STRAY é um jogo que assim que foi apresentado conquistou de imediato atenções, dado que o seu foco não era um guerreiro exageradamente armado, mas sim um pequeno gato laranja vadio deambulando numa metrópole pincelada em tons futuristas cyberpunk. Na verdade, para descobrir as suas origens, temos de miar até 2015, quando dois ex-funcionários da Ubisoft, creditados como Koola e Viv, desejavam criar um jogo diferente e vanguardista. Foi nessa altura que notaram nas ternurentas diabruras dos seus gatos de estimação Murtaugh e Riggs, e decidiram utilizá-las na criação do primeiro jogo do BlueTwelve Studio, que chegou até nós através da Annapurna Interactive.

STRAY abre a sua narrativa com um grupo de gatos vadios durante uma noite de tempestade. Enquanto a chuva cai e os clarões iluminam um pequeno beco, esta gataria diverte-se a brincar, e a dar carícias ao nosso corajoso herói felino, inconsciente da grande epopeia que o aguarda. Na manhã seguinte este grupo felpudo abandona o seu esconderijo e deambula por um mundo onde a vida humana parece não existir. De salientar que mesmo nos momentos primários desta aventura de quatro patas, o jogo introduz-nos a um tutorial bem característico, dado que abraça por completo todas as características de um gato, ou seja, arranhar todo o tipo de superfícies, saltar acrobaticamente, miar, atirar objetos ao chão, brincar com os seus companheiros e beber água. No entanto, durante esta viagem, o nosso herói acaba por se separar do seu grupo, aterrando -literalmente- num mundo mecanizado onde a luz não existe e o céu é uma enorme placa de metal. O nosso gatinho não tem escolha se não seguir uma longa viagem, enfrentar inúmeros perigos e formar amizades de modo a subir novamente ao seu vibrante mundo e encontrar os seus amigos.

Como já se aperceberam a história de STRAY, é muito simples inicialmente, afinal falamos de um gato vadio que simplesmente deseja regressar a casa. Contudo, quando mais interagirmos com as diversas personagens, e mais mergulharmos na história, mais nos aperceberemos que nem tudo é o que parece. O mundo e a história retiram alguns elementos de jogos como Breath of Fire: Dragon Quarter e Final Fantasy VII. Enquanto o primeiro relata uma espécie de paraíso num mundo superior, o segundo volta a colocar as classes mais altas e oprimidas num mundo onde um consumo humano desmesurado de recursos conduziu à sua ruína.

Nesta era o mundo vive sob a ameaça dos zurks, uma forma de vida desconhecida que se alimenta de metal e pequenos gatos laranja que passeiam perto das suas colónias. Felizmente e muito cedo nesta aventura, o nosso gato interage com um pequeno robô -que navega no seu dorso- sem memórias do seu nome ou propósito. Sendo apelidado B-12, devido ao seu número de série impresso na sua cabeça, este robô forma uma aliança com o nosso amigo felpudo para o ajudar a recolher as suas memórias. Estas abrem grande parte da narrativa de STRAY, visto que revelam elementos de um mundo próspero ou os eventos e inventos que conduziram ao estado atual do mesmo.

B-12, é mais que um simples companheiro para o nosso herói felino, além de fornecer meios para enfrentar os zurks, também permite que o nosso gato vadio comunique com as únicas espécies sencientes deste mundo, uns estranhos autómatos que apresentam sentimentos humanos, e que decididamente não falam língua de gato. É inevitável não transitar elementos destes seres de metal aos que vivemos em NieR Automata. Ambos partilham vivencias, traumas, funções, e até procuram um sentido para as suas vidas. Estas interações também abrem quests mandatórias e opcionais onde recolhemos partituras, trocamos latas de refrigerante por itens ou ajudamos uma autómato avó a tricotar um poncho para um robô cheio de frio. Quer seja nos bairros de lata, em perigosas localizações infestadas de zurgs, o nosso herói gato vai ter de resolver pequenos enigmas e quebra-cabeças com os seus instintos de gato. Os mesmos usam a psicologia e filosofia deste simpático animal na sua resolução. Rolar em bidões para permitir alcançar maiores superfícies, atirar vasos para impedir o funcionamento de ventoinhas, miar ou arranhar superfícies para atrair atenções, e até caminhar num teclado para introduzir palavras passe são apenas alguns destes elementos. Embora não faça parte de enigmas -mas achamos bem divertido- o facto de quando o nosso herói veste um colete não se conseguir movimentar e até cair, é na realidade uma condicionante destes animais de estimação que demonstra o especial cuidado que o BlueTwelve Studio teve na produção de STRAY.

