Aproveitando as possibilidades que as plataformas atuais têm para nos oferecer, os estúdios independentes continuam a ser um campo fértil para criação de videojogos inovadores e de grande qualidade. Podemos seguramente perceber esta afirmação quando nos deparamos com títulos memoráveis como Celeste ou Katana Zero que marcaram o público pela criatividade e sentido autoral. Com a chegada do primeiro trabalho da produtora espanhola Studio Koba, Narita Boy, encontramos tudo isto, combinado com o género ação e aventura estabilizados por um universo onírico retro futurista pixel, preenchido de referências culturais dos anos 80 que alcançam a sua finalidade ao mostrar-se igualmente nostálgico e restaurador.

Antes de começarmos, é importante realçar a importância que o desenvolvimento de Narita Boy tem para a comunidade de jogadores retro e atual. Graças ao seu nascimento, foi iniciada a campanha Save The Arcade World. Esta campanha que engloba a parceria com três importantes museus internacionais de jogos e entretenimento tem um papel importante para aumentar a consciencialização sobre a necessidade de preservar os jogos de Arcada e o seu legado histórico passado até hoje.

Concebido pela mente do designer Eduardo Fornieres durante as suas vivências no país do sol nascente, tudo inicia no momento em que o criador da nova máquina Narita One e de Narita Boy, alcançam o grande sucesso nos históricos de venda pelo mundo inteiro com o seu inovador cartucho com o videojogo. Numa noite tranquila, o criador de modo desconhecido é sequestrado por um ser digital conhecido como Him e absorvido para dentro da sua própria máquina. Ao mesmo tempo, algures numa periferia de Nova York, um entusiasta do jogo é também arrastado para dentro da sua máquina acabando por despertar na pele de um lendário Herói, encarregado pela Motherboard, o programa supervisor do reino digital, a fim de recuperar as memórias do Criador ao mesmo tempo que descobre os segredos da poderosa Techno-Espada para por um fim ao antagonista principal e a todos os seus servos digitais apelidados de Stallions. A aventura anda precisamente em torno das lutas contra os impuros Stallions e das treze memórias do criador que necessitamos de encontrar para manter o equilíbrio no reino digital. Com o acesso às memórias, vamos ficando a conhecer as suas origens e os pontos fulcrais do seu crescimento e o quanto foi enternecedor a sua infância, assim como a importância da cultura japonesa e fliperama para a origem do seu enorme êxito Narita Boy. A parte recompensadora deste enredo é a sua homenagem a filmes de culto como He-Man e principalmente de Tron de 1982, que é até hoje um dos maiores marcos da ficção científica na história da sétima arte.

No momento em que somos conetados ao reino digital, um dos pontos que se sobressai em particular é a arte e a nostalgia que o envolve. Como se pode contemplar nos vídeos comerciais que o estúdio partilhou durante a sua produção, desde os personagens às animações, passando pelos cenários até aos inimigos, o jogo é do início ao fim um magnífico trabalho artístico que revitaliza um género que perdura há gerações. Enquanto a aparência elegante do nosso guerreiro assemelha-se ao do protagonista de Superbrothers: Sword and Sworcery, as regiões que vamos explorando vão de encontro a ambientes bastante carismáticos, com algumas referências notórias da cenografia de Star Wars até ao ambiente virtual de Tron. Além disso, percebemos que o reino é igualmente envolvido de elementos que transmitem a cultura pop dos anos 80 para ilustrar o universo de Narita. Ao longo do jogo podemos salientar inúmeras referências evidentes, tais como disquetes, Walkman ou as cassetes VHS que enquadram os vários componentes construtivos do jogo.

A jogabilidade de Narita Boy tem duas fases que se complementam. Tem a parte da aventura inspirada pelo subgénero metroidvania e a parte do combate inspirada no estilo Hack and slash. O universo de Narita Boy é dividido por quatro regiões: uma capital e as restantes áreas que são representadas pelos feixes da casa amarela, azul e vermelha, todas elas apresentando uma dimensão excepcionalmente agradável. Contudo, um dos problemas para quem se perde com facilidade, é a inexistência de um mapa no jogo para podermos verificar os lugares que ficaram por investigar, até porque muitas das vezes teremos de voltar a percorrer os mesmos corredores que já passamos e não pudemos explorar no momento, como é habitual no design de metroidvania, visto que em jogo vamos alcançar habilidades que nos permitem chegar a outros locais ou itens como as tecno-chaves que dão acesso a novos caminhos.

