generation. Com esta tecnologia, o desempenho subiu para valores consistentes em torno dos 180 FPS, e atingiu em configurações X3 e X4 picos acima dos 300 FPS. Os artefactos visuais, geralmente comuns neste tipo de tecnologia, apresentaram-se em número reduzido. Mesmo em combates intensos ou na interface, só são visíveis mediante observação cuidadosa.
No geral, a versão PC de Lost Soul Aside é tecnicamente sólida. Ainda assim, como ocorre frequentemente com projetos desenvolvidos no Unreal Engine, registam-se stutters ocasionais sem causa aparente. A UltiZero Games já confirmou que está a preparar um patch para corrigir estes e outros problemas relatados pelos jogadores, mas a repetição deste padrão em jogos baseados neste motor levanta dúvidas sobre os processos de testes adotados antes do lançamento. A exceção a esta tendência continua a ser o port de Stellar Blade no PC, que permanece como referência de estabilidade e qualidade técnica.

Quanto à experiência na PlayStation 5, Lost Soul Aside consegue tirar partido do seu hardware de forma competente, sobretudo no modo desempenho. Com um ecrã compatível com VRR, o jogo mantém-se estável nos 60 fotogramas por segundo, entregando uma jogabilidade fluida e responsiva, sem quedas de FPS perceptíveis mesmo durante os seus combates frenéticos. Fiquem descansados que neste modo a nitidez da imagem, aliada à suavidade da ação, garante uma experiência consistente. Por outro lado, não se pode dizer o mesmo do modo qualidade. Apesar de prometer maior detalhe visual, as quebras de FPS por vezes penalizam fortemente a experiência. Ao estarmos diante de um jogo energético e dependente dos reflexos, este compromisso acaba por não se justificar, tornando este modo a escolha menos indicada para usufruir das qualidades desta aventura. Em termos visuais, Lost Soul Aside é uma proposta sólida, ainda que por vezes irregular. Os cenários exibem variedade e um bom gosto artístico, mas nem sempre se encontram polidos. Aproveito este parágrafo também para falar das expressões faciais, que embora funcionais, nem sempre parecem naturais. No entanto, os modelos das personagens mostram ter um óptimo nível de detalhe, com texturas e acabamentos próximo do que vimos em Final Fantasy VII Intergrade.

Evidentemente onde o jogo consegue sobressair mais é durante o combate. As animações são dinâmicas e com efeitos impressionantes, transmitindo o peso e a fluidez dos movimentos. As próprias cutscenes, apesar de terem algumas paragens juntamente com o áudio, ficam facilmente gravadas na nossa mente, um verdadeiro espetáculo cinematográfico. O resultado na PS5 é uma proposta que, embora não revolucione em termos gráficos, entrega uma experiência visual e técnica suficientemente segura para acompanhar o seu núcleo de jogabilidade intensa e vibrante.
Contudo, a maior dúvida que esta aventura me deixou foi se os atores de voz ingleses chegaram a ser devidamente pagos, pois a qualidade das interpretações parece saída do início dos anos 2000, quando o trabalho de voz ainda não era valorizado na indústria. Se acreditavam que as vozes inglesas de Dynasty Warriors 3 ou Onimusha 2 eram fracas, aguardem até ouvir a suposta emoção de Kaser ao cair de um penhasco ou ao enfrentar guardas. O resultado é tão exageradamente mau que provoca mais riso do que envolvimento. Por essa razão, a recomendação é evidente, jogar com o áudio original em chinês ou japonês e recorrer às legendas em Português de Portugal ou Português do Brasil.
Conclusão Versão PC
Lost Soul Aside é uma aventura repleta de estilo e intensidade que comprova como o sonho pode transformar-se em realidade e como a ambição pode gerar resultados concretos. Apesar das inevitáveis comparações referidas ao longo desta análise, não considero o jogo um sucessor direto de Devil May Cry nem de Final Fantasy. A experiência aproxima-se mais de um Action RPG tradicional, ainda que apresente uma identidade própria construída sobre fundamentos já consolidados pela indústria e pelos padrões de jogadores. Também não se trata de uma aventura particularmente longa, por isso não é realista esperar uma campanha que ultrapasse facilmente as centenas de horas de jogo. Infelizmente, nesta fase o jogo ainda apresenta os mesmos problemas recorrentes que afetam produções desenvolvidas com este motor. Nunca o desenvolvimento de jogos esteve tão atrativo e com tanta abertura, e Ying revelou ao mundo que a paixão de uma década pode verdadeiramente mover montanhas.
Conclusão Versão PlayStation 5
Lost Soul Aside é uma obra marcada pela ambição, capaz de oferecer combates intensos e dinâmicos, acompanhados por cenários de grande impacto visual. Infelizmente, na PS5 temos presente alguns problemas técnicos, a instabilidade do desempenho e das animações acaba por nem sempre mostrar toda a qualidade do jogo. Ainda assim, Lost Soul Aside possui carisma suficiente para atrair os fãs do género, deixando a sensação de que, com o devido polimento e futuras atualizações, poderá alcançar o patamar que prometeu.