As coisas que nos fazem querer ou não jogar certos jogos são interessantes.
Às vezes são coisas lógicas e racionais, como ser de um género que não gostamos, ou publicados por uma empresa que não queremos apoiar. E às vezes jogamos jogos de um estilo que normalmente não escolheríamos, mas que têm boas pontuações ou foram recomendados por amigos.
E às vezes, nunca tocamos numa série que até iríamos gostar porque implicamos com o facto de não podermos romancear os membros masculinos da party. Uma coisa pequena e irrelevante, mas que me fez nunca querer jogar os jogos da série Persona. Depois de ter jogado Dragon Quest XI S, um jogo que nos permite escolher com quem é que o protagonista vai passar o resto da sua vida depois do final do jogo, com todos os membros da party à escolha, o facto de Persona não me permitir isso sempre me deixou um bocado irritada.
E portanto, embora eu tivesse perfeita noção que os jogos desta série eram algo que eu muito provavelmente iria gostar bastante, nunca lhes tinha tocado.
Metaphor ReFantazio, dos mesmos criadores, foi o jogo que mudou isto.
Este é o mais recente JRPG da Atlus, que envia o jogador, de uma forma mais ou menos literal, para um mundo de fantasia repleto de intrigas políticas, mistérios e dilemas morais. O jogo começa com uma meta-narrativa em que pergunta mesmo o próprio nome do jogador, antes de lhe pedir que baptize o protagonista.

O dito protagonista, um membro dos Elda – uma raça marginalizada e desprezada pelas restantes oito tribos do reino –, vê-se envolvido na eleição pela sucessão ao trono após o assassinato do rei de Euchronia. Para garantir a sua ascensão, é necessário conquistar a popularidade das várias raças e facções, com o objetivo de criar um mundo melhor, com base no livro que sempre o acompanha. Esta mistura de narrativa política e temas de aceitação social enriquece a narrativa, e felizmente, não temos de matar um deus ou salvar o mundo neste JRPG. É um enredo mais focado, e isto dá-lhe valor, especialmente nos tempos que correm em que a política é um tema ainda mais badalado do que o costume.
Um dos aspectos que mais se destaca em Metaphor: ReFantazio é, sem dúvida, a sua direcção artística. Os gráficos são deslumbrantes, com ambientes que parecem sair directamente de obras surrealistas, criando um mundo que é simultaneamente fantástico e desconcertante. A diversidade visual dos cenários – desde cidades movimentadas a paisagens desoladas – dá vida ao mundo do jogo… e potencialmente algumas dores de cabeça, dependendo das pessoas. Além disso, o design das criaturas e personagens combina elementos clássicos de fantasia com o estilo inconfundível da Atlus, criando algo visualmente único, e por vezes perturbador.

No que toca à acessibilidade, o jogo faz um excelente trabalho, sendo acolhedor tanto para novos jogadores como para veteranos. Os menus são visualmente apelativos e bem organizados, facilitando a navegação mesmo para quem não tem muita experiência com JRPGs. O combate é apresentado de forma clara, com tutoriais úteis e mecânicas intuitivas. Para quem prefere uma experiência mais casual (leia-se: eu), há opções de dificuldade que permitem ajustar o desafio sem comprometer o acesso à narrativa ou às mecânicas principais. Para além disso, o jogo oferece legendas detalhadas e uma interface limpa, embora um pouco ocupada, garantindo que jogadores com diferentes níveis de experiência ou necessidades possam desfrutar do jogo por inteiro.
A jogabilidade do jogo em si é uma mistura de várias actividades pelas cidades para desenvolver competências ou relacionamentos, e dungeon crawling pelos vários locais inóspitos que ocupam este mundo. O combate é turn-based tradicional, no entanto, é rápido e dinâmico, o que faz com que uma pessoa não sinta que está a jogar um jogo antiquado.
A jogabilidade combina elementos clássicos e modernos. Nas cidades, o jogador participa em atividades que fortalecem habilidades ou relações, como o desenvolvimento das royal virtues que desbloqueiam novas fases dos relacionamentos com os companheiros do protagonista, que por sua vez desbloqueiam novos Archetypes para usar no combate. Por outro lado, as secções de dungeon crawling oferecem desafios emocionantes em ambientes inóspitos e artisticamente deslumbrantes. O combate, apesar de ser turn-based no estilo clássico, é ágil e estratégico, introduzindo mecânicas inovadoras como ataques combinados entre personagens e um sistema de fraquezas que recompensa o planeamento e o pensamento cuidado.

