Numa era onde a tecnologia ao invés de ajudar a manifestar a imaginação das produtoras acaba por arranjar alguns argumentos ou pretextos para a condicionar ou complicar, eis que a Wishfully e a Thunderful Publishing decidiram lançar no mercado uma aventura assente nos valores do antigamente e que faz da simplicidade e imaginação os seus melhores recursos e identidade, estamos a falar de Planet of Lana.

Tudo partiu de uma simples imagem “pincelada” pelo produtor de videojogos e artista sueco Adam Stjärnljus. Quando este abriu uma sessão no seu Adobe Photoshop jamais imaginaria que o seu projeto se iria tornar no ponto de partida para o seu próximo jogo. A arte representava uma jovem acompanhada por uma pequena criatura numa superfície verdejante a olharem para uma criatura mecânica no topo de um rochedo. Adam deixou esta ideia a fervilhar por mais de um ano porque sentiu que o conceito poderia ser transitado para um videojogo. Após dois anos de constante luta, o artista conseguiu financiamento para colocar a sua ideia em desenvolvimento. Contudo, nunca se desviou da sua imagem quer em conceitos como na direção artística dado que o jogo apresenta um mundo alienígena pintado à mão. O seu conceito depressa seduziu outros produtores para o projeto sendo que Takeshi Furukawa, o compositor de The Last Guardian, resolveu oferecer o seu contributo na criação das faixas musicais para o mesmo assim que leu um artigo sobre o jogo num site.

Claro que não foi só Furukawa que esteve atento a este projeto e rapidamente o jogo também recebeu as atenções um grupo fervoroso de fãs que o transformaram num dos jogos indie mais aguardados de 2023. Este é essencialmente uma mistura entre o novo e o contemporâneo. A sua fórmula conta com a cinematografia e gameplay de clássicos 2D tais como Another WorldFlashback, ou Prince of Persia, com mecânicas cooperativas modernas introduzidas por Ico e o já referido The Last Guardian.

Tal como em The Last Guardian o jogador tem de recorrer a uma criatura para a resolução de quebra-cabeças para poder progredir na sua aventura. Felizmente a nossa bolinha de pelo não chega a induzir frustração porque é obediente ao contrário do enorme e imprevisível híbrido entre ave e mamífero, Trico. Os quebra-cabeças na sua maioria são simples de início, apenas exigem algumas tentativas de experimentação nas mecânicas e conceitos base até serem resolvidos. Porém, com a adição de novas mecânicas de manipulação de luz o decorrer da aventura gradualmente atinge dimensões e proporções maiores. Puxar e segurar vigas de madeira para o nosso companheiro poder atravessar por uma passagem estreita, pisar uma plataforma orgânica para alcançar ou atravessar precipícios, ativar plataformas luminosas, ou cortar cabos ou videiras são alguns dos meios que teremos de utilizar em conjunto para prosseguirmos viagem e reunir um casal de irmãos.

O primeiro quebra-cabeças do jogo

Tal como em jogos deste género gradualmente sentimos um vínculo a crescer entre o jogador e a criatura que o acompanha. Não faltaram momentos onde senti um certo vazio quando o meu pirilampo mágico de estimação era assassinado brutalmente pelos extraterrestres invasores. As rotinas e elementos destes fizeram-me revisitar a minha infância quando tentava atravessar um regime totalitário no papel de Abe no jogo Oddworld Abe’s Odyssey. Tal como as máquinas e seres destruidores de Mudokons, os inimigos em Planet of Lana também estão vigilantes ao mínimo som, luz, ou silhueta.

O que senti que separou as duas experiências neste departamento foi que aqui não somos unidade, mas sim uma equipa e muitas das vezes precisamos pensar além do nosso próprio bem-estar ou progressão. Preparem-se para muitas vezes serem o isco para que a vossa criatura prossiga ou esgueirarem-se nas ervas altas entre multidões de máquinas mortais que não hesitam em assassinar um humano ou uma criatura felpuda que ousem intrometer-se no seu raio auditivo ou visual. Algo que me surpreendeu foi descobrir que existem momentos repletos de grande ação. Antevi que o jogo na sua essência fosse metódico sem acontecimentos onde sentisse que estava a agarrar a vida do jogador com toda a força, mas não, podem crer que além de perseguições este também serve situações onde temos de agir rapidamente e com agilidade para escapar às garras de seres semelhantes a aranhas mecânicas.

