A Housemarque foi uma daquelas produtoras de videojogos que mesmo tendo lançado apenas um punhado de títulos durante a sua vida conseguiu despertar o interesse da Sony Interactive Entertainment ao ponto de se juntar à sua família. Resogun e Matterfall foram jogos com imensa qualidade -e dificuldade- especialmente para os fãs da ação frenética e explosiva das arcadas. Contudo, com Returnal o estúdio finlandês deu o passo que necessitava para passar ao próximo nível ao adicionar uma narrativa poderosa, elementos roguelike e um grafismo refinado à sua já célebre jogabilidade frenética. É sabido que Returnal fez a sua estreia na PlayStation 5 em abril de 2021 e agora de “regresso” mas numa nova casa com a ajuda dos talentos Britânicos dos Climax Studios vamos ver como se comporta no PC.

A história de Returnal introduz-nos à astronauta Selene. O jogo abre com uma das suas expedições rumo ao misterioso planeta Atropos. Enquanto sobrevoava o mesmo, a sua nave é abruptamente danificada e a nossa corajosa astronauta não tem escolha senão desembarcar e explorar esta localização. Esta é basicamente a história de Returnal. O jogo não específica o que trouxe Selene a Atropos nem o que se passa durante as suas visões na primeira pessoa. Todos os elementos são narrados de uma forma deliberadamente confusa. De salientar que Selene não é uma space marine nem uma caçadora de recompensas, mas sim uma astronauta comum na faixa dos 40 anos. Por isso, o medo e a inquietação vividas são dotadas de muita autenticidade. Vamos mais longe ao afirmar que as suas emoções são narradas de uma forma surpreendente através de diversas sequências na primeira pessoa entre o passado e presente da protagonista. É de louvar o jogo ir muito além de uma simples narrativa como habitualmente encontramos neste género.

Devido ao seu aspeto gráfico muitos podem pensar que Returnal se afastou das suas raízes, felizmente nada mais longe da realidade. Isto porque qualquer fã vai reconhecer de imediato que a Housemarque manteve a sua essência mesmo que apresente um pacote mais qualitativo e quantitativo. Ou seja, os fãs vão novamente contar com uma ação frenética arcade enquanto tentam evitar dezenas de projeteis. Independentemente do seu aspeto visual, a jogabilidade é o seu maior destaque. Este elemento indiscutivelmente faz emergir o melhor de qualquer experiência de jogo na sua essência mais básica. É extremamente satisfatório disparar, esquivar e conquistar os adversários enquanto explodem nos nossos ecrãs.

O jogo vai mais longe ao introduzir um sistema de adrenalina. O mesmo convida os jogadores a demonstrar as suas habilidades enquanto executam tarefas secundárias. Se por exemplo o jogador derrotar vários inimigos em sucessão sem ser atingido recebe doses de adrenalina para o seu medidor. Este sistema oferece aos jogadores diversas capacidades. Maior dano corpo a corpo, menor tempo a recarregar armas, ou ver os inimigos à distância. Contudo, existe um grande senão, se os jogadores forem atingidos, o contador de adrenalina recomeça do zero e será novamente necessário realizar novas proezas para o recuperar. Em suma, estas doses de adrenalina injetam no jogador uma enorme dose de risco/recompensa, ainda mais quando Selene regressa ao início da sua viagem após cada tentativa falhada. Este elemento pode ser considerado contraproducente na teoria, mas acreditem que é extremamente gratificante conquistar um “nível” para avançar um pouco mais nesta aventura. Gradualmente o jogador vai sentindo aquele sentimento contemporâneo um pouco esquecido de “só mais um” e sem darmos por nós perdemos completamente a noção de tempo.

Inevitavelmente o maior elemento e destaque da Housemarque e o que separa Returnal dos outros shooters na terceira pessoa é o elemento bullet hell. O jogo não apresenta níveis tradicionais, pois o seu fluxo é aleatório, o jogador tanto pode começar com inimigos mais simples como enfrentar ameaças muito mais poderosas. Sem falar claro da cadência de tiros que temos de evitar nos seus “níveis” avançados, o termo “hell” no bullet hell nunca esteve tão correto. Os inimigos e cenários de Atropos são essencialmente representações lovecraftianas, acreditem que tentáculos não vão faltar! Infelizmente sentimos que os visuais são muito repetitivos embora existam algumas biomas interessantes e um constante incentivo à exploração das mesmas.

Returnal também conta uma ligeira componente multiplayer. Ao explorar as entranhas de um planeta governado por criaturas alienígenas podemos deparar-nos com os cadáveres dos que o tentaram explorar. Nesta ocasião o jogador tem duas opções, auxiliar o jogador, ou enfrentar a criatura que o matou, ou seja, geralmente vai combater contra um inimigo poderoso. Se emergir vitorioso na luta, tanto o jogador vencedor como o derrotado recebem uma recompensa.

Returnal abraça e expande a morte como mecânica de jogo. Este recorre à sua repetição de uma forma diferente e original, quanto mais o jogador utilizar uma arma, mais rapidamente desenvolve as suas características. As mesmas são intituladas de “traits” e são mantidas mesmo após a morte do jogador. Da próxima vez que encontrarmos a mesma arma estes “traits” vão estar desbloqueados o que permite uma evolução mais rápida para o jogador. Esta característica também permite uma maior rotatividade, pois será muito complicado terminar a expedição de Selene apenas com o recurso a uma espingarda ou lança granadas. O mesmo acontece com alguns elementos onde o fator risco/recompensa regressa para convidar o jogador a tomar decisões muito interessantes em prol de um maior aumento de saúde ou melhores parâmetros temporários. Quanto mais jogamos, mais experiência amealhamos, e inimigos que demorámos horas a conquistar resumem-se a meros minutos. Este elemento é literalmente uma espada de dois gumes, dado que Returnal não é um jogo muito longo, contudo, existe o pós-jogo para assistirmos ao final verdadeiro, mas sentimos um sabor agridoce. Sentimos um certo potencial adormecido na experiência.