O sistema Archetype de Metaphor: ReFantazio é um dos destaques do jogo, oferecendo uma abordagem mais simplificada e acessível em comparação com os sistemas de Persona ou Shin Megami Tensei… do pouco que eu sei sobre estes. Este design simples torna o processo de personalização das personagens mais intuitivo, permitindo que os jogadores experimentem e combinem diferentes habilidades sem se sentirem sobrecarregados por complexidade excessiva. Sei que após jogar Metaphor: ReFantazio comecei a experimentar o P3R, e aquele sistema de fusão de Personas deixou-me só bué confusa, pessoal.
Para mim, uma das características mais porreiras do sistema é que cada personagem tem um Archetype ideal, o que facilita as escolhas na construção da equipa. Em vez de obrigar o jogador a experimentar exaustivamente para descobrir o que funciona melhor, o jogo oferece sugestões claras, permitindo que cada membro do grupo brilhe no seu papel específico. Ao mesmo tempo, a flexibilidade para trocar e combinar habilidades entre Archetypes adiciona profundidade estratégica, para quem também gosta disso.
Além disso, a possibilidade de desbloquear novos Archetypes ao aprofundar laços com os companheiros dá um incentivo adicional para investir no desenvolvimento de relações, integrando este sistema com os outros elementos do jogo. O resultado é um equilíbrio muito perto do perfeito entre acessibilidade e complexidade estratégica, tornando as batalhas e a progressão das personagens tão satisfatórias quanto divertidas.
Outro dos aspectos mais interessantes de Metaphor: ReFantazio é o sistema de calendário, que funciona como uma espécie de bússola para manter o jogador focado. Este sistema, inspirado pelos jogos da série Persona, estabelece um equilíbrio saudável entre urgência e liberdade. Por um lado, obriga o jogador a gerir o seu tempo, evitando que se perca em side-quests intermináveis ou atividades desnecessárias. Já todos lá estivemos. Por outro lado, oferece tempo suficiente para explorar mais do que apenas a história principal, permitindo aprofundar as relações com os companheiros e desvendar os segredos do mundo. No final do jogo, eu até dei por mim a ter de encontrar algo com que encher o tempo antes de poder partir para a batalha final.

Ao limitar o excesso de dispersão, o jogo garante que cada escolha tem o seu peso, tornando as conquistas – sejam elas no combate, na exploração ou no desenvolvimento de personagens – mais significativas. No fim de contas, o sistema de calendário contribui para que a experiência se mantenha equilibrada, mantendo o ritmo da narrativa sem comprometer a sensação de descoberta. Honestamente, era das coisas com que eu estava mais apreensiva ao começar o jogo, e uma das razões pelas quais nunca tinha ido muito à bola com os outros jogos semelhantes da Atlus, mas tenho que admitir que gostei muito mais do sistema do que esperava.
Mas pronto. Isto tudo vocês já sabiam, certamente.
Vamos falar de opiniões mais controversas, então.
Voltando ao início, uma das razões pelas quais eu nunca joguei Persona, foi, junto com a complexidade da jogabilidade (que afinal não é assim tão má), e o sistema de calendário (que afinal até gostei), sempre me irritou que houvesse um sistema de romance nos jogos, mas que o protagonista só pudesse romancear pessoas do género oposto.
Quer dizer, o protagonista de Persona 5 pode namorar com a professora dele, mas cruzes credo se ele se pudesse apaixonar pelo melhor amigo masculino, que caía o Carmo e a Trindade!
Por isso, quando iniciei o Metaphor: ReFantazio, e vi que as opções entre companheiros de ambos os géneros me pareciam equilibradas, fiquei ligeiramente esperançosa. Seria este, verdadeiramente, o jogo que me permitiria escolher um companheiro para o protagonista ignorando barreiras de género?

Lol. Óbvio que não. Na verdade, Metaphor: ReFantazio não tem qualquer componente de romance, exceptuando o vago interesse que alguns dos membros femininos da party demonstram pelo protagonista. Porque novamente, só elas é que têm direito a quererem-se casar com o futuro rei.
Mas tangentes à parte, a verdade é que isto não impede o jogo de ser mesmo, mesmo muito bom. Pelo que não surpreende ninguém que este tenha sido nomeado para Game of the Year (e mais um monte de awards), nas The Game Awards deste ano.
É certo que JRPGs não têm muita sorte neste tipo de concursos. Parecendo que não, continuam a ser jogos muito niche ainda, e ainda por cima, este ano Metaphor: ReFantazio está a lutar contra Final Fantasy VII Rebirth, outro jogo que eu adorei, e que qual deles é que eu prefiro é uma opinião que muda constantemente.
Mas é um jogo que, romance ou não, GOTY ou não, eu adorei jogar, e que fez algo que eu nem sabia que era possível: meteu-me, após estes anos todos, a jogar Persona.
Mas a sério Atlus. C’mon. C’mooooooooooooon.
Opções inclusivas no Persona 6? Pretty please? お願いいたします?

TL;DR: Um dos melhores JRPGs dos últimos anos, e um dos melhores jogos do ano, sem sombra de dúvida. Se ganhar GOTY vai-me surpreender, mas não chocar. Ignorem o meu sal de shipper, o jogo é verdadeiramente bom, e merece o vosso tempo e dinheiro.