Inconscientemente também sinto que Planet of Lana retirou alguns elementos das obras do estúdio Ghibli, principalmente do filme Princesa Mononoke. Mesmo que não demonstre na ação a dualidade entre humanidade e natureza, não deixei de pensar no que se passou nos planetas onde a beleza natural partilha contrastes com paisagens industriais com penumbra. Também coloco neste pacote o contraste entre natureza e o industrial de NieR Automata até porque visitamos localizações semelhantes.

Usa as ervas altas para te esconderes do campo de visão dos invasores

Ao contrário da aventura dos androides 2B e 9S, Planet of Lana é um jogo que não exige muito do nosso hardware. Qualquer configuração vai certamente fazer o jogador desfrutar desta pequena grande aventura. Diria mesmo qualquer “batata” porque nos presets gráficos -5 no total- o jogo troça da expressão comum entre a comunidade PC Gameraté uma batata roda isso!” sendo que também apresenta o preset “potato” para garantir que mesmo PCs com décadas nas costas possam executar o jogo vindo da mente de Adam Stjärnljus.

Não tivemos qualquer problema nos dispositivos em que testamos Planet of Lana, ou seja, um PC equipado com um processador AMD Ryzen 9 5950X, placa gráfica NVIDIA GeForce RTX 4090 MSI Suprim X e 64 GB RAM a 3600 MHz, um portátil Lenovo Legion 5 equipado com uma placa gráfica NVIDIA Geforce RTX 3070 a 140w, e uma Steam Deck. Convenhamos que esta aventura foi talhada para ser jogada nesta última plataforma, porque a sua simplicidade, portabilidade e sobretudo gameplay assentam que nem uma luva na máquina da Valve. O jogo nunca oscilou dos 60 fotogramas por segundo mesmo nos preset gráficos altos. Quanto aos outros dispositivos aconteceu o mesmo, sendo que o jogo foi desfrutado nas taxas de fotogramas máximas permitidas pelas frequências dos monitores. Ainda neste parágrafo dois elementos que adorei foram os efeitos de parallax 2D (sobreposição de camadas), e um jogo de sombras extremamente modelar. Ambos contribuíram para transmitir escopo, densidade e vida a todas as criaturas e ambientes do deslumbrante mundo de Planet of Lana.

Dá ao teu companheiros ordens mesmo à distância

No restante computo técnico o jogo recorre a faixas musicais que evocam as emoções e sensações que estamos a vivenciar nos ecrãs. Enquanto teclas de piano com intervalos acompanham os nossos heróis nas florestas, as perseguições e momentos de grande intensidade são polvilhados com faixas musicais épicas. O jogo também apresenta diversas opções de acessibilidade que não só permitem uma melhor utilização do mesmo por pessoas com deficiência, como também apimenta a aventura com opções de qualidade de vida. A mais interessante são os QTEs automáticos, um elemento que penso que com os avanços tecnológicos dos videojogos nas últimas décadas já não se justifica e muitas vezes acaba por ser contraproducente na experiência do jogador.

Por último, mas certamente não menos importante, Planet of Lana conta com um incrível suporte a textos em 11 idiomas diferentes onde o português também marca presença. No entanto, embora o jogo indique “Português (Portugal)” o seu dialeto é “Português do Brasil”.

Planet of Lana é uma aventura simplista que faz deste valor o seu maior destaque. A história de um menino e uma criatura felpuda num planeta repleto de perigos explora o que de melhor ainda persiste na humanidade ao evocar no jogador sentimentos de entreajuda, valor, carinho e compaixão. Estamos na presença de uma aventura que não é longa de duração, mas podem crer que os momentos e sensações que vão vivenciar irão persistir nas vossas mentes e nos vossos corações.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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