Apesar de este pormenor expandir consideravelmente a dificuldade, os objetivos que vão sendo dados pelos NPCS que residem no interior do reino digital, são suficientemente lineares e descritivos para conseguirmos perceber o que devemos fazer, e para auxiliar, ainda contamos com sinais no topo da tela, ao estilo de Street of rage, ou outras pistas visuais que nos indica o caminho a seguir.

Em cada região para além das armadilhas instaladas, há um surpreendente exército comandado pelo vilão Him, que nos mantém ocupados com grandes doses de ação. Existe uma variedade de espécies de seres digitais corruptos dentro do exército stallions, como os zombis, os bads, ou até os saltitantes Jumpers. Depois, há um outro grupo de corruptos pixelados menos comuns que funcionam como mini-bosses. Por exemplo, os Wizard, que podem desaparecer e aparecer rapidamente e gerar ondas de inimigos enquanto flutuam acima de nós ou as Red Sisters que tiram da sua cabeça um adereço afiado como uma lâmina para nos golpear. Os principais vilões que ocupam a patente superior dos Stallins que vão de Lordes VHS à imagem do herói de ficção He-Man, a cavaleiros montados em dragões, são tão intrigantes como todo o mundo hostil de Narita Boy. Para além dos movimentos e habilidades desafiadoras, a aparência dos oponentes apresenta uma grande diversidade estética alusiva a filmes clássicos de ficção científica e fantasia.

O combate apesar de estar longe de ser complexo, é funcional e intenso. Ao longo da sua jornada, o herói vai possuir uma única arma, a Techno-espada. Ainda assim, com a versatilidade que a espada mágica tem para nos oferecer, vamos ficando à vontade com esta ausência de arsenal. Para além dos movimentos e ataques padrão que qualquer comando pode desencadear, o guerreiro com ajuda dos Power-ups, as actualizações que vão sendo conquistadas à medida que progredimos na história, vamos poder usar técnicas mais velozes e de grande utilidade que serão necessárias para derrubar paredes ou, por exemplo, galgar plataformas distantes e também usufruir de habilidades especiais tais como alterar a forma da nossa espada para uma arma de fogo, descarregar um raio lazer ou invocar um aliado que lança uma onda de fogo que será fatal em luta com os stallions.

Quanto à parte gráfica, é pouco provável não ficarem deslumbrados com o universo de Narita Boy. Percebemos que existe uma mestria no uso dos elementos pixel e um conhecimento profundo da tecnologia retro. Os locais que visitamos estão cuidados de modo pormenorizado e variado enquanto ganham vida com as cores primárias e néon. Especialmente porque é utilizado um filtro por todo o jogo que representa o Cathode Ray Tube (CRT), a tecnologia que era utilizada nos televisores antigos, o que visualmente fica harmonizado com o carácter futurista clássico que aqui é retratado. No aspecto sonoro temos uma interpretação muito especial de modo a condizer com todo o espectro retro-futurista. A banda sonora composta pelo músico Salvador Fornieles, conhecido como Salvinsky, influenciasse em melodias Synthwave, Italo-disco da década de 80 e de algumas composições de Daft Punk, particularmente da banda sonora de Tron Legacy que de forma inevitável conseguimos perceber as suas semelhanças. Todavia, toda esta trilha de influências musicais conseguem dar vida a uma atmosfera sublime que se adapta à estética virtual revivalista que todo o jogo evoca.

O universo distópico de Narita Boy é para ser apreciado com a devida atenção, sendo este uma pura homenagem em prol de uma década carismática que ficou definida por temáticas em torno de mundos paralelos, viagens no tempo, fantasia e de ficção científica, que foram ao longo dos anos angariando cada vez mais apreciadores. Como se já não bastasse, todo este ambiente é envolto numa narrativa brilhante e um desafiante combate que agrega um conjunto de habilidades tão engenhosas como interessantes. Esta primeira aventura do Studio Koba certamente conquistará o coração de muitos adeptos da cultura revivalista, estendendo o tapete ao estúdio para o sucesso futuro, seguramente para novos caminhos.

A Team17 e o Studio Koba vão disponibilizar Narita Boy para a PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC via Steam a 30 de março de 2021.

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Diogo Costa
Diogo Costa
2 , Abril , 2021 19:49

De dizer que está no Game Pass