Estamos na presença de outra grande port da PlayStation para o PC. Nesta assistimos a praticamente todos os elementos das anteriores desde os comuns aos mais inóspitos. Tal como em Sackboy: Uma Grande Aventura, assim que iniciamos o jogo pela primeira verificamos que o jogo da Sony Interactive Entertainment instala uma versão mais simplista do cliente da Epic Games Store. Acreditamos novamente que este efeito se deve à sua vertente crossplay. Returnal é um jogo em constante mutação e por essa mesma razão tem de pré-compilar shaders para evitar travamentos ou perdas de fotogramas, infelizmente nesta fase ainda sofre de soluços. Para garantir uma experiência suave e se moldar aos diversos sistemas, escolhe automaticamente um dos vários presets gráficos disponíveis. Evidentemente que em cada os jogadores também podem modificar de mínimo a elevado várias opções gráficas nos mesmos. Qualidade da iluminação, qualidade das sombras, oclusão de ambiente, qualidade dos modelos, qualidade das texturas, volume do nevoeiro e qualidade das texturas. Como também estamos na presença de um jogo com uma herança PlayStation 5, também podemos introduzir na assustadora aventura de Selene efeitos de ray-tracing. Porém para usufruir dos mesmos na sua plenitude vão ter de possuir equipamentos de última geração.

Felizmente com a nossa configuração de secretária e com todos os efeitos elevados -adoramos como o benchmark foi moldado ao próprio jogo- ao máximo o jogo pouco oscilou dos 120 fotogramas por segundo ao recorrermos as tecnologias de upsampling AMD FSR 2.1; NVIDIA DLSS; NVIDIA NIS; VRS no modo “qualidade”. Se não fosse devido às mesmas oscilava entre os 70 a 90 fotogramas por segundo. No entanto, nesta fase o jogo sofre de alguns soluços quando o jogador pisa o solo de uma nova área por esta ainda estar a descomprimir os shadders, este efeito é ainda mais sentido se as opções de ray-tracing estiverem acionadas. Não temos dúvidas que nas suas primeiras atualizações este problema deve ficar resolvido. O efeito mais interessante foi quando passámos Returnal para os nossos dispositivos portáteis nomeadamente o Lenovo Legion 5 Pro (equipado com um processador AMD Ryzen 7 5800H, chipset gráfico NVIDIA Geforce RTX 3070) e a Steam Deck. No computador portátil ao recorrer à tecnologia NVIDIA DLSS 2.4 no modo de qualidade com todas as opções gráficas elevadas ao máximo sem ray- tracing o jogo oscilou entre 40 a 55 fotogramas por segundo. Experimentámos o modo qualidade para fixar a aventura de Selene nos 60 fotogramas por segundo, mas como a imagem ficou nublada na sua cara e algumas arestas, fixamo-nos na faixa dos 60 fotogramas em modo dinâmico. Porém o impensável aconteceu quando passámos o jogo para a portátil da Valve, a Steam Deck. Independentemente de plataformas Returnal é um espetáculo visual tremendo!

Finalmente podemos afirmar que a Steam Deck é uma “PlayStation 5” de bolso, dado que o sistema consegue executar Returnal a 30 fotogramas fixos com os efeitos gráficos em médio -ray tracing desligado- ao recorrer à tecnologia AMD FSR 2.1, tudo a uns simpáticos 20w. Para garantir os 30 fotogramas fixos, recomendamos bloquear os mesmos no menu do aparelho de forma a não existirem oscilações. Realmente a portátil da Valve não para de surpreender. Também acreditamos que o jogo vai receber novas otimizações por isso a experiência deve ser ainda melhor a longo prazo.

Não podemos deixar de destacar o recurso ao DualSense e às suas capacidades hápticas nos gatilhos e na vibração. Sentirmos a chuva a cair no fato de Selene, ou o rugido dos inimigos quando estão perto não só aumenta a imersão como transmite medo e inquietação. Sem dúvida até à data, este é o jogo que faz melhor uso do impressionante comando da Sony no PC.

No departamento sonoro, o jogo coloca as faixas consoante o fluxo e ação de jogo. Tal como é habitual nas ports da Sony Interactive Entertainment no PC podem contar com vários idiomas completamente localizados, ou seja, podemos escutar Selene a falar inglês, português de Portugal, português do Brasil ou espanhol entre outras nacionalidades. Para auxiliar ainda mais os jogadores o jogo conta também com textos nos mesmos idiomas e diversas opções de acessibilidade quer no texto como na jogabilidade.

Returnal é agora lançado numa casa que não para se afirmar com a segunda da Sony Interactive Entertainment. Tal como em jogos anteriores estamos na presença de um port de luxo, com dezenas de opções gráficas exemplarmente otimizadas para uma plataforma exigente e modelar. Admitimos que não somos muito fãs do género Roguelike, mas como Returnal foi muito além ao adicionar uma narrativa forte, uma jogabilidade interessante e elementos modelares, acreditem que por vezes foi difícil pousar a aventura de Selene.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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