No 8 dia março de 2024 o mundo acordou com a triste notícia de que Akira Toriyama, o génio por trás de Dragon Ball tinha falecido. Durante a sua vida o jovem sensei foi responsável por tocar no coração e no imaginário de todos e além das aventuras do guerreiro Saiyan também criou algumas obras mais breves. SAND LAND é uma destas e atualmente faz parte de um projeto multimédia composto por um filme, uma série e um jogo. É precisamente sobre este último que vamos falar e se a Bandai Namco Entertainment e a ILCA.Inc conseguiram produzir mais um grande sucesso ou uma miragem no deserto.

A história de SAND LAND pode ser descrita como uma versão alternativa do primeiro arco de Dragon Ball visto que partilha imensos pontos comuns e foi escrita e ilustrada pelo mesmo criador. Nesta realidade humanos e demónios coexistem num mundo sem guerras e aparentemente em paz, afinal tudo estaria bem se não fosse a nação sofrer de uma seca extrema e a água estar apenas ao alcance dos mais abastecidos.

Reza a lenda que algures nos confins de deserto existe uma fonte inesgotável de água que pode salvar ambas as raças da extinção. Ciente da sua existência, o Xerife Rao decide enfrentar as escaldantes areias do deserto e todos os seus perigos e alia-se a Beelzebub, o impulsivo jovem príncipe dos demónios e ao seu fiel servo Thief (Ladrão) para a encontrar.

É mais que notória a herança de Dragon Ball.

SAND LAND foi serializado na Weekly Shonen Jump após a dobrada deste milénio, ou seja, dois anos após a transmissão original de Dragon Ball GT terminar no Japão. Akira Toriyama decidiu resgatar quase por completo os valores e elementos que celebrizaram as aventuras de Son Goku quando este ainda era um jovem rapazinho inocente que vivia na natureza e conheceu uma menina da cidade, ou seja, uma viagem à volta de uma lenda ao sabor da aventura. O humor do início de Dragon Ball também está presente em SAND LAND, sendo que Beelzebub apresenta um nível de inocência semelhante ao do Goku, pois acredita que deitar tarde e não lavar as mãos após fazer xixi 9 em 10 vezes são atos de uma crueldade extrema, e também como é um auto intitulado gamer, a forma como se alia a Rao foi do mais interessante visto que simplesmente o conquistaram com a oferta de uma PlayStation 6 com o jogo Dragon Quest XII. Bem, pelo andar da carruagem Akira Toriyama pode muito bem ter previsto o futuro, isto porque na nossa realidade apenas conhecemos o seu nome e logotipo e já vamos a meio desta geração de consolas.

No entanto, SAND LAND demorou imenso tempo até receber o seu merecido destaque. Tivemos que esperar mais de duas décadas para este receber um filme anime, uma série, e um videojogo, infelizmente, Akira Toriyama não conseguiu assistir a todos estes projetos, mas posso dizer-vos que pelo menos SAND LAND na sua vertente de videojogo é um verdadeiro testemunho vivo da sua mestria. É uma junção de todos os media do projeto, tendo como molde o mangá, o filme, e a série anime que está em exibição na Disney+ e da qual este jogo retira muitos dos seus maiores elementos.

Isto porque continua a história da série anime, ou seja, após o grupo encontrar a fonte no deserto e partir para a FOREST LAND, uma terra verdejante onde a natureza prospera e que é ameaçada por um anjo maquiavélico que se aliou a um Rei ainda mais cruel e poderoso. Como se não bastasse, o jogo vai mais longe do que qualquer um dos media neste projeto e toma uma imensa liberdade criativa para introduzir e melhorar diversos pontos narrativos que ficaram entre linhas na série. Para começar, a personagem Ann, que apenas surge no arco da FOREST LAND acompanha o grupo de aventureiros muitíssimo mais cedo e além de oferecer uma introdução à FOREST LAND melhora diversos acontecimentos retratados inicialmente em SAND LAND. O jogo também oferece uma maior sinergia entre “Beelze” e os seus súbditos e aliados.

