Desde que a Konami revelou ao mundo a máquina de Pachinko inspirada em Metal Gear Solid 3 Snake Eater que muitos fãs começaram a sonhar com o tão aguardado remake daquele que é considerado um dos títulos mais emblemáticos da PlayStation 2. Porém, essa esperança esmoreceu perante as sucessivas polémicas em torno do criador da série Hideo Kojima, da substituição do ator que dava voz a Snake e do desastre que foi Metal Gear Survive. Snake, um dos maiores ícones da história dos videojogos, parecia condenado a rastejar para as sombras e a cair no esquecimento.
No entanto, a Konami tem procurado devolver Snake ao ativo. O primeiro passo foi dado com a coletânea de jogos Metal Gear Solid Master Collection Vol. I e enquanto o segundo volume não chega eis que finalmente chegou a vez do jogo em análise, Metal Gear Solid Delta Snake Eater.
Falar de Metal Gear Solid 3 Snake Eater é falar de um dos melhores jogos alguma vez criados. Na terceira parte da saga de ação e infiltração, Kojima transportou os jogadores para a selva soviética, destacou a importância da camuflagem e ensinou-os a sobreviver através da caça e de cirurgias improvisadas dolorosas, porém eficazes.
Esta terceira entrada é considerada por muitos a melhor, sobretudo pela sua narrativa inesquecível, que se desenrola no início da cronologia da saga. Por essa razão, foi escolhida para receber um remake em vez de outras edições, tais como o primeiro Metal Gear Solid ou a duologia da MSX e NES. A grande questão é se um Snake moderno consegue transmitir a mesma magia e emoção que o original proporcionou há vinte anos na PlayStation 2. É essa resposta que espero explorar nesta análise.

Sem rodeios, Metal Gear Solid Delta Snake Eater é em muitos aspetos o mesmo jogo lançado em 2004. Existem melhorias na jogabilidade que atualizam a experiência, assim como uma renovação gráfica notória, mas quem conhece o original sabe exatamente o que encontrará nesta atualização. Apesar de ser a primeira prequela a receber um remake levanta dúvidas sobre a perceção de novos jogadores. É provável que o público principal permaneça composto por fãs de longa data.
Embora seja oficialmente classificado como remake, aproxima-se mais de uma remasterização. O exemplo mais próximo é Crisis Core Final Fantasy VII Reunion, já que ambos preservam história e estrutura praticamente intactas, mas receberam um polimento gráfico moderno que à primeira vista pode sugerir um remake. Longe de ser algo negativo, esta escolha agrada sobretudo aos fãs de longa data.
A história coloca-nos na pele de Jack/Naked Snake, um soldado de elite infiltrado na selva soviética para travar uma fação dissidente do exército russo e evitar um incidente internacional que poderia desencadear a Terceira Guerra Mundial. Curiosamente, o enredo ganha ainda mais impacto à luz do atual panorama político mundial.
Em termos de jogabilidade, a essência mantém-se. O objetivo continua a ser passar despercebido, rastejar pela relva alta, escalar árvores, mover-se silenciosamente, esconder-se em caixas ou até usar revistas eróticas para distrair os inimigos, cujas editoras foram contactadas para enviarem fotos atualizadas em HD. O combate direto deve ser sempre o último recurso.

A sobrevivência na selva exige também uma gestão cuidada da saúde e da resistência, que é recuperável apenas através da alimentação. Este requintado menu inclui plantas e animais da floresta, de cogumelos a peixes, aves, rãs e cobras, um detalhe que dá ainda mais simbolismo ao título. Esta mecânica permanece intocada e continua a ser um dos elementos mais celebrados do jogo.
Uma das novidades mais relevantes é a possibilidade de escolher entre dois estilos de jogo. O estilo tradicional mantém os controlos e a câmara aérea do original, enquanto o estilo novo segue a linha da versão “Subsistence”, com câmara através do ombro, controlos atualizados e a possibilidade de Snake se movimento enquanto aponta. Esta abordagem imediatamente aproxima Metal Gear Solid Delta Snake Eater do último jogo da série até ao momento, Metal Gear Solid V The Phantom Pain. Apesar de tornar a jogabilidade mais prática, também pode facilitar a infiltração o que altera o equilíbrio pensado por Hideo Kojima no jogo de 2004. Este efeito lembra diretamente o caso de Metal Gear Solid: The Twin Snakes, o remake de Metal Gear Solid lançado para a Nintendo GameCube em 2004, que inseriu o grafismo e a visão em primeira pessoa de Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty sem respeitar as limitações técnicas do jogo original e acabou por comprometer parte da sua identidade.
Algumas limitações foram mantidas para respeitar a cronologia da saga. Por exemplo o radar Soliton ainda não existe nesta era. Em contrapartida, foi introduzida uma bússola opcional que aponta para o objetivo seguinte, útil para jogadores menos experientes, sem comprometer a experiência. O sistema de camuflagem, as mudanças rápidas de uniforme e pintura, os menus de acesso rápido a rádio, cura e gravação e novos colecionáveis, contribuem para tornar esta versão mais acessível e fluida sem descaracterizar o jogo original. Se o jogo original durava cerca de 17 horas para completar, este dura entre 10 a 15. Contudo, o “replay value” mantém-se elevado, com recompensas por completar a história em diferentes dificuldades e alcançar melhores classificações. Há novos colecionáveis, modos como Snake contra os macacos de Ape Escape e Snake contra os Bombermen, infelizmente só na versão para Xbox Series. Se mesmo assim estes modos de jogo não forem suficientes, no outono de 2025 vai ser lançado o modo multiplayer gratuito Fox Hunt.