Enquanto alguns dos citados enigmas apenas necessitam dos instintos felinos, outros vão necessitar da ajuda de B-12, aliás o pequeno robô será vital para devolver o nosso gato sem nome novamente aos seus amigos. Além de introduzir a mecânica de teletransporar objetos, também oferece meios de defesa contra os Zurgs. Acreditem que quando estes pequenos que parecem os headcrabs de Half LIfe, invadem os nossos ecrãs nenhum humano, robô ou felino está preparado para os mesmos. STRAY deu a entender que se tratar de um jogo calmo e relaxante através dos seus trailers, mas não podia estar mais longe da verdade. Em localizações infestadas de zurgs e para evitar ser capturado o nosso herói terá de agir com mestria e agilidade para não gastar uma das suas “nove vidas”. Nestes momentos assistimos a uma espécie de “QTE” interativo onde quer o coração do nosso animal como o nosso pulsam sem cessar e a adrenalina invade um mundo aparentemente calmo e distópico. Já há muito que não sentíamos misto de adrenalina e até medo a dar um ar de sua graça no universo dos videojogos. De salientar que estes momentos ganham uma originalidade muito própria, dado que os vivenciamos através da visão e dimensão de um gato, e podem crer que jamais viram -sentiram- algo assim num videojogo.

Depois de tanta adrenalina nada melhor que nos divertirmos junto do nosso herói brincando com caixas, miando para revelar as emoções dos robôs nos seus visores, ou simplesmente dormir e beber água, sim, porque um herói de quatro patas tem de se manter hidratado, relaxar e recuperar energias! Esta também não é uma aventura que consuma muito tempo, em média vai ser necessário cerca de 8 horas para devolver o nosso felino a casa. Contudo, se desejarem absorver tudo o que este mundo cyberpunk tem para oferecer podem acrescentar mais um par de horas na vossa estadia.

STRAY, mesmo tratando-se de um jogo indie AA apresenta grafismos fascinantes. Contudo, pequenos registos impedem-no de saltar ainda mais alto. Nesta versão analisada para PC (Steam) a mesma encontra-se barrada a 60 fotogramas por segundo. Acreditamos que isto se deve ao facto de STRAY ser uma aventura com as consolas PlayStation em mente, daí que transitou com os seus registos e elementos praticamente intactos. Felizmente esta versão apresenta algumas opções gráficas tais como resoluções até 4K, detalhe nas texturas, sombras, efeitos, nitidez e mesh. Mesmo com estes elementos gráficos, acreditamos que os visuais poderiam ter sido melhores em certas instâncias. Não nos interpretem mal, adoramos a nossa estadia neste bairro, os seus grafismos e visuais geralmente são surpreendentes e muito requintados, principalmente no centro da cidade, com os neons a refletirem nas poças de água. No entanto, certas texturas apresentam detalhes datados, um pouco deslavados, como se estivessem a ser carregados perpetuamente, se jogaram Final Fantasy VII Remake, depressa saberão do que falamos, quem diria que o mundo de STRAY partilharia outro elemento da história inicial de Cloud Strife, talvez por também receber lançamento na PlayStation 4, ou seja, uma máquina de uma geração anterior. Também em ambientes onde a penumbra persiste avistamos uma espécie de elemento de halo em redor das personagens, este elemento pode ser abafado reduzindo a nitidez, mas sinceramente preferimos um gato de tons angelicais do que efeitos de movimentos velozes nublados.

No cômputo sonoro as melodias que acompanham o nosso heroico felino são muito modelares. Embora não estejam presentes em todos os momentos, quando surgem apresentam com clareza todas as emoções que sentimos. De salientar que nos momentos de gataria os instrumentos são conduzidos por um violoncelo, um instrumento conotativo às ações de um gato, e que o jogo possui falas com grunhidos e outros efeitos nos seus habitantes robóticos, enquanto o nosso felino apenas… mia. STRAY como tem raízes nas consolas PlayStation possui textos e localização em 16 idiomas diferentes, onde constam o português europeu e do Brasil.

STRAY é uma das mais originais obras produzidas para um videojogo. Como adapta o seu mundo ao olhar e dimensões de um gato é um deleite quer para os fãs de jogos de aventuras, como para fãs destes simpáticos pequenos felinos. Sem papas na nossa língua afirmamos imponentemente que estamos perante um sério candidato a arrecadar a coleira de jogo indie de 2022, e não vai precisar de nove vidas para conquistar um mercado algo estagnado no que toca a originalidade de conceitos e ideias. Em suma, tal como os animais domésticos a que retira elementos, STRAY é uma aventura perigosa, ternurenta e divertida.

Prós e Contras de Stray:

+ Aventura moldável que explora a filosofia e psicologia de um gato
+ Originalidade de ideias e conceitos
+ Momentos intensos de ação
+ Projeção e dimensões na ótica de um felino
+ Quebra-Cabeças criados com base nas características de um gato
+ História com reviravoltas interessantes
+ Cenários repletos de detalhe
+ 16 idiomas
+ Podemos ser um gato
– Pouca duração
– Texturas deslavadas em alguns ambientes e objetos
– Motion Blur pode ser necessário para alguns de forma a minimizar efeitos de halo em cenários escuros

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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