A tripulação do tanque 104 não percorre o deserto apenas neste veículo e os jogadores vão ter ao seu dispor dezenas de outros veículos para controlar e personalizar. Muitos destes assumem o icónico design e as características bípedes que Akira Toriyama colocou nas suas obras, aliás, um destes é uma clara alusão ao mecha humanoide que o comandante Black da Red Ribbon Army utilizou contra Goku em Dragon Ball. Temos também a mota da Bulma e até pude ver um muito semelhante ao Gato de Chrono Trigger. Como seria de esperar as missões principais são inicialmente relacionadas com a procura pelo lendário oásis e só mais tarde com o duelo entre anjo e demónio na FOREST LAND, e embora o jogo seja na sua maioria um Action RPG existe um grande aliciante que o destaca de qualquer um no mercado, a condução e o combate de veículos.

Quem acompanhou as obras de Akira Toriyama certamente se apercebeu que o falecido autor tinha um talento incrível para desenhar máquinas e veículos, basta vermos as capas dos volumes de Dragon Ball. Creio que SAND LAND foi uma solução que o artista deu a si próprio para dar asas ao seu talento e para integrar o seu design mecânico na própria história. Além do célebre tanque 104 do exército do Rei, o jogo expande dramaticamente o número de veículos da obra, cada um com os seus aspetos positivos e negativos. Hovercrafts, motas e robôs bípedes, são apenas algumas das escolhas que os jogadores podem fazer através de uma roda disposta por cinco categorias que podem ser “convocadas” através de outro grande elemento de Dragon Ball, as cápsulas hoi-poi, a célebre invenção do Dr. Briefs, o pai de Bulma. São nestes momentos que sinto que o universo de Toriyama está intimamente ligado uma vez que Goku visitou várias vezes Arale de Dr. Slump, e agora Beelzebub utiliza as cápsulas do mundo de Dragon Ball, realmente este pode parecer um elemento sem grande importância numa análise de um jogo, mas pela forma como une Goku a “Beelze” achei interessante ser mencionado.

Os veículos mais pesados tendem a ser mais lentos e robustos, enquanto os leves são mais rápidos e menos resistentes, sendo que todos podem ser modificados com peças diferentes, desde novos canhões que disparam lasers ou bombas de fragmentação, a motores e outros extras de todos os tipos, sejam para melhoramentos de durabilidade ou autorreparações.

Também existem “blueprints” espalhados pelo deserto que abrem ainda mais possibilidades e um sem fim de personalizações. Dei por mim a perder mais tempo do que devia na garagem da base a equipar e personalizar veículos.

Contudo, SAND LAND não é um jogo de condução, os jogadores vão também controlar o príncipe dos demónios a pé. Creio que é aqui que a areia movediça começa em SAND LAND, porque o combate de “Beelze” é extremamente limitado e repetitivo mesmo com algumas habilidades especiais desbloqueadas por Rao e Thief que o auxiliam nos combates. De salientar que o nível das personagens é diferente dos veículos, enquanto Beelzebub possui as suas próprias estatísticas, as dos veículos aumentam consoante as peças que são equipadas e melhoradas na oficina. Embora os veículos e os combates corpo a corpo façam parte do fluxo do jogo não são o seu único elemento. Como estamos na presença de um Action RPG também existe um mundo para explorar, habitantes de aldeias para salvar, encontrar objetos e claro, derrotar inimigos poderosos.

As recompensas podem ir de dinheiro, mobiliário para uma base ou até um veículo novo em folha para o trio! O jogo bem tenta sair da zona de conforto de muitos deste género com a adição de elementos exteriores tais como corridas, trabalhos de mercenário, missões de furtividade e ativar torres de rádio para aumentar o alcance do mapa, ao estilo da série Horizon, porém como tudo é demasiado simples dei por mim muitas vezes a “sentir que era uma obrigação” para as fazer nas 30 horas que levei até concluir a aventura.

Acredito que o tempo de jogo seja muito superior se os jogadores se dedicarem a explorar cada canto de SAND LAND nas muitas missões secundárias que podem ser concluídas pós-jogo com os níveis, veículos e todos os outros elementos disponíveis, porém esta não é uma aventura que vos faça suar muito porque a sua dificuldade não é elevada.