Contudo, nesta fase o grande destaque continua a ser a narrativa envolvente. A mistura de espionagem, drama militar e reflexão sobre lealdade, guerra e identidade mantém-se intacta, com personagens inesquecíveis, tais como Eva, a futura “Big Mama”, Revolver Ocelot, Volgin, Zero e sobretudo The Boss. Os momentos de tensão entre Jack e Eva permanecem iguais, e o final continua emocionante, ainda que algumas ligeiras alterações me façam preferir a versão original. Este é precisamente o significado de “Delta” no título do jogo, porque para os gregos antigos simbolizava os quatro elementos e no contexto de Metal Gear Solid Delta Snake Eater é uma referência de soma, de totalidade e de integralidade.
Um detalhe digno de nota é o facto de, apesar da saída de Kojima da Konami, todas as menções ao seu nome terem sido preservadas. É um gesto de respeito que pode ser interpretado como tentativa de reconciliação, algo que muitos fãs, eu incluído, gostariam de ver.
Por fim, o jogo brilha com a recriação gráfica no Unreal Engine 5. Os cenários, personagens, armas e criaturas exibem agora um detalhe impressionante. Expressões faciais, cicatrizes e efeitos como lama, sangue e folhas coladas ao corpo elevam a imersão a um novo patamar. Ainda assim, esta modernização não está isenta de problemas técnicos, embora nada que não possa ser corrigido em futuras atualizações.

Nos meus primeiros testes, o jogo correu sem grandes problemas numa build composta por um processador AMD RYZEN 7 9800X3D, uma placa gráfica NVIDIA RTX 5090 e 64 GB RAM a 6800mhz. Tal como já referi, Metal Gear Solid Delta Snake Eater foi desenvolvido no motor Unreal Engine 5 e utiliza Lumen, uma forma de Ray Tracing por software. Ainda assim, tive de recorrer às tecnologias DLSS porque nesta fase o jogo sofre dos problemas habituais deste motor. Preparem-se, portanto, para soluços e quebras repentinas de FPS sem justificação aparente.
Antes de mais, convém esclarecer que esta atualização assenta no código legado do jogo original. Em outras palavras, não se trata de um remake construído de raiz, mas sim de uma versão que ainda depende do código antigo da PlayStation 2. Como resultado, herda também alguns problemas que os programadores não corrigiram.
Devido a essa base de código, o jogo está bloqueado a 60FPS. Já demonstrei que é possível desbloquear a framerate em PC, mas essa opção deveria estar disponível de forma oficial. Não devíamos depender de modders para resolver algo tão básico. Num jogo que custa 80 €, esta limitação é inaceitável. Se o preço sobe, a qualidade tem de acompanhar o resto do produto. Pior ainda, quem optar pela edição Deluxe terá de pagar 89,99 € em troca de algumas camuflagens e outros cosméticos, o que só reforça a sensação de desajuste entre custo e valor oferecido. Embora o jogo seja compatível com NVIDIA DLSS e AMD FSR, não oferece suporte para Frame Generation. Sendo um título muito exigente a nível gráfico, beneficiaria bastante desta tecnologia em qualquer configuração de PC. É verdade que alguns jogadores não apreciam o uso de Frame Generation, mas num jogo de 80 € a sua ausência no lançamento é difícil de justificar. Se estivéssemos a falar de um jogo na faixa dos 30 a 50 €, essa falha seria mais tolerável. Ao pedir um preço premium, é legítimo esperar um conjunto de funcionalidades premium.
Do lado positivo, a experiência com teclado e rato é bastante sólida, embora eu pessoalmente prefira o bom e velho DualShock 4 ou o DualSense. Surpreendentemente, a Konami optou por não incluir Denuvo, o que pode ser uma faca de dois gumes, mas é algo que certamente muitos jogadores de PC vão apreciar.
Outro ponto altamente positivo é o regresso do inconfundível Snake à ação. David Hayter, a voz clássica do personagem, regressa para devolver emoção e peso. O mesmo se aplica às restantes figuras centrais, que voltam a interpretar os seus papéis, reforçando ainda mais a autenticidade da experiência. Até mesmo Cynthia Harrell regressa para entoar novamente o icónico tema de abertura para fechar com chave de ouro o impacto nostálgico desta magestosa obra.
Metal Gear Solid Delta Snake Eater é essencialmente a mesma cobra com uma nova pele. O jogo preserva todos os elementos que o tornaram lendário, embora à primeira vista possa ser interpretado como um remake completo. No entanto, o preço excessivamente elevado e certas limitações técnicas impedem-no de alcançar o mesmo impacto e relevância que obteve no passado. Contudo, se este for o preço a pagar por devolver um género e um ícone novamente a esta indústria é um preço justo a pagar.