Quem não vai mesmo suar é qualquer computador moderno, visto que os requisitos de SAND LAND são muito simpáticos para os jogadores e para as carteiras. No entanto, e embora não seja pedido nos mesmos, recomendo bastante o uso de uma unidade NVMe no vosso aparelho ou SAND LAND corre o risco se transformar numa fábrica de soluços. Para ser sincero não sei se será devido ao meu equipamento, mas mover a instalação de um disco mecânico para um NVMe resolveu o problema. Fora este pequeno inconveniente SAND LAND foi desfrutado a 4K a 120 fotogramas por segundo na nossa já conhecida build composta por um processador AMD Ryzen 9 5950X, uma placa gráfica NVIDIA GeForce RTX 4090 MSI Suprim X, 64 GB RAM a 3600 MHz e uma unidade Samsung 990 PRO NVMe M.2 SSD com as seguintes opções gráficas ativadas e elevadas ao máximo (exceto o motion blur):

  • Anti-Aliasing
  • Resolution Scale
  • Shadow Quality
  • Texture Quality
  • Post-Processing

Como podem ver as opções gráficas de SAND LAND são tão escassas como a água no deserto, no entanto, também podem ser uma boa noticia para os utilizadores de portáteis, especialmente form factor como a Steam Deck e a ROG ALLY. Quer uma como outra não vão ter nenhum problema em executar SAND LAND.

No caso da Steam Deck as configurações automáticas são as mais elevadas, no entanto, recomendo baixarem a qualidade das sombras para baixo para desfrutarem da aventura a 60 fotogramas por segundo ao invés de jogarem entre 30 a 45. No caso da ROG ALLY tudo ainda é muito mais simples porque o jogo com as configurações automáticas pode ser desfrutado entre 60 a 89 fotogramas por segundo a 900p e 25w e estes podem ser praticamente “bloqueados” a 120 se recorrerem à recente tecnologia AMD Fluid Motion Frames (AFMF) com o nível das sombras pelo menos em médio, mas muito sinceramente não vão notar diferença nenhuma.

Isto porque o jogo apresenta o inconfundível estilo de arte cartoonesca de Akira Toriyama. Os modelos das personagens parecem oriundos de outras das suas obras como Dragon Quest ou Dragon Ball, com especial detalhe para as texturas de sombras que imitam os limites carregados que utilizava nas suas artes. Ainda assim, é verdade que as personagens possuem um nível de detalhe bem interessante, o mesmo já não podemos dizer de alguns dos seus ambientes que devido à sua simplicidade destoam dos outros elementos. É um efeito estranho porque o jogo utiliza o motor Unreal Engine 5 que é bem visível em alguns dos efeitos de iluminação que, por vezes, são surpreendentes, especialmente quando nos deslocamos pelas dunas e falésias. Também deixo uma menção pela forma como a ILCA conseguiu tornar tão interessante e único o conceito de “deserto”, um elemento à partida muito complicado se der transformado e moldado. O mesmo podemos dizer do áudio que oferece faixas musicais versáteis que se enquadram aos momentos da aventura, algumas estranhamente até refletem o aspeto inocente e desleixado do Beelzebub quando este fala em inglês ou japonês com recurso a legendas em mais de 10 idiomas onde consta o Português do Brasil.

SAND LAND é uma aventura que melhora exponencialmente o mundo criado por Akira Toriyama através de uma narrativa mais coesa e um sem fim de novos veículos. Embora o jogo apresente um fluxo repetitivo de missões, a personalização de veículos e um mergulho mais profundo na caracterização e motivação de personagens são motivos mais que suficientes para os fãs da obra e do célebre criador partirem para a aventura.

A ILCA volta a pegar numa série anime para oferecer um lado B, e se continuar com o que trilhou com One Piece Odyssey e agora com SAND LAND podemos estar perante uma das únicas produtoras que não envereda pelo caminho simplista de Arena Fighters 3D em jogos baseados em anime. Existe mais no legado de Akira Toriyama que Dr. Slump e Dragon Ball e SAND LAND está aqui para o provar.